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O mistério do cérebro humano: por que sonhamos?

O mistério do cérebro humano: por que sonhamos?

Sonhar é um acontecimento que provoca a imaginação dos humanos durante séculos, comprovado por registros pré-históricos da existência dos sonhos entre nossos ancestrais do período intitulado de paleolítico superior.[1]

Desenho atribuído ao Paleolítico Superior, encontrado na parede da Caverna de Les Trois-Frères — França. Representação parietal de dois seres meio humanos e meio animais, muito raros na arte rupestre.

Você sonha com frequência?
Costuma lembrar dos seus sonhos?
Qual o mistério escondido nos sonhos?

Para tentar estabelecer uma ordem reflexiva sobre o tema, iniciamos pelo fenômeno dos sonhos visto pela ciência.

A hora de sonhar

O cérebro humano fica ativo enquanto dormimos, permitindo o repouso de uma das áreas responsáveis pela consciência da vigília, o córtex pré-frontal cerebral.

O sono humano é constituído por duas fases distintas: o chamado sono não-REM, que é mais lento, e o sono REM, que tem atividade cerebral mais rápida. 

Durante uma noite de sono tranquila passamos várias vezes por quatro ciclos:

  • 1ª fase NÃO — REM — (10%) é a transição entre a vigília e o sono. Há a liberação do hormônio chamado melatonina, que induz a sonolência;
  • 2ª fase NÃO — REM — (45%) diminuem os ritmos cardíacos e respiratórios, com relaxamento dos músculos e temperatura corporal mais baixa. Sono considerado leve;
  • 3ª fase NÃO — REM — (25%) o corpo funciona mais lentamente e o metabolismo diminui. O coração bate mais devagar e a respiração fica mais leve;
  • 4ª fase REM — (20%) é o sono profundo, quando ocorrem os sonhos, os fragmentos de memória. Os olhos, mesmo fechados, se movimentam rapidamente, há liberação de adrenalina com picos de batimentos cardíacos e pressão.

Nas fases 1, 2 e 3 há uma economia de energia, restauração dos tecidos, aumento da massa muscular e liberação do hormônio do crescimento (GH). Na fase 4 ocorre a consolidação da memória e do aprendizado.

Caso a pessoa seja acordada durante a noite e interrompa algum ciclo, se estiver relaxada e voltar a dormir, retornará aos ciclos de sono novamente.

O neurocientista Sidarta Ribeiro, professor titular e um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN)[2], ao publicar suas pesquisas sobre os sonhos humanos, afirma que durante as fases do sono, principalmente na fase 4, além de consolidarmos a memória, organizamos as ideias e percepções diversas colhidas durante a vigília, fato que contribui para possíveis “antecipações”, que o autor chama de sonhos probabilísticos, não premonitórios.  

Estes sonhos probabilísticos que podem ocorrer em algumas ocasiões, segundo o autor, não se alinham a uma condição de prever o futuro, mas sim, em condições de organizações mentais múltiplas, que consideram percepções finas, inconscientes e conscientes, que ocorrem naturalmente no período de vigília. Durante os sonhos, com a mente e corpo relaxados, é possível revisitar as diversas percepções de mundo registradas durante o dia, que aliadas a emoções e históricos de vida, podem se transformar em sonhos reveladores de ideias novas, soluções para problemas diários ou simplesmente antecipar possíveis cenários e comportamentos futuros.

Se preparar para situações futuras é uma defesa natural de nosso cérebro. De certa forma, fazemos este exercício durante todo o tempo, como uma das formas humanas de proteção da vida. Logo, continuar esse exercício durante uma noite de sono, com tempo, espaço e farto repertório de possibilidades, é algo essencial para a manutenção da vida na Terra.  “Os desejos e nossos anti-desejos (aquilo que não desejamos que aconteça), são nossos tecidos primários dos sonhos, na dimensão individual e coletiva”. (Entrevista com Dr. Sidarta Ribeiro concedida ao canal GZH — 10/05/2025)[3].

Os sonhos costumam ter caráter terapêutico, no sentido do processo de cuidado, tratamento ou cura de algo. Na grande maioria das pessoas, os sonhos ocorrem várias vezes durante uma noite de sono, lembrando ou não deles pela manhã. Como exercício, é indicado ao se preparar para dormir, que se tenha a intenção de sonhar e lembrar do conteúdo dos sonhos ao amanhecer. Antes de pensar nas atividades diárias e já inundar o cérebro com descargas de cortisol pela manhã, é preciso parar e tentar lembrar dos sonhos, como um dos primeiros exercícios para o corpo e mente. Anotar seus sonhos e relatá-los para alguém que saiba ouvir é um ótimo caminho para exercitar essa prática milenar humana.

Quando o sonho não tem mais lugar

Para a garantia de uma noite de sono adequada, são necessários alguns cuidados que assegurem não somente o descanso do corpo, mas também da mente, incluindo o sonhar como parte importante do processo.

É indicado criar uma rotina do sono, organizando o dia e a noite com atividades diferenciadas e pontuais a cada período, de forma que seu corpo perceba claramente as horas de atividade e luz intensas e horas onde a atividade e a incidência de luz vão ficando cada vez mais calmas e escassas.

Evitar o consumo de bebidas estimulantes durante a noite também representa um cuidado com o sonhar, a ingestão de estimulantes como bebidas alcóolicas, café entre outros, darão uma sinalização totalmente contrária ao seu cérebro, como se você precisasse da vigília e não do sono.

Isso vale também para a ingestão de comidas pesadas antes de dormir. É preciso tempo para que o corpo complete a digestão dos alimentos antes de dormir, do contrário, você poderá sofrer com refluxos ou outros sintomas gástricos que atrapalharão seu sono.

Por fim, evite telas iluminadas artificialmente durante a noite, a luz azul emitida por eletrônicos inibe a produção de melatonina[4] e prejudica o ciclo do sono. E aqui, precisamos escrever um pouco mais.

Gráfico produzido pela National Sleep Foundation aponta que a necessidade de horas de sono diminui ao longo da vida: se para um recém-nascido são necessárias, em média, entre 14 e 17 horas de sono, para um idoso esse número cai para 7 a 8.

Tomando como base o gráfico publicado pela National Sleep Foundation, percebe-se que as horas de sono vão diminuindo com o passar dos anos, porém, a qualidade do sono como uma das condições para uma vida mais saudável continua presente.

Ocorre que estamos dormindo cada vez pior e sonhando menos. Segundo dados publicados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz — Brasil) em 2023, 72% dos brasileiros sofreram de distúrbios relacionados ao sono, que por consequência, interferiram na atividade do sonhar.

Em uma sociedade onde cada vez mais o viver se transforma em capital, dormir parece representar perda de tempo. O que vale é estar sempre presente, online, em todos os lugares, saber de todas as últimas notícias, opinar sobre tudo e não se ausentar, afinal, “quem não é visto não é lembrado”. Triste pensamento este!

A coordenadora do Laboratório de Cronobiologia e Sono do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora da UFRGS Maria Paz Hidalgo afirma que “a gente desvaloriza muito o sono” e esclarece que há alguns mitos relacionados ao tema. Um deles é afirmar que, ao dormir menos, a pessoa irá produzir mais. A verdade é que a produtividade diminui, já que o corpo não está descansado o suficiente. (UFRGS — 2024)[5]

A falácia da produtividade a qualquer custo acaba sendo associada à ideia de que estar ocupado a maioria do tempo é sinônimo de produtividade, poder e dinheiro. Há um certo prazer e sentimento de superioridade ao dizer “não tenho tempo para nada, está corrido”.

Aliado a este universo de produtividade humana, está o fato de vivermos cada vez mais em grandes cidades, muito iluminadas e com grande apelo tecnológico, fatores que contribuem negativamente para um sono adequado e um sonhar descompromissado.

Estamos perdendo o ritmo do viver, adotando a vida do FAST, fast food, fast sleep, fast love e fast life.  Estamos inserindo o FAST justamente nos momentos em que podemos encontrar mais alegria em viver e isso pode se transformar lentamente em ansiedade, tristeza, depressão e doenças diversas.

A boa notícia é que há tempo. Você pode repensar seus hábitos, reavaliar suas prioridades e se dar o direito de sonhar. Se for identificado algum distúrbio do sono, procure ajuda médica, mas não deixe de sonhar.  Não tenha medo, sonhar é uma atividade fundamental e saudável para seu cérebro, auxilia na organização das ideias, incentiva a criatividade e liberta seus medos, ansiedades e desejos.  Mesmo que você não se lembre de seus sonhos, todos nós sonhamos, aproveite.


[1] Paleolítico Superior é a terceira e última divisão do Paleolítico. Inicia-se há cerca de 100 mil anos atrás na África e no Oriente Médio, e há 50 mil anos na Eurásia; termina com o advento da agricultura e da sedentarização, em torno de doze mil anos atrás.

[2] Disponível em: https://neuro.ufrn.br/ — Acesso em 27/05/2025.

[3] Disponível em: https://youtu.be/JgWrbINEobw?si=DKEVBhzM77kcEySA — Acesso em 27/05/2025

[4]  Hormônio produzido pela glândula pineal do cérebro, que tem a principal função regular o ciclo circadiano, estimulando o sono no final do dia. A melatonina promove também o bom funcionamento do organismo e atua como antioxidante.

[5] Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/qualidade-de-sono-tambem-e-saude/ — Acesso em 29/05/2025.

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