Nas últimas décadas, temos estado, cada vez mais alerta sobre a pressão exercida sobre os recursos naturais e a urgente necessidade de reduzir o impacto ambiental das atividades humanas. Estas questões têm colocado a economia circular no centro das discussões, como alternativa o modelo de desenvolvimento global que tem vindo a ser adotado desde a revolução industrial. A transição de um modelo linear “extrair-produzir-descartar” para um modelo circular “de fecho de ciclos”, representa um dos maiores desafios nos vários setores de atividade.
Os laboratórios de investigação e ensino, bem como os industriais, são um dos setores fortemente afetado por esta necessidade de mudança de paradigma. Os laboratórios são um local onde o consumo de recursos é intensivo e a produção de resíduos é significativa, pelo que, a implementação de medidas circulares, se torna uma necessidade estratégica urgente.
Torna-se evidente que esta transição estratégica exige uma serie de alterações na metodologia de funcionamento interno e externo de um laboratório, incorporando mudanças operacionais, em processos, aquisição de materiais e reagentes, metodologias de descarte adaptadas, bem como pode existir a possibilidade de alteração de protocolos em vigor. Todas estas alterações deverão ser acompanhadas de alterações na mentalidade da gestão do laboratório, investigadores, técnicos, aprovisionamento, estudantes, gestores de projetos, pois só assim conseguiremos ter equipas multidisciplinares a trabalhar para o objetivo comum de ter uma transição para um modelo mais sustentável.
Existem alguns sistemas normativos que podem tornar a implementação de medidas circulares e sustentáveis em contexto de laboratório, como é o caso da ISO 14001:2015 — Sistemas de Gestão Ambiental, que define requisitos para identificar, monitorizar e controlar impactos ambientais, além disso, esta norma estabelece objetivos de melhoria contínua e garante conformidade legal neste âmbito. A ISO 50001:2018 — Sistemas de Gestão da Energia, permite a identificação de oportunidades ao nível da eficiência energética, ajuda a reduzir custos operacionais e diminuir a pegada de carbono, otimizando o uso de energia em equipamentos, climatização e iluminação. A ISO 14040:2006 e ISO 14044:2006 — Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), viabilizam a avaliação de impactos ambientais associados a todas as fases dos processos laboratoriais (aquisição-tratamento de resíduos. A ISO 14064 — Gases com Efeito de Estufa, que quantifica, monitoriza, quantifica e reporta as emissões GEE. No último ano, surgiu a família das ISO 59000 — Conjunto de normas para a Economia Circular. Esta família engloba a ISO 59004:2024 — Economia Circular – Vocabulário, Princípios e Orientações para Implementação, ISO 59014 — Gestão Ambiental e Economia Circular – Sustentabilidade e Rastreabilidade da Recuperação de Materiais Secundário, ISO 59020 — Medição e Avaliação da Circularidade. Esta família de normas é de carácter voluntário e no contexto laboratorial é perfeitamente adaptável à aplicação conjunta com as anteriores ou com normas mais específicas do setor, como é o caso da ISO/IEC 17025:2017 — Requisitos Gerais para Competência de Laboratórios de Ensaio e Calibração.
Apesar de todos estes sistemas normativos, há alguns desafios que se levantam, ao nível da implementação da circularidade em laboratórios.
É comum que os laboratórios possuam um stock bastante alargado de reagentes, para o caso de alguma necessidade extra e de forma a haver uniformização ao nível dos lotes, contudo, isso causa, muitas vezes, desperdício associada à caducidade do prazo de validade dos mesmos. Este procedimento causa, não só, desperdício de materiais e reagentes, como de recursos financeiros. A necessidade de criação/ implementação de sistemas de monitorização e previsão de stocks torna-se, assim essencial, nesta transição para um modelo mais circular.
Ainda neste ponto da aquisição de reagentes/materiais, existem várias medidas a implementar, como é o caso de aquisição destes produtos a fornecedores alinhados com critérios sustentáveis apertados, avaliação da pegada de carbono dos produtos adquiridos e ACV dos mesmos.
Aquando da análise aos processos laboratoriais, a redução da escala dos ensaios, desenvolvimento de métodos green chemistry e a implementação de equipamentos de baixo consumo, podem ser um excelente ponto de partida para a redução do impacto ambiental desta atividade. Aqui as implementações poderão ter de ser revistas por colaboradores com competências técnicas específicas e conhecimentos dos sistemas normativos implementados, fazendo a validação de todos os pressupostos necessários para o cumprimento das normas, aquando de novas implementações processuais.
É neste ponto que se torna evidente a necessidade da implementação de sistemas de gestão laboratoriais, designadas de LIMS, com integração a sistemas de monitorização sustentável, de forma que exista a monitorização, em tempo real, dos indicadores sustentáveis e circulares. Esta integração viabilizará integrados com módulos de sustentabilidade permite o tracking em tempo real de métricas ambientais, mas requer formação especializada para maximizar o seu potencial.
Mas quais são efetivamente as vantagens da transição para laboratórios mais circulares?
- Redução de custos associados ao uso de reagentes, reutilização de solventes e minimização de resíduos.
- Melhoria da Eficiência Energética através de sistemas de recuperação de calor, otimização de equipamentos AVAC, ajudando na redução de custos em faturas de eletricidade, mas também de redução da pegada carbónica.
- Cumprimento de metas ambientais da UE, reduzindo riscos de não-conformidade e multas associadas.
- Aumento do grau de inovação do laboratório através de A Internet das Coisas (IoT) aplicada à gestão, sensores inteligentes de monitorização de energia, água, reagentes, consumíveis.
- Aumento da previsibilidade de necessidades através de recurso a inteligência artificial, reduzindo necessidades de stocks alargados e desperdícios.
- Aumento do número de colaboradores com formação específica em economia circular, o que pode facilitar uma implementação mais rápida de medidas, acelerando o processo de transição.
- Aumento da multidisciplinariedade em equipas de investigação, que se torna necessário, com o objetivo de efetivar esta transição, o que pode ajudar a desenvolver projetos mais robustos, impactantes e com capacidade de ser projetos ganhadores aquando de procura de financiamento.
- Cumprimento de critérios de sustentabilidade em candidaturas para financiamentos, que possuam critérios de sustentabilidade apertados, como é o caso do PRR.
A temática da sustentabilidade não é, de todo, um tema passageiro, pelo contrário, será um tema cada vez mais explorado e que condicionará, cada vez mais, a forma de trabalhar na investigação académica ou industrial.
A implementação de medidas que vão de encontro à redução de impactos ambientais requer mais do que um conjunto de medidas genéricas, requer um elevado grau de conhecimentos específicos dos processos laboratoriais, associadas a várias metodologias e tecnologias que permitam assegurar que esses processos são ambientalmente éticos. Para tal, é necessário capacitar a gestão de topo, gestores de projetos, investigadores, alunos e técnicos com conhecimentos ao nível da economia circular, com o objetivo de que, desta forma, a transição circular se torne mais célere.
Os laboratórios que tenham a capacidade de observar, desde já, as oportunidades oferecidas pela Economia Circular, estarão um passo à frente dos seus concorrentes diretos, tanto ao nível de financiamentos, como na percepção dos seus clientes e entidades pares, posicionando-se como líderes numa nova era da ciência sustentável.
Joana Capela Pires| Fundadora da Raíz Circular — Consultoria em sustentabilidade
Nota: Caso possua interesse nesta área, iniciam em Setembro cursos na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em parceria com a CONPRO, associados a este tema. Consulte os seguintes links para mais informação:
https://construirofuturo.edu.ciencias.ulisboa.pt/cursos_prr/economia-circular-laboratorio-ensino/
https://construirofuturo.edu.ciencias.ulisboa.pt/cursos_prr/economia-circular-laboratorio-industrial/