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O mundo de pernas para o ar

O mundo de pernas para o ar

Hoje venho falar da Soberba…

Sabem o que é a Soberba?

A Soberba é aquela atitude que as pessoas assumem quando não têm razão, mas acham que têm. Não sei se isto está relacionado, ou não, que aquele transtorno mental – identificado por alguns estudos – em que as pessoas profundamente incompetentes são incapazes de perceber a sua própria incompetência; mas talvez esteja…

Seja como for, sempre existiram estas pessoas; eram os chamados chicos espertos: sabiam sempre tudo e não admitiam ser desmentidos. No entanto, agora parece que há mais…

Não há. O que há é a Internet e a democratização do acesso à publicação de opiniões pessoais. Esta ideia nem é minha; creio que é de Umberto Eco… E é bem verdadeira.

Antigamente, essas pessoas eram silenciadas pela pressão social; alguns amigos lhe diriam que estava a dizer disparates e o resto era a vergonha a funcionar. Mas nos nossos dias esses amigos multiplicaram-se por milhares – pelas redes sociais – e despersonalizaram-se: são fotos ou avatares. Assim, a possibilidade desses chicos espertos encontrarem os seus iguais aumentou; já não estão cingidos à mesa de café. E a pressão social, também, mudou; na sua forma e percepção; transmutou-se: hoje a pressão social é percepcionada como a ausência de Likes e os comentários depreciativos são desvalorizados perante o volume desses Likes. E como a mesa de café se alargou ao mundo, os seus iguais – os outros chicos-espertos – acorrem ao seu apoio. São muitos os disparates que reúnem centenas e milhares de Likes. Não acham isto preocupante?

Também se tornou politicamente incorreto, chamar os bois pelos nomes..

Hoje em dia jamais se pode dizer a alguém que é incompetente para alguma coisa. Em vez disso, convencionou-se dizer – sempre – que deve continuar a esforçar-se e trabalhar mais; como se o trabalho e o esforço fossem suficientes para fazer evoluir determinadas competências. Não estou a dizer que o trabalho não traga evolução, estou só a dizer que não é suficiente, porque também a inteligência é necessária; a prática, a emocional e a funcional.

Não estou a falar por falar. Trabalhei por muitos anos como chefe de equipa e pelas minhas mãos passaram pessoas inteligentes, mas nem todas podiam fazer os mesmos trabalhos, mesmo tendo as mesmas aptidões técnicas. E não podiam, porque determinados trabalhos exigiam determinados aspectos da inteligência, como certas perspicácias e aptidões, que, existindo, lhes permitiria funcionar muito melhor; fazer um melhor trabalho, sendo mais eficazes e errando menos. E eu sei que o trabalho – a prática, se quisermos – não fez qualquer diferença nalgumas daquelas pessoas; todas elas, durante algum tempo, tiveram as mesmas oportunidades de evoluir fazendo esses trabalhos em que se vieram a confirmar como incompetentes.

E eu próprio… Eu sei que há determinadas coisas que por muito que me esforce nunca irei conseguir fazer bem; e o que mais me irrita é ter alguém a dizer que tenho de me esforçar mais… Irrita-me porque continuam a dar-me esperança e isso mantém-me ocupado com algo, em que nunca serei competente, quando poderia empregar o meu tempo em outra coisa na qual, realmente, posso tornar-me mais competente.

Mas isto serve apenas para demonstrar em como a nossa postura social está errada e a traduzir-se no empoderamento de gente incompetente, ao permitir-lhes prosseguir com a ilusão de autoridade que tem sobre determinado assunto, e a manter ocupados outros indivíduos com assuntos nos quais nunca serão competentes.

No nosso mundo, dificilmente encontraremos as pessoas certas na posição adequada; e nesta questão não estou a falar numa perspectiva hierárquica. Estou a referir-me à grelha social – horizontal, se quiserem – das pessoas anónimas. E isto é o mesmo que dizer que encontraremos mecânicos que deveriam ser médicos, professores que deveriam ser advogados, médicos que deveriam ser professores… Poderia continuar… Como é que isto acontece?

Poderão enumerar uma série de razões. Mas todas elas serão do foro circunstancial… A minha pergunta é maior: como é que nós, como sociedade, chegámos a este ponto?

Dirão que sempre foi assim. Dirão que sempre houve pessoas que tiveram de trabalhar em coisas de que não gostavam. É verdade… E eu acho que este problema não é de agora; este problema nasceu da criação da ideia de que o trabalho não é para se gostar… E esta foi uma ideia engendrada pelo capitalismo para aumentar e manter a mão de obra. No entanto, hoje em dia há estudos que apontam para um número crescente de infelizes no trabalho; um número nunca antes atingido. Por isso, pode ter sido sempre assim, mas hoje é mais preocupante.

O que é que mudou?

Seremos mesmo mais os infelizes?

Será que somos os mesmos, mas agora há estudos e números?

Será que fomos nós que passámos a importar-nos mais com a nossa qualidade de vida?

Eu acho que é um pouco de tudo. Nós passámos a preocuparmo-nos mais com a nossa qualidade de vida, temos mais estudos e números sobre o assunto; e tudo isto acontece porque, de facto, somos mais infelizes e queremos mudar isso…

Mas o que é que têm a Soberba dos chicos espertos, as redes sociais e a infelicidade laboral em comum?

São tudo sintomas de que algo está mal na nossa sociedade. Ao mesmo tempo que as dinâmicas sociais evoluíram, permitindo-nos criar espaço para o níveis superiores da Pirâmide da Maslow, não conseguimos garantir que essa evolução fosse para toda a gente; mas criámos a ilusão de que foi.

Essa ilusão é o resultado da massificação, da aldeia global, da ideia de que somos todos iguais… E isso faz com que muitos de nós desejemos coisas que não estão ao nosso alcance, intelectual e financeiramente, e que nos comportemos como estando…

Como – talvez pelo fenómeno do reflexo – nós nos revemos nessas pessoas, pois afinal não somos imunes, também temos daqueles desejos, começámos a censurarmo-nos na crítica e deixámo-los perderem-se na ilusão; como muitos de nós andaremos perdidos…

E é assim que acabamos nesta sociedade de gente que acha que é, mas não é; de gente que é o que não quer ser; de gente que não é o que devia…

Como o processo social que regula estas coisas está – e tem estado – adormecido, a única forma de resolver isto, agora, está no individuo.

O processo de cura começa em nós; na frontalidade individual, assumindo aquilo que somos e aquilo que não somos e sendo capazes de perceber o nosso papel no mundo… Não estou a dizer que será fácil.

Ah! E se formos sendo capazes de dizer àquele amigo que só diz disparates para estar caladinho, talvez consigamos voltar a pôr a Sociedade, de novo, nos eixos…

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