ÚLTIMO ARTIGO DO PROFESSOR TEOTÓNIO DE SOUZA (1947-2019) QUE FOI PUBLICADO EM A PÁTRIA NO INÍCIO DESSE ANO, EM 21 DE JANEIRO. REPUBLICAMOS EM SUA HOMENAGEM.
Teotonio R. de Souza[1]
A política britânica de consolidação do império na
Índia no contexto da “Revolta dos Cipaios” (1857) conseguiu mobilizar a
administração portuguesa no Estado da Índia a colaborar. Convinha isso aos
portugueses como parceiro menor do império, particularmente no contexto das
invasões napoleónicas de Portugal e a fuga da família real para o Brasil.
Lord Wellesley, que viria a ser Duque de Wellington, tinha revelado as suas
competências militares na Índia, e fora escolhido para assistir a administração
portuguesa no continente para enfrentar a ocupação pelas forças napoleónicas,
mas isso só depois de ele ter derrotado o Sultão Tipu, o presumível e temido
aliado francês na Índia, em 1799. Arthur Wellesley, o governador inglês da
Índia entre 1799 e 1804, era um defensor acérrimo da política “forward”
(avante) que tinha por objetivo a redução do poder dos potenciais rivais dos
ingleses no subcontinente.
Aproveitando de um pretexto duma possível intervenção francesa na Índia
portuguesa, as forças britânicas “ofereceram-se” para ajudar as
autoridades portuguesas em Goa2.
Jonathan Duncan, o governador da Presidência de Bombaim recebera em 30 de Maio
de 1799, uma sugestão de White Duncan, um oficial superior da Presidência, para
avançar com a captura de Goa.
A nota informativa referia a “extravagant and unhealthy bigotry that prevails
under the ecclesiastical influence and power of clergy, the consequence of
which is a general discouragement to the merchant, and in fact almost a total
stagnation of trade at Goa” 3.
[O fanatismo extravagante e doentio que reina sob a influência clerical é
responsável pela decadência da classe mercantil, e um declínio quase total de
comércio em Goa]
O tom desta correspondência refletia a política que os britânicos iriam adoptar
no Portugal continental após a invasão napoleónica daquele país,
pressionando as autoridades portuguesas a encerrar as atividades da Inquisição
em vésperas da transição para o liberalismo. Enquanto a regência em Portugal
estava sujeita ao diktat de Lord Beresford,[2]
Wellesley definia a estratégia militar na base da sua experiência na Índia. Ele
fez uso intensivo de carroças de bois, uma forma rudimentar e pouco dispendiosa
de comunicação e transporte para criar e sustentar o seu famoso plano militar
conhecido como “Linhas de Torres”, que defendeu de uma forma eficaz a Lisboa e
os arredores contra as investidas das forças invasoras de Napoleão 4.
Procuramos fontes publicadas e inéditas em inglês, português e marata 5, para analisar a
estratégia britância em 1859 para ligar os portos e os desfiladeiros entre as
cordilheiras de Gates ocidentais da Índia para reforçar os meios de
intensificar o comércio e assistir a movimentação de tropas, numa altura em que
se notava a incapacidade da administração portuguesa em Goa para controlar os
rebeldes que fugiam da captura pelos ingleses e se refugiavam na jurisdição
portuguesa. Os ingleses tinham aproveitado da ocupação de Goa durante uns 15
anos para realizar um estudo pormenorizado do território, enviando para este
efeito um jovem oficial bem treinado para essa tarefa. O tenente James Girling
produziu os seus mapas toponímicos na base de triangulação e incluiu muitas
informações de natureza social e económica. 6
O processo de controle colonial inglês em Goa portuguesa acabaria com a
assinatura do Tratado Anglo-Português de 1878, que reduziu efetivamente o
Estado Português da Índia a um apêndice da economia da Índia inglesa.
Seguiu o desenvolvimento do porto de Mormugão e uma ligação ferroviária da
Índia britânica a esse porto para ajudar a escoar os produtos do interior
indiano. Uma análise mais extensiva desta evolução política ficará para textos
futuros desta coluna, ou para um artigo científico em alguma das revistas de
Ponteditora ou outra.
NOTAS
[1] – CV of the author: http://orcid.org/0000-0002-9397-1433
2 – Gracias, J.B. Amâncio, Ingleses em Goa ou ocupação de Goa pelas tropas britânicas. Nova Goa: Tip. Rangel, 1934.
3 – British Museum Library: Add Mss 13703, White to Duncan, 30May 1799, ff. 8-10)
4 http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221753300N4bXW4nd9Ae27SD4.pdf
5 – Joshi, S.N.V., Marathi Rajvatthitil kahi ghatmarga chaukya va sankirn. Pune: Bharat Itihasa Sanshodhaka Mandal, 1954.
6 – Phillimore, R.H., Historical records of the survey of India, 4 vols. Dehra Dun, 1945, Vol. II, 156-9,162-6, e de forma especial 399. O estudo toponímico de Girling sobre Goa encontra-se em Add. 14385 da British Library. É um volume de tamanho grando com 312 folios, ou 624 página.


