A chegada da cólera à Europa alterou, de forma significativa, a maneira como o poder político encarava as doenças contagiosas. Portugal não foi exceção, e como resultado as entidades administrativas do país, organizaram um conjunto de reformas sociais e desenvolveram diretrizes de mudança na área da saúde pública.
O principal foco estaria na proteção da população face ao conjunto de epidemias que se desenvolveram durante a centúria de oitocentos por todo o continente europeu. A insalubridade era uma das principais caraterísticas das cidades portuguesas, e Guimarães apresentava o mesmo panorama.
A nível local, aquando do primeiro surto colérico, que se desenvolveu entre 1833 e 1836, procurava-se consciencializar a população para a necessidade de limpeza dos espaços públicos; a fiscalização de locais de venda de bens alimentares e até os cuidados a ter com o enterramento de cadáveres. A Câmara Municipal de Guimarães teria já aberto a discussão sobre a necessidade da construção de um cemitério (na zona da Atouguia), “pondo-se assim termo ao uso prejudicial por tantos motivos de interrar os cadáveres nas Igrejas, que até pela maior parte são pouco arejadas”[1]. Na época acreditava-se que epidemias como a cólera poderiam ser propagadas através da exalação de gases pestilentos. Assim os enterros dentro de templos poderiam constituir um perigo para a saúde, devido à decomposição da matéria orgânica proveniente dos cadáveres. Para isto contribuiu também a exaustão da ocupação dos solos das igrejas e a forma deficiente como alguns enterros eram feitos. A solução passou pela construção de cemitérios previamente afastados dos núcleos habitacionais da cidade, para que o contacto entre os vivos e os mortos fosse o menor possível.
Na reunião camarária de 13 de dezembro de 1834, referiu-se a necessidade da construção de uma cadeia segura, limpa e arejada, vendo imundas e asquerosas as prisões que existem nesta considerável villa [2]. O liberalismo vai procurar promover a criação de condições económicas e sociais para os mais carenciados. Dentro desta categoria estariam os presos, que além de verem como garantido, pelas entidades locais, judiciais e administrativas, o sustento alimentar, também a reunião de condições de higiene através da melhoria dos edifícios prisionais, faria parte das prioridades notadas a partir da década de 30 do século XIX.
O decénio de 30 carateriza-se pelas providências sanitárias implementadas pela Câmara Municipal de Guimarães. Além das descritas anteriormente, referentes à criação de condições higiénicas nos edifícios públicos, elaborou-se um edital onde foram descritas medidas obrigatórias para a população da cidade. A limpeza dos terrenos habitacionais era indispensável, assim como dos quintais, de forma a eliminar todos os tipos de imundice, e por estas entenda-se, fertilizantes naturais de efeitos agrícolas ou substâncias corruptas que pudessem produzir exalações insalubres. Os locais de venda de produtos alimentícios, como açougues, peixarias, padarias e locais de venda de produtos hortícolas, foram também alvo de inspeção que estabelecia parâmetros de cumprimento obrigatório como a limpeza dos locais de corte de carnes e peixes e a avaliação da qualidade dos alimentos, como seria o caso da farinha para o fabrico do pão. A prática de despejos de água pela janela era frequente na centúria, e também estes ou quaisquer outros despejos, foram estritamente proibidos na mesma reunião camarária.
Medidas para manter a salubridade da cidade foram discutidas nas reuniões da Câmara Municipal, aquando do segundo surto colérico. Em janeiro de 1854 era notória a necessidade de modificação do espaço público vimaranense através da adaptação de edifícios para a formação de um hospital para doentes coléricos. Foram escolhidas duas casas da Rua Escura (atual Rua Gravador Molarinho, junto da Praça de Santiago), “por se não acharem occupadas por seus donnos e quase devolutas” [3]. Foi também constituída uma comissão de socorros para os coléricos, para a promoção de medidas sanitárias necessárias, de caráter urgente. De referir que estas providências foram tomadas para evitar a ocorrência de um novo surto de cólera na cidade, ou pelo menos para o tornar menos intenso. Em junho de 1855, é novamente discutida a necessidade da formação de um hospital para coléricos nos terrenos da Santa Casa da Misericórdia e para isto foram convocados os Provedores da Santa Casa e da Ordem Terceira de São Francisco e o Prior da Ordem Terceira de São Domingos.
Além da adaptação de edifícios para os que padeciam de cólera, Guimarães também necessitava de espaços para as vítimas mortais da doença. Esta necessidade foi mostrada pelo Administrador do Concelho e pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia, pois o cemitério do hospital além de ser pequeno, já não tinha mais espaço para sepultar os mortos, classificando “o ano de muita gravidade devido do flagello da cholera morbus que desgraçadamente se achava nesta cidade”[4]. Se a segunda vaga de cólera em Portugal se desenvolveu entre 1854 e 1856, para Guimarães apenas a partir de setembro de 1855 existem referências sobre a propagação da doença.
O ano de 1855, mais precisamente o período entre os meses de julho e setembro, constituiu uma das piores fases da cólera em Guimarães. É notório o cuidado, devido à chegada da doença à cidade do Porto, em agir de forma eficaz no seu combate. Além das modificações de infraestruturas, foram novamente discutidas providências para a limpeza da cidade que seriam adicionadas ao Código Municipal de Posturas. As medidas em questão estavam essencialmente ligadas a cuidados de limpeza a ter com as habitações: era obrigatória a lavagem e caiação das habitações pelo menos três vezes no ano; era proibida a existência de estrumeiras que ultrapassassem os quinze dias e a conservação de porcos nas casas. As medidas tinham caráter obrigatório, caso contrário a população poderia submeter-se ao pagamento de multas[5].
Apesar da inexistência de informação sobre a estada da colera em Guimraães na década de 60, para o decénio de oitenta, existe a indicação, em 5 de agosto de 1885, nos manuscritos do escritor vimaranense João Lopes de Faria, da criação de um hospital para coléricos em Guimarães, na zona da Atouguia, que não chegou a ser usado[6].
Ao longo dos vários surtos de cólera durante o século XIX, a doença não atingiu Guimarães de forma a causar danos elevados, como o aumento da taxa de mortalidade. Porém, as entidades competentes, sobretudo a Câmara Municipal, mostrou desde o primeiro surto especial atenção na tomada de providências, que visaram a criação de melhores condições higiénicas nos espaços públicos da cidade.
[1] AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1834-1836, sessão de 13 de dezembro de 1834, fl.88.
[2] AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1834-1836, sessão de 13 de dezembro de 1834, fl.88.
[3] AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1853-1856, sessão de 5 de janeiro de 1854, fl.5.
[4] AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1853-1856, sessão de 27 de setembro de 1855, 173v.-174 fl.
[5] AMAP, Atas das reuniões da Câmara Municipal de Guimarães, 1853-1856, sessão de 19 de julho de 1855, 173v.-174 fl.
[6] Faria, João Lopes, Efemérides vimaranenses, Sociedade Martins Sarmento, vol. II, 5 de agosto de 1855, 119 v.



