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Novos caminhos para a descentralização de competências em Portugal. E as Regiões Autónomas?

Novos caminhos para a descentralização de competências em Portugal. E as Regiões Autónomas?

Numa obra algo provocatória, mas com muito de reflexiva, o politicólogo norte-americano, já falecido, Benjamin Barber desafiava o status quo com o seu livro: “Se os autarcas governassem o mundo(If Mayors Ruled the World, Yale University Press, 2013).

Vem esta introdução a propósito, daquilo que em Portugal se encontra na “ordem do dia”, relativamente à descentralização de competências para as autarquias.

Concretamente, estamos a falar da Lei nº 50/2018, de 16 de agosto. Com a publicação deste normativo coloca-se em “letra de lei”, aprovado na Assembleia da República, o mais recente quadro de transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os “princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local”, tal como havia sido anunciado pelo Governo da República, mediante um processo negocial sinuoso de avanços e recuos. Não sendo a primeira legislação nacional a proceder a este processo descentralizador, na realidade é um quadro bastante alargado de matérias que passam a ficar abrangidos.

Esta Lei acaba estabelecendo um quadro regulatório amplo, naquilo que seja a transferência das novas competências, a identificação da respetiva natureza e a forma de afetação dos respetivos recursos (o que mais fará depender o “sucesso” das áreas descentralizadas). Estas medidas serão concretizadas através de diplomas legais específicos, relativos aos diversos setores a descentralizar, os quais estabelecerão também disposições transitórias adequadas à gestão do próprio procedimento de transferência.

Concretamente, reportando-nos à área da educação, o recente Decreto-Lei nº 21/2019, de 30 de janeiro, veio concretizar o quadro de transferência de competências neste setor. Com este recente modelo tenta redefinir-se aspetos como o da intervenção, o âmbito de ação e responsabilidade de cada interveniente, central e local, tendo presentes os princípios e regras consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo e no Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos de Educação, previsto para o espaço nacional português (1).

Fundamentalmente, este novo regime busca assegurar uma correspondência entre o âmbito das competências descentralizadas e a organização da oferta pública de ensino básico e secundário, cuja matriz em Portugal visa assegurar atualmente o cumprimento da escolaridade obrigatória pelas crianças e jovens em idade escolar (12 anos de escolaridade) e a universalidade da educação pré-escolar. Esta solução, além de garantir coerência entre o exercício das competências das autarquias locais e entidades intermunicipais no domínio da educação e a organização geral do sistema educativo, corresponde aos diferentes níveis e ciclos de ensino existentes nos agrupamentos de escolas (2), pondo termo ao exercício concomitante de competências da mesma natureza, numa única unidade orgânica, por diferentes entidades públicas.

Mantêm-se, por outro lado, como competências do Ministério da Educação (ME), a prerrogativa na definição da rede educativa, em articulação com os municípios, as entidades intermunicipais e os agrupamentos de escolas (incluindo as escolas não agrupadas), bem como a decisão sobre a contratualização ou cedência da criação e gestão de oferta pública da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário a entidades de natureza privada, cooperativa, solidária ou afim.

Sobre aspetos da gestão, a competência para o recrutamento, seleção e gestão do pessoal não docente de todos os níveis e ciclos de ensino –que não os docentes, que se mantêm no ME- passa para as câmaras municipais. Para o efeito, prevê-se a transferência daquele pessoal com vínculo ao ME para os municípios, estabelecendo-se mecanismos que visem a salvaguarda da sua situação jurídico-funcional.

O Conselho Municipal de Educação -órgão por excelência na definição local da política educativa-, no reconhecimento do seu papel essencial como instância territorial de consulta e reflexão (justamente sobre estas modalidades de políticas públicas), permanece como órgão institucional de intervenção das comunidades educativas em cada concelho. Mas, a sua composição é alargada. Nele inclui-se agora, além dos membros -que hoje já o integram-, um representante das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, um representante de cada um dos conselhos pedagógicos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e um representante das instituições do setor social e solidário, que desenvolvam atividade na área da educação.

Ainda, com o interessante objetivo de garantir a coordenação entre os diferentes níveis de administração, é criada em cada concelho uma comissão restrita que acompanhará o desenvolvimento e evolução das competências transferidas.

Sem embargo, de toda esta evolução, encontramos algumas críticas a esta nova formulação. Talvez, não tanto nas soluções encontradas já que até as não puderam discutir; mas também, ou sobretudo, porque o plano em que as matérias acabam sendo colocadas –central versus local- não esgota hoje o universo constitucional em Portugal.

Ora, entre as maiores criticas a esta solução  (que na realidade acaba pretendendo fazer até um “aditamento” aquilo que já a Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, implicava de transferência recente de competências do Estado para o poder local), encontramos os órgãos de governo da Região Autónoma da Madeira por entenderem existir (e bem, a nosso ver, pelo alcance competencial constitucional implícito), no regime definido, uma não efetiva intervenção da instância de poder regional, atualmente incontornável com competências próprias e delegadas do Estado (3).

No essencial diremos, sobre esta matéria, paradigmaticamente falando dada a sua acrescida importância em termos de relações institucionais entre o Estado e as Regiões  Autónomas em Portugal;  que a nosso modesto ver, quando se aborda esta matéria da descentralização -ao que na Madeira deveremos associar sempre a questão da Autonomia-, tal acaba por inevitavelmente nos remeter para tudo aquilo que concerne a uma confrontação, já clássica, entre o modelo histórico dominante da centralização ou a opção por uma territorialização de base municipal, sempre adiada apesar de amiudadamente anunciada.

De facto, em Portugal, apesar dos discursos políticos (e dos políticos!), não existe devidamente interiorizado o relevo, a importância, naquilo que designaríamos por uma ação descentralizadora -como uma mais-valia para o cidadão, realidade de resto percetível a vários níveis e, sobretudo, na ação de uma administração pública demasiado refém da política e menos de políticas públicas.

Objetivamente, atente-se naquilo que corresponde hoje, entre nós, a uma territorialização na sua variante regionalização. De facto, pode considerar-se, esta, estar longe de esgotada com a mera enunciação pela Constituição Portuguesa nos seus artigos 255º e 262º. Ademais, afigura-se-nos mesmo, que o debate gerado em torno da sua dimensão estará, também ele, longe de esgotado e não tenhamos dúvidas que o panorama seria atualmente outro, caso a efetiva regionalização de Portugal estivesse consumada e cumpridos, neste aspeto, os desígnios constitucionais da Constituição de 76.

Voltemos a concentrar a nossa atenção no setor da Educação. Estamos em crer, que estaríamos hoje certamente perante um desenho competencial legal diferente do que temos atualmente para os municípios. Admitimos assim, interessante pela oportunidade, que aquele relacionamento se materialize com as autarquias e os autarcas, desde que não se perca a oportunidade (mais uma) para colocar no centro as reais necessidades de aprofundamento e de “ligação” dos problemas às comunidades, num seguimento do princípio de subsidiariedade, que assenta na lógica de quem está perto da realidade melhor a pode compreender.

Urge assim, e quanto antes, iniciar nas Regiões Autónomas a discussão e o debate destas matérias.

Notas:
1 – Como é do conhecimento a Região Autónoma da Madeira tem desde o ano de 2000, um regime próprio de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas (DLR nº 4/2000/M , de 31.01, alterado pelo DLR nº 21/2006/M, de 21.06)

2 – Modelo de organização de escolas previsto para o território continental português não existente, todavia, no regime de organização de escolas na Madeira referido na Nota anterior.

3 – Em abono de um rigor conceptual a Lei nº 50/2018 introduz, apesar de tudo, a previsão de que, para cada Região Autónoma a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, nestes espaços territoriais será regulada por diploma próprio, mediante iniciativa legislativa das respetivas Assembleias Legislativas.

Referência:
Barber, B. 2013. If Mayors Ruled the World, Yale: University Press

Imagem de uso gratuito em pixabay

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