Numa obra, hoje considerada de referência: The Global Age (1996), M. Albrow assinala que a grande mudança, que observamos em finais do século passado é a da crise que o Estado nacional atravessa por ter perdido o estatuto de centro de todas as relações políticas, internas e externas, bem como apresentar-se como o protagonista único. Parece pois evidente, que esse papel central se altera em face da ordem política e social estabelecida e que tal fica em muito a dever-se ao projeto de construção europeia e aquilo que aquele autor designa, também, por “nova ordem mundial”.
Em síntese diremos que esta globalização, porque de globalização se trata nesta “ordem mundial”, que alguns, como H. McLuhan (considerado o “pai” da expressão), consideram “aldeia global”, conduz inevitavelmente ao Estado central atravessar uma crise no seu papel de Estado soberano e, concomitantemente, a perder importância e poder a favor de outras realidades políticas que se vão afirmando.
Para este efeito, muito contribui vislumbrar que, seguramente desde os anos 60 e 70 do século XX, se assiste a um acumular de políticas governamentais fracassadas (como na educação, saúde e no desemprego), isto apesar dos substanciais orçamentos que as sustentaram. Paralelamente, também a realidade social e demográfica se alterou. Em média hoje vive-se mais tempo do que há 40 anos e a esperança média de vida aumentou -para homens e mulheres- em cerca de 15 anos. Mas, e porque viver mais, não significa viver de forma ativa, saudável e autónoma, estima-se entre os países da OCDE que só as despesas de saúde com a faixa etária acima dos 65 anos seja duas vezes e meia acima dos mais jovens e cinco vezes mais para a população acima dos 75 anos.
Ora, esta perda de protagonismo acaba fazendo-se, numa leitura atenta aos sinais, a favor de outras instâncias, que internamente reclamam maior protagonismo à luz da descentralização, pela proximidade, pela territorialidade ou, mesmo, pela transferência legal de competências.
Tendo em atenção também, J. Habermas –Après l’ État-nation: une nouvelle constellation politique, 2000-, naquilo que deva ser um plano muito geral de análise, e quaisquer que sejam as razões invocadas, esta nova realidade política (porque é de política que se trata!), parece caracterizar-se pela crise do Estado-nação, que perde poder efetivo como organizador das relações internas e pela existência de novos espaços de relação política e de regulação.
Assim, perante a evidência de o Estado central não ser mais o poder supremo e o sistema político, em consequência, poder evoluir diferenciadamente, naquilo que N. Luhman designaria por “sociedade sem centro” (2012); ou, melhor, como R. Rhodes consideraria de Estado policêntrico caracterizado por múltiplos centros (1996); muitos dos países ocidentais conduziram políticas de descentralização nos domínios em que o Estado central parecia levantar obstáculos às exigências, cada vez mais complexas, expressas por atores, eles próprios, cada vez mais diversificados e exigentes.
Eis, pois, como na realidade, esta visão do denominado: Estado-nação – nestas novas condições-, acaba vendo-se integrado em espaços mais gerais.
Mas, paradigmaticamente, tal perspetiva não deixa de evidenciar, também, em paralelo, aquilo que são hoje as afirmações políticas das autonomias regionais numa Europa, cada vez mais comunitária, onde as diferenças se afirmam e sobretudo se procura, como no caso próximo – entre nós – da União Europeia, inscrever a Subsidiariedade como princípio de atuação.
Verifica-se mesmo, que associado a este efeito de “quebra” se junta um processo de fragmentação das próprias sociedades, que suportam o Estado, levando ao surgimento do regionalismo. É que, justamente neste Estado, se afirmam agora a existência de modelos de sociedade diferentes, com diferentes processos de desenvolvimento e diferentes contextos estratégicos, tudo isto num processo característico do fenómeno da Globalização, como refere A. Giddens (l996), que se traduz num processo de desenvolvimento desigual, que fragmenta à medida que se desenvolve.
A finalizar, este breve apontamento, o desafio que se coloca será assim, em especial numa Região insular, regionalizada e ultraperiférica como a Madeira é que esta mudança de paradigma – dando por aceite esta nova conceção do Estado -, se traduza na reformulação de políticas públicas e na governação.
Ambas, tudo terão a ganhar se melhoradas através da racionalização, da clarificação de objetivos, da redução do número de participantes na fase da implementação, de uma melhor informação a respeito das intenções subjacentes às políticas e de uma maior monitorização e controlo das atividades desenvolvidas.
REFERÊNCIAS
Albrow, M. (1996). The Global Age. Cambridge : Blackwell Publishers.
Giddens, A. (1994). Beyond Left and Right: Future of Radical Politics. Cambrigde: Polity Press.
Habermas, J. (2000). Après l’ État-nation : une nouvelle constellation politique. Paris: Fayard.
Luhmann, N. (1982). The Differentiation of Society . New York: University Press. Rhodes, R. A. (1996). The New Governance: Governing without Government. Political Studies XLIV, pp. 652-667.