A livre circulação de pessoas dentro de uma mesma comunidade parece algo natural. Ora, se é uma mesma comunidade, como se pode admitir muros quase intransponíveis entre seus pares e membros que os impede que se vejam e se reconheçam. Não existe comunidade de países e de objetos, mas de pessoas e as pessoas movimentam-se, circulam livremente na comunidade que constituem. Todavia, com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não é bem assim. Não há livre circulação no espaço comum lusófono e esse impedimento, no fundo e na superfície, guarda forte bases racistas e classistas.
O tema da mobilidade sempre esteve a atravessar as temáticas da CPLP, mas como algo distante, difícil, impossível. O Brasil, por exemplo, sequer reconhece essa comunidade por ela ser pobre e negra e, nos primeiros 20 anos da existência da CPLP, sempre lutou para não ser identificado como um seu membro. Quando o então presidente Lula ensaiou uma aproximação dos países lusófonos africanos, por exemplo, a grande mídia brasileira – porta-voz da elite nacional – criminalizou esses contatos, deixando aflorar preconceitos e discriminação racial e de classe, principalmente contra os povos dos seis países africanos da CPLP.
Agora, com a presidência rotativa da CPLP em mãos de Cabo Verde, a questão da mobilidade na lusofonia volta a surgir com mais fôlego. Nos últimos dias, técnicos dos países de língua portuguesa estiveram reunidos em Lisboa para analisar uma proposta para a livre circulação de pessoas na CPLP. Cabo Verde que terminar seu mandato deixando um legado prático para essa comunidade e ele seria a mobilidade. Esse esforço é louvável e nova reunião sobre o tema da mobilidade foi marcada para os próximos dias 27 e 28 de junho com funcionários dos ministérios da Administração Interna, Justiça e Negócios Estrangeiros dos nove Estados-membros. Parece perto, mas está longe.
Na reunião de agora não se chegou a nenhum acordo sobre a mobilidade, o que não é novidade alguma. Pior, o encontro parece levar a uma discussão em que a livre circulação ficará restrita aos interesses de cada país, de acordo com a vontade de cada governante, ou seja, não como CPLP. Assim, não se terá mobilidade, livre circulação no espaço comum da comunidade. Então, para quê comunidade? O projeto que poderá – de forma muito otimista falando – ser aprovado é o que estabelece um sistema “flexível e variável”, de modo que cada governo possa escolher o “tipo” e a “espécie” de mobilidade que quer, com que parceiro que quiser, e defina quando vai aplicar e adotar.
Esse pode ser um passo próximo, mas para um objetivo muito distante. O fato é que a natural livre circulação entre membro de uma mesma comunidade ainda é uma utopia, um longínquo horizonte que alguns países se movimentam em sua direção, mas que outros fogem dele como o diabo foge da cruz. Ou a CPLP enfrenta com firmeza a sua história identitária para se reconhecer como comunidade, superando questões basilares como racismo e pobreza, ou ficará presa em sua abstração.