Resenha do livro Arte Africana de Frank Willett (Tradução: Tiago Novaes. São Paulo: Edições Sesc / Imprensa Oficial, 2017, 312 p. il.).
Frank Willett (1925-2006) foi um antropólogo e arqueólogo britânico, especialista em arte africana e especialmente em arte antiga das populações iorubá. Ele atuou em diversos museus e centros de pesquisa no Reino Unido, nos EUA e na Nigéria. É autor do livro Ife in the History of West African Sculpture e do livro Treasures of Ancient Nigeria, este último em co-autoria com o arqueólogo nigeriano Ekpo Okpo Eyo (1931-2011). O livro Arte Africana foi publicado originalmente em inglês, no ano de 1971, como fruto das aulas de introdução à arte africana ministradas pelo autor e foi considerado um dos melhores livros introdutórios sobre o tema. A tradução ao português foi feita a partir da terceira edição do livro, publicada originalmente em 2003, que menciona e dialoga com diversas pesquisas mais recentes. A edição brasileira conta com o prefácio do historiador brasileiro Alberto da Costa e Silva (pp. 12-18).
A obra contém sete capítulos, 287 fotografias, uma seção sobre pesquisas recentes (pp. 271-281), e uma seção com notas e indicações de referências bibliográficas (pp. 282-294). É impressionante o fato de que a maior parte das fotografias presentes na obra seja do acervo pessoal do autor. Frank Willett menciona de forma recorrente os trabalhos do antropólogo britânico William B. Fagg (1914-1992) com quem realizou algumas investigações na Nigéria. Ele abordou os principais aspectos da arte africana e, por conta de seus conhecimentos e do diálogo com determinadas fontes, privilegiou a abordagem da escultura proveniente da África Ocidental.
Um ABC, uma tabuada ou um catecismo da escultura africana, por A. Costa e Silva (pp. 12-18).
(1) Apresentando a África (pp. 20-37).
(2) O desenvolvimento do estudo da arte africana (pp. 38-55).
(3) Rumo a uma história da arte africana (pp. 56-127).
(4) Arquitetura africana (pp. 128-149).
(5) Contemplando a escultura africana (pp. 150-171).
(6) Compreendendo a escultura africana (pp. 172-243).
(7) Arte africana contemporânea (pp. 244-270).
Pesquisas recentes: um guia ilustrado (pp. 271-281).
Notas (pp. 282-294).
O primeiro capítulo, intitulado Apresentando a África (pp. 20-37), apresenta um mapa do continente africano indicando diversas populações africanas que são mencionadas ao longo do livro. Elencou-se as principais descobertas arqueológicas e os tipos de arte encontrados em diversas regiões da África. Mencionou-se a interação entre as populações e o ambiente, os tipos de vegetação, os itens mais desenvolvidos por cada população, tais como: ferramentas, lanças, pontas de flecha, vasilhas, cestas, etc. Como ponto positivo desta parte, é importante lembrar que F. Willett fugiu das afirmações mais simplistas e generalizantes a respeito das populações africanas e da arte produzida no continente africano. Por exemplo, o autor apontou os equívocos da distinção generalizante entre arte da savana e arte da floresta, seria uma distinção que supostamente segue a perspectiva eurocêntrica de classificar as populações africanas entre mais e menos “evoluídas”.
No segundo capítulo, intitulado O desenvolvimento do estudo da arte africana (pp. 38-55), F. Willett apresenta uma boa crítica aos diversos estudos que abordam a arte africana seguindo a perspectiva eurocêntrica que reproduz a ideia da arte “primitiva” a despeito de todas as descobertas arqueológicas. Com isto, a intenção foi mostrar que a sofisticação presente na arte africana não trata-se de mero acidente e não está desconectada das ideias e práticas das populações africanas contemporâneas como sugeriram diversos pesquisadores europeus. O autor menciona o impacto da arte africana sobre os trabalhos de artistas europeus como: André Derain, Henri Matisse, Georges Braque, Pablo Picasso e Juan Gris. Por fim, ele alerta para o fato de que mesmo quando artistas e pesquisadores europeus e norte-americanos abordam a arte africana com benevolência, isto não os livra de julgamentos etnocêntricos que não levam em consideração os propósitos das comunidades e dos indivíduos africanos que produziram as obras.
Em que medida a arte africana foi se transformando ao longo da história? No terceiro capítulo, intitulado Rumo a uma história da arte africana (pp. 56-127), F. Willett tentou responder esta questão. Para abordar estas transformações, F. Willett elegeu alguns tópicos como incontornáveis: (i) sobre desenhos e pinturas rupestres, (ii) sobre escultura antiga, (iii) sobre fontes europeias da história da arte africana, e (iv) sobre a presença do Egito na África. Destaca-se aqui a ideia de que as descobertas arqueológicas não estão completamente desconectadas das ideias e práticas das populações africanas contemporâneas, e a ideia de que é possível relacionar e traçar paralelos entre o Egito antigo e a África subsaariana. Nas palavras do autor: “Hoje sabemos mais acerca da África e podemos enxergar de forma mais clara a relação entre o Egito e o resto do continente” (p. 123).
O quarto capítulo (pp. 128-149) é dedicado à arquitetura africana e contém belíssimas fotografias de edificações construídas pelas populações ham, mada, bamileque, fulani, hauçá, dogon, iorubá, e xona, entre outras. F. Willett enfatiza o que ele chamou de “forma escultória” (ou escultórica) das diversas edificações africanas como fruto da sensibilidade ou criatividade africana. Segundo o autor, trata-se de algo que está presente até mesmo em diversas mesquitas islâmicas:
[…] “a criatividade africana tomou uma planta importada [indicada pelo islã] e apropriou-se inteiramente dela. É claro, em diferentes partes da África, isso foi feito de distintas maneiras. Em Ilorin, uma cidade iorubá no estado de Kwara, na Nigéria, existe uma série de encantadoras pequenas mesquitas.” (p. 141)
O quinto e o sexto capítulos (pp. 150-171, 172-243) são os principais capítulos do livro e abordam a escultura africana. Por conta da abordagem problematizadora e do amplo diálogo com diversas fontes, fica evidente que trata-se da área de especialidade do autor. Há uma clara defesa no sentido de localizar e compreender as esculturas africanas a partir do contexto em que elas foram produzidas:
“As esculturas africanas mostram uma variedade de estilos, desde o naturalismo à mais abstrata estilização. Sem informações adicionais, é praticamente impossível adivinhar o significado das obras mais estilizadas. A maior parte da escultura africana pertencente às coleções ocidentais não é pintada; no entanto, na África, o mais comum é que as esculturas o sejam. Como podemos avaliar a superfície acabada de uma escultura se não sabemos se foi ou não criada para ficar visível?” (p. 164)
F. Willett afirma que aqueles que se aproximam da arte africana a partir de um ponto de vista puramente estético adotam a ideia da arte “primitiva” e tendem a “desconsiderar o artista como possuidor de uma individualidade real” (p. 166), posição que pode ser encontrada nas obras de Carl Einstein (1885-1940) e Sally Price. Neste sentido, F. Willett defende que haja uma aproximação maior dos significados e dos propósitos das obras produzidas por grupos africanos e também por artistas individuais. Mas não há necessariamente uma condenação da avaliação das obras africanas a partir de critérios ocidentais, nas palavras de F. Willett: “É perfeitamente aceitável contemplar a escultura africana por meio de olhos ocidentais” (p. 153).
No sétimo capítulo, intitulado Arte africana contemporânea (pp. 244-270), F. Willett tende a contradizer o conteúdo do terceiro capítulo. Aqui há sinais de algum pessimismo, as transformações das chamadas “formas artísticas antigas”, que ocorreram em decorrência de influências ocidentais, são interpretadas como sinais de deterioração e algo que ameaça a própria sobrevivência da arte africana. O autor faz uma distinção entre artistas africanos “tradicionais” e artistas africanos de formação ocidental, e faz uma defesa da emergência de artistas africanos que dialogam com os artistas “tradicionais” e com as comunidades africanas em nome da preservação da arte africana. Há ainda uma última seção do livro, intitulada Pesquisas recentes: um guia ilustrado (pp. 271-281), em que se pode encontrar diversas indicações de pesquisas e referências bibliográficas. O autor chama a atenção principalmente para as produções artísticas que não foram abordadas no livro.
O grande mérito de Frank Willett foi apontar que a sofisticação da arte africana não trata-se de mero acidente. Ele indica que grande parte da arte africana ainda necessita ser pesquisada, conhecida e admirada. Qual é o ponto negativo da obra? Talvez seja a ênfase na separação entre aspectos “funcionais” e aspectos estéticos da arte africana. Em alguns momentos da obra, F. Willett transmite a ideia de que somente os artistas e os pesquisadores ocidentais enfatizam e avaliam os aspectos estéticos da arte africana. Será que isto ainda é defensável? Neste sentido, a obra poderia dialogar efetivamente com as pesquisas de Robert Farris Thompson, Rowland O. Abiodun, e Babatunde Lawal.
Referências:
Einstein, C. Negerplastik [Escultura negra]. Florianópolis: Edufsc, 2011 [1915].
Eyo, E.O.; Willett, F. Treasures of Ancient Nigeria. New York: Knopf, 1980.
Fagg, W.B.; Pemberton, J. Yoruba: Sculpture of West Africa. New York: Random House, 1982.
Munanga, K. A dimensão estética na arte negro-africana tradicional. In: Página do MAC-USP, São Paulo, 07/6/2006.
O’Neill, E.; Conduru, R. (orgs.). Carl Einstein e a arte da África. Rio de Janeiro: Eduerj, 2015.
Price, S. Arte primitiva em centros civilizados. Rio de Janeiro: Edufrj, 2000.
Willett, F. Ife in the History of West African Sculpture. London and New York: McGraw-Hill, 1967.
Willett, F. African Art. 3.ed. London: Thames & Hudson, 2003. [Edição brasileira: Edições Sesc / Imprensa Oficial, 2017.]
2 respostas
O Prof. Fiorotti que eu gosto tanto de ler a falar de política, vem nos falar de uma paixão minha: Arte tribal, e o texto, que nos conta sobre um livro entre mil de milhares de olhares sobre esta arte (e não nos esqueçamos que cada qual olha com o seu olho, e atrás deste lho está seu universo de sensibilidade e entendimento) e devera referenciar o esplendor da arte africana, em sua requintada sofisticação, porque com seu universo mágico e filosófico, África nos ensina da multiplicidade das possibilidades da forma, das texturas, da transformação da realidade em e por seus muitos aspectos, e este se expressa sobretudo em seu sincretismo, em sua razão de ser mística e mágica, que nos leva a sonhar com ela. Quem ficará indiferente a um fetiche? A um guerreiro Dgon? A um ancião Baule? A uma máscara das centenas de sociedades secretas com as quais os seus iniciados dançam com o sonho de concretizar o rito de passagem e seu ingresso na comunidade restrita destes grupos?
Grande Helder, agradeço por suas palavras.