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Não basta oferecer ipads! A literacia em saúde exige mais.

Não basta oferecer ipads! A literacia em saúde exige mais.

As conversas com pacientes através da telesaúde necessitam de preparação prévia (Wicklund, 2021), pelo que não basta oferecer ipads para que estes pacientes, sobretudo os com baixa literacia em saúde compreendam as informações dadas através desta comunicação à distância.

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Os números mostram que o digital está para ficar. A ITU, agência especializada da ONU em tecnologias de informação (TIC), e fonte oficial de estatísticas globais de TIC, estimou que, desde final de 2019, mais de 51 por cento da população global, ou 4 mil milhões de pessoas, usam a Internet (UTI, 2021).

Os números mostram que os pacientes continuam com baixa literacia em saúde (inadequada ou problemática) em mais de 50% da população adulta na Europa (e nos Estados Unidos).

A literacia em saúde é um constructo que engloba as competências (conhecimento, capacidades e atributos pessoais), a motivação (ter intenção de comportamento e sentir-se impelido a cumprir o que lhe é proposto ou o que considera ser um benefício para a sua vida), atribuir importância/benefício a essa ação (intenção) e ter autoeficácia (saber que consegue fazer/cumprir a ação que lhe é proposta) para aceder, compreender, avaliar e usar a informação sobre saúde (Vaz de Almeida, 2020).

Sendo o acesso, compreensão e uso da informação em saúde por si só, complexos, a pessoa, corporizada tantas vezes no papel de paciente, assim como a sua família que o acompanha, devem conseguir passar os obstáculos que se levantam, em todas as suas dimensões cognitivas. 

No acesso deve conseguir chegar à informação de forma simples efetiva, com diversidade que se explana nas várias especialidades que necessita, e com garantia que consegue suportar os custos. 

Na compreensão, os materiais que fazem parte da rede de saúde como bulas, consentimento informado, prescrições e outros suportes informativos devem conter a linguagem que está precisamente no nível e compreensão do respetivo leitor. 

E, finalmente, o uso dessa informação deve ser obtido com consciência de todos os passos que são necessários para conseguir manter ou ter mais saúde.

Se a este processo, por si muito complexo, adicionarmos a distância, a dificuldade pode aumentar.

As razões prendem-se, não com a proximidade, pois o profissional, apesar da distância física, está presente virtualmente, mas com as condições em que é feita essa nova proximidade virtual. É preciso por isso, atender aos três elementos-chave: 1) “pessoa”, que é representada pelo paciente e sua família, o profissional de saúde ou de outra área e a relação que deve ser estabelecida, 2) pelas “evidências” onde se inclui o espaço ambiental, a iluminação, as cores envolventes, a estrutura que acolhe, os materiais , o desenho do espaço, as cadeiras, entre outros elementos, e 3) aos “processos” representados pelos formulários de consentimento informado, instruções em saúde, fluxogramas, prescrições e tudo o que precisa de circular para que, no final, resulte em mais saúde, mais prevenção e promoção da saúde, cuidados adequados, menos dano, mais segurança, maior satisfação.

Não basta por isso “oferecer o ipad”, é preciso ensinar e mostrar os caminhos, as vantagens e o processo de usar o ipad, e sobretudo relacionado com um ambiente de saúde.

Os pacientes devem saber o que fazer, quais as questões que devem colocar (o questionamento é crítico) e sentir a presença do profissional (Vaz de Almeida, Coelho, Rodrigues e Guarda, 2021) como se ele estivesse perto, lado a lado.

O profissional também deve preparar-se, criar o ambiente, verificar a estética desse ambiente, reduzir o barulho exterior, ter uma presença, postura, visibilidade como se estivesse sentado na sua cadeira no consultório com o paciente em frente de si ou ao lado de si. 

O desenho do espaço, quando centrado no ser humano como uma ferramenta, pode complementar o processo terapêutico, contribuindo para a redução do stress, melhoria da segurança dos pacientes e da equipe.

As estratégias de design, com foco em domínio espácio- social, podem ter um impacto profundo em crianças e adolescentes que  recebem tratamento de saúde mental. 

Elementos de design tangíveis e intangíveis que reduzem o estresse e a agressão do paciente fortalecem a conexão da equipa-paciente, facilitando um tratamento mais seguro, com resultados na melhoria da qualidade da saúde do paciente.

Para que o desenho do espaço seja analisado para se tornar ele próprio uma ferramenta de saúde torna-se necessário: 1) identificar as características ambientais que induzem estresse e desencadeiam a instabilidade do paciente; 2) reconhecer e intervir numa abordagem de design centrado no ser humano, que pode melhorar a segurança e os resultados dos pacientes em unidades de saúde; 3) entender como os elementos de design da natureza, a luz natural, a arte e os elementos aprazíveis, adequados aos paciente, podem ser usados ​​para reduzir o estresse; 4) incorporar estratégias que incluam recursos recreativos nas unidade de saúde e estimulem a movimentação e o bem-estar do paciente.

Através do telemóvel, ipad, computador, o mundo de saúde daquela pessoa é exposto, pelo que o cuidado na confidencialidade de dados deve ser garantido.

As estratégias de comunicação devem ser usadas de forma extensiva, focando-se não apenas na comunicação verbal, mas também na não verbal. A linguagem verbal e não verbal deve ser assertiva, clara e positiva (Vaz de Almeida, 2018, 2019, 2020).

O meio tecnológico deve ser acessível a um processo de compreensão, quase imediato, de quem o utiliza. Os caminhos que o paciente deve percorrer, com os dedos pelo écran que representa o “encontro em saúde” devem estar perfeitamente sinalizados por campos (menus) fáceis de aceder. Este mesmo dispositivo poderá servir de apoio e suporte quando o paciente estiver internado, e precisar de estar perto da sua família ou amigos. O ipad é uma janela de ligação para a saúde, para os afetos que o indivíduo necessita quando tem de estar distante, por razões de saúde (ou outras).

Mas o processo de conexão deve estar embebido em todas as dimensões defendidas pela literacia em saúde: acesso fácil, compreensão imediata ou quase imediata, e uso facilitado pelas ferramentas que suportam e defendem uma maior eficácia e resultados do processo em saúde. Essas ferramentas assentam na maioria das vezes em processos comunicativos e relacionais mais cuidados e no desenvolvimento de competências que permitem um maior empoderamento.

Cada país varia na sua abordagem na avaliação das tecnologias de saúde, mas um fator continua a ser crítico: o envolvimento do paciente (GAfPA.ORG , p. 2).

Segundo o GAfPA.ORG  (2020) , nenhum país ou organização pode capturar totalmente o valor de novos medicamentos ou dispositivos médicos sem considerar os utilizadores finais (p. 2), e isto implica comunicação à distância, através de meios que usam a tecnologia digital.

Soluções para uma maior participação do paciente 

A GAFPA.ORG  sublinha que as avaliações das tecnologias de saúde devem incorporar, de forma significativa, o feedback do paciente. Este acesso à construção de soluções tecnológicas, tem de revisitar com frequência, as avaliações que o paciente pode dar, especialmente através de um diálogo que permita uma verdadeira retroalimentação (GAFPA.ORG, p. 12 ).

Desde o início do processo, as organizações de tecnologia da saúde devem delinear como pretendem utilizar a participação do paciente, assim como devem depois demonstrar como foi efetuada e incorporada essa participação efetiva do paciente. 

O envolvimento requer materiais inteligíveis e utilizáveis. 

Destaca-se neste ponto a necessidade de materiais executados em linguagem clara e acessível para que  exista um efetivo acesso, compreensão e uso dessa informação, sobretudo por parte de pacientes com mais baixa literacia em saúde (Espanha, Ávila & Mendes, 2016).

Muito dos materiais utilizados pelos produtos tecnológicos contém linguagem excessivamente técnica, muitas vezes com conceitos que não são traduzidos para uma linguagem percetível, mesmo ara os que não têm baixa literacia em saúde. Esta ponte da necessidade do produto tecnológico servir a saúde, exige de princípios que se avalie a satisfação e a compreensão do seu uso e finalidades pelos que serão envolvidos, isto é tanto os profissionais como os pacientes.

Nesta ordem, os materiais que servem de base aos produtos tecnológicos, e usados para explicar procedimentos devem necessariamente conter uma comunicação assertiva, clara e positiva (Vaz de Almeida, 2018, 2019, 2020).

 A “tradução” dos materiais de avaliação da tecnologia de saúde para uma linguagem simples reduz a barreira à entrada de pacientes e grupos de defesa do paciente que querem envolver-se (GAfPA.ORG, p. 12 )

A participação significativa  do paciente requer apoio, tempo e recursos.

Segundo a Aliança Global para o Acesso do Paciente (GAfPA.ORG, 2020):

1.  As organizações de tecnologias de saúde muitas vezes incentivam a participação dos pacientes, mas deixam o ónus em cima das  organizações de saúde, para que elas façam as análises do processo, a identificação e a comunicação da informação necessária. 

2.  Ora, para se  otimizar o envolvimento dos pacientes, também estas organizações de tecnologia da saúde devem ajudar na tradução para uma linguagem mais acessível e compreensível estes materiais, seja através de  questionários, guias, formadores, ou outro meio eficaz, que consiga  facilitar o processo e torne a participação dos pacientes mais efetiva, obtendo deles um verdadeiro feedback.

3.  A transparência incentiva um processo de avaliação justo e equilibrado.

4. À medida que os pacientes sentem o impacto dos resultados da avaliação da tecnologia de saúde, visionam maior transparência no processo. 

5. Gerar uma avaliação fiável das tecnologias de saúde requer que os pacientes e os grupos de doentes não só sejam incluídos, mas também estejam devidamente equipados para se envolverem e fazerem contribuições significativas para o processo. 

Aliança Global Para o (melhor) Acesso Do Paciente  – Gafpa.org 

A Aliança Global para o Acesso do Paciente (2020) avaliou como, e quão bem, os diferentes países incorporam a participação dos pacientes nos processos tecnológicos e reviu práticas de avaliação de tecnologia de saúde. Nesse âmbito, e colocou um conjunto de questões sobre as infraestruturas, os materiais de comunicação e a capacitação dos pacientes, para poderem participar efetivamente (Quadro 1).

Quadro 1 . Questões sobre a efetiva participação dos pacientes nos processos tecnológicos de saúde

A importância de crescimento dos grupos de advocacia (mediadores) dos pacientes

A voz do paciente tem-se feito viva, muitas vezes através de grupos organizados , especialistas na mediação entre o paciente e o ambiente em saúde. Os patient Advocacy são os verdadeiros mediadores que facilitam os caminhos percorridos, tanto ao paciente como aos profissionais de saúde, tantas vezes facilitando a comunicação, traduzindo o jargão técnico, fornecendo meios facilitadores de acesso, compreensão e uso.

Os grupos de advocacia dos doentes admitem, porém, um fosso entre as oportunidades que lhes são oferecidas e o impacto  que a sua contribuição pode ter (GAfPA.ORG , p. 2). 

Para além da possibilidade de ter uma voz, os grupos de defesa dos pacientes estão ansiosos para ver as suas experiências e insights incorporados de uma forma mais tangível, informando o processo de avaliação e, em última análise, ajudando a garantir resultados mais significativos (GAFPA.ORG , p. 2).

Comunicar é mais do que informar, e a comunicação em saúde tem especificidades próprias: é feita à medida, tem conteúdo informativo e envolve a própria relação entre os participantes (Zarcadoolas, Pleasent, Greer, 2005, p. 196). 

Pelo que não basta oferecer ipads

É preciso comunicar bem, preparar o terreno da tomada de decisão, com ferramentas que capacitam, com mediadores (patient advocates) que possam apoiar o paciente neste desafio de atravessar o meio tantas vezes inóspito de saúde. São precisos mais apoios, que façam o paciente conseguir fortalecer o seu controlo sobre a sua saúde, mesmo que à distância de um click.

Referências:

Almeida, C. V. (2018). Literacia em saúde: Capacitação dos profissionais de saúde: O lado mais forte da balança. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção (pp. 33-42). Lisboa: Edições ISPA.

http://bibliografia.bnportugal.gov.pt/bnp/bnp.exe/registo?2016487

GAfPA.ORG (2020). Patient engagement in health technology assessment.  Practices and Principles for Europe & the United States. [online]. Disponível em: https://pharmerit.com/patient-engagement-in-health-technology-assessment-practices-and-principles-for-europe-the-united-states-report/

Espanha, R. Avila, P. Mendes, R.M (2016). A literacia em saúde em Portugal. Fundação Calouste Guklbenkian, CIES – IUL. Disponível em: https://content.gulbenkian.pt/wp-content/uploads/2017/08/29203225/PGISVersCurtaFCB_FINAL2016.pdf

Wicklund, E. (2021). Digital onboarding uses telehealth to start conversations with patients. MHealth Intelligence. [online] Available from: https://mhealthintelligence.com/news/digital-onboarding-uses-telehealth-to-start-conversations-with-patients

UTI (2021) . Statistics. Disponível em: https://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Pages/stat/default.aspx

Vaz de Almeida, C. (2019). Modelo de Comunicação em Saúde – ACP. Revista Enformação, 10, 20-22. Retrieved from: https://issuu.com/ace-enfermeiros/docs/10__revista_ace.pdf_1

Vaz de Almeida, C. (2020). O contributo das competências de comunicação dos médicos e enfermeiros para a literacia em saúde: O Modelo ACP Assertividade (A), Clareza (C) E Positividade (P) Na Relação Terapêutica. Zenodo. DOI] (https://zenodo.org/badge/DOI/10.5281/zenodo.4495585.svg)] (https://doi.org/10.5281/zenodo.4495585

Vaz de Almeida, C., &  Belim, C. (2021). Health Professionals’ Communication Competences as a Light on the Patient Pathway: The Assertiveness, Clarity, and Positivity (ACP) Model. International Journal of Applied Research on Public Health Management (IJARPHM), 6(1), 14-29. DOI: 10.4018/IJARPHM.2021010102 Retrieved from: https://www.igi-global.com/article/health-professionals-communication-competences-as-a-light-on-the-patient-pathway/267793

Zarcadoolas, C., Pleasant, A., & Greer, D. (2006). Advancing health literacy: A framework for understanding and action. San Francisco: Jossey-Bass

Imagem pertence ao site da ITU / Fonte da imagem: https://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Pages/ff2020interactive.aspx

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