Em tempos de inflação persistentemente acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, no Brasil, a Taxa Básica de Juro tomou um rumo ascendente, que, depois de atingir a mínima histórica de 2% ao ano, no pandêmico 2020, já se aproxima de 15% ao ano agora, em 2025. Convenhamos tratar-se de um espaço de tempo bastante estreito para tamanha amplitude, o que provoca demasiada instabilidade.
Assim, num cenário de taxa nominal de juro entre 14,75% e 15% ao ano, com uma inflação oficial (IPCA) que registrou 5,32% no acumulado de 12 meses, pela leitura mais recente, chegamos a uma taxa real de juro que se aproxima de 9,50%, a classificar o país, seguramente, entre os maiores pagadores do mundo, o que provoca importantes efeitos colaterais à economia e, claro, muitos protestos.
Ainda, como pano de fundo, a política fiscal resulta em franca elevação dos gastos públicos, sendo atestada pela consistente trajetória altista no endividamento. Somente entre 2010 e 2024 a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) saltou de 51,77% para 76,50% do Produto Interno Bruto (PIB).


Convém aplicar ressalvas à evolução no período da pandemia de Covid 19, entre 2020 e 2021, que exigiu do mundo todo a elevação dos gastos, com consequente expansão do endividamento.
Entre os argumentos contrários ao movimento altamente restritivo trazido pela política monetária destaca-se o raciocínio de que, em que pese a evolução da dívida brasileira, há países que devem, proporcionalmente, muito mais e que oferecem taxas de juro real significativamente menores.
De fato, enquanto o Brasil oferece juros reais de quase 9,5% ao ano para um endividamento de 76,5% do PIB; no Japão a taxa de juro real é negativa em algo próximo de 3% para uma dívida de quase 250% do PIB; nos Estados Unidos, para uma dívida de cerca de 120% do PIB, o juro real não chega a 2%; e no Reino Unido é oferecido pouco mais de 2% de juro real para dívida em torno de 100% do PIB.
Já se nos atentarmos para os demais países classificados pelo mesmo risco brasileiro “BB” à dívida, pela Agência Standard & Poor’s, como Colômbia, República Dominicana, Marrocos e Paraguai, todos oferecem juros reais bem menores, que variam, em termos aproximados, entre 1,8% e 4,3% ao ano.
Contra tal argumento, em primeiro lugar é importante observar que a ideia de risco oferecido não pode ser associada apenas ao total proporcional da dívida, mas o perfil dos vencimentos, o impacto fiscal da taxa de juro e o próprio movimento da trajetória também contribuem para a análise.
Porém, mais importante é perceber que nas inúmeras alterações de Taxa Básica de Juro nos últimos anos, em nenhuma oportunidade o Conselho de Política Monetária (Copom) justifica a decisão tomada por uma suposta dificuldade em captar recursos à mercado para financiar a política fiscal. Ninguém tem dúvida de que o financiamento da dívida brasileira é atrativo ao mercado frente ao risco que oferece.
O foco do colegiado, do Banco Central, para as decisões de política monetária está no desvio da trajetória da inflação da meta a atingir, de 3% ao ano, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, o que, ressalte-se, é uma margem bastante generosa para cumprimento. Portanto, independentemente se a dívida é maior ou menor, ou se a remuneração oferecida é atrativa ou não ao seu financiamento, a prejudicial elevação da taxa básica de juro tem como alvo a convergência à meta de uma inflação que, pelos registros do índice oficial ou pelas leituras de seus núcleo, dados subjacentes e demais indicadores qualitativos, vinha se mostrando muito resistente.
De volta à ideia da dimensão da Dívida Bruta, seu papel nesta questão da necessidade de alta de juros está mais relacionado à verificação de que ela cresce também por conta de estímulos fiscais, que se mostram acima da capacidade de absorção da economia brasileira no momento, a resultar em inflação fora do controle.
Agora, depois de dez meses do ciclo de aperto monetário, sob alta a partir da taxa de 10,5% ao ano, forma-se um consenso de que o movimento se aproxima do final, mas que ainda deve se sustentar no atual patamar mais elevado do juro por algum tempo. Afinal, chegou o momento em que as primeiras medidas de aperto monetário começam a produzir os efeitos esperados.
Diante da sugestão de que o estímulo ao crescimento econômico tem gerado inflação fora do controle, a dúvida a esclarecer é sobre o porquê de tal incompatibilidade.
A reposta passa por um problema crônico, de muitos anos, da economia brasileira, sobre a formação bruta de capital fixo, ou a taxa de investimento.


Enquanto observamos que ela variou em torno de uma média de cerca de 18% do PIB ao longo desta série que retrata o século, com uma queda muito acentuada no período de 2016 a 2020, que pode estar mostrando suas consequências até agora, outros países demonstram taxas bem superiores. Em 2024, por exemplo, contra 17% do PIB no Brasil, os Estados Unidos investiram algo em torno de 21%, enquanto Japão e Chile (na América Latina) mais próximos de 24% do PIB.
É exatamente a capacidade de investimento de um país que confere sustento ao crescimento econômico, ao formar capacidade ociosa para atender crescimento da demanda diante de estímulos.
Sob precariedades explícitas da infraestrutura por falta de investimentos, mercado de trabalho pressionado por uma situação próxima à do pleno emprego, produtividade do trabalho que faz o Brasil ocupar a 78ª posição mundial num ranking de 131 países, níveis de educação inferiores aos de vizinhos latino-americanos e ambiente de negócios que tem muito a melhorar, a capacidade de resposta da produção do país a qualquer estímulo econômico é muito lenta, o que, invariavelmente, repercute na inflação.
O cenário atual é diferente bem diferente do verificado na década de 2000, em que o PIB do país cresceu à taxa média de 3,7% ao ano, no período todo. Lá a inflação, que tinha metas mais confortáveis a cumprir, teve o respaldo da contenção pela forte entrada de dólares, tanto pela via das exportações quanto pela dos Investimentos Estrangeiros Diretos, proporcionada pelo chamado super ciclo de commodities, que tanto favoreceu um exportador do agronegócio como o Brasil.
Portanto, a conciliação entre crescimento econômico e metas de inflação depende de uma importante retomada na capacidade de investimentos do país, o que não é tarefa a se resolver no curto prazo. Só assim o caminho da autoridade monetária estará pavimentado para levar a taxa básica de juro a patamares mais civilizados, de forma sustentada, à despeito da proporção da Dívida Pública do Brasil ou dos que podem oferecer juros menores.
Mas, fechando um ciclo, a retomada da capacidade de investimentos, em especial por parte do Poder Público, passa obrigatoriamente pela disciplina fiscal, com redução do endividamento, o que pode conter a pressão nos estímulos fiscais que o Copom tanto precisa para reduzir juro. Enquanto isso não acontecer, conviveremos com taxas elevadas de juro, talvez com alguns espasmos nada sustentáveis de redução, que, por contradição, acabam por contratar mais inflação no futuro, já que altas taxas desestimulam o investimento produtivo.