Deste monótono alvitre corriqueiro
Com muito ouro e bem pouco dinheiro
Estalidos de estrondo fenomenal
Que correm e percorrem o ano inteiro
E para os quais nos apropriamos
De quatro dias do mês de Fevereiro
Fazendo deles intenso Carnaval.
Que mais espera o vento da bonança
Com tanto vento a soprar impessoal
Que ocorre a todos e à todos sentimentos
Recorre sem valor especial
Do que, por fim, desfazer-se em Carnaval?
Ora, no Bem, pra se obter a cura
Nada como provar do mal
Posto que esta será, então segura
E é disto, nesta loucura, que se faz o Carnaval.
Deste gozo insano e infrene
Desta dor contínua e persistente
Que possui a todos sem olhar idade
E se faz presença, já que estava ausente
Como um sabor que se acentua a se lhe pôr sal
Assim se faz presente o que era saudade
E é prenúncio de que seja Carnaval
Diria desta via abonatória
Recalcitrante e expectante
De recompor (prelúdio) e refazer, que tal?
Que nada mais há que seja mais intoxicante
Que o anúncio de que já chega o Carnaval.
Assim por essa via súbita e expiatória
Busca-se metamorfose igualitária
Que seja perfeita e exponencial
Para que esqueçamos nela toda nossa história
E possamos ter presente o Carnaval.
Anulamos o eu e a distância
Com a vexatória e ridícula inconsciência
Para termos de per si coragem e peçonha
E é bem possível que ainda se tenha mais ciência
Incomum, muito além do corriqueiro e banal
Que é manter o decoro e a vergonha
Para poder realizar-se o Carnaval.
Por ser das outra
A mais gentil e feiticeira
Entre tantas putas
Em busca de uma que me queira
Desta retórica mais húmida e jovial
A que comummente denominamos Carnaval.
Há sempre prata por polir
E domingueira
Dentre outras tantas que seria pregoeira
Deste remorso imenso, fenomenal
A que realmente se chama Carnaval.
Destas hipérboles há só uma a minha beira
E, das diversas, é só uma a derradeira
Que, dentre essas muitas, é a possível e trivial
Então que se repita intensa e constantemente
Para que, ao menos, haja sempre Carnaval.
Se aos desafetos
Repelirem com seu descaso e menoscabo
Todo bem que iluminado e mágico
Traz inopinado o que não mais acabo
Por não ter fim, muito menos trágico
Por ser coletivo, pulsante e irracional
Já que em mim se realiza esta surpresa
Este espanto clássico
De haver manifesto Carnaval.
E aos poucos que se excluem
Sejam esses os escolhidos e diletos
De possessão fugaz e histriônica
Que os fomente e os não exima, sempre igual
Na pretensão de seus afetos
Bem menos doce que irônica
Seja a quem seja ao vir fazer fluente Carnaval
Dos muitos que ouviam os gritos
Mais além de suas raias
Sendo chamados, ou os que instantes
Tentem se redimir de pedra e cal
Para se não perderem em outras praias
Plagas distantes
Sendo então todos recrutados a esse Carnaval.
Requisitados, estimados, reestimulados
Reavaliados por este pendor excepcional
Recuperado cada qual a seu talante
Num incontornável traçado de sextante
Rumo direto a um terno e inestimável Carnaval.
E que como dantes , como outrora
Por vias várias de perda irreprimível
Não se faça na ilusão demora
Que seja claro e inconfundível
Livre presentemente de tudo, qual…
E que todo o passado se esqueça agora
Para que então não se manifeste nessa hora
E possa por fim ser Carnaval.
É que abolidas estas dores lancinantes
Lamentáveis feridas permanecem
Reencontrada a paz que como dantes
Àquelas dores não esquecem
Buscam encantamentos alucinantes
Para a pronta cura desse mal
E que de pronto se faça novamente
E novamente seja Carnaval.
Antológicas página 55.




