Ainda sou do tempo em que havia Ídolos; aquelas pessoas que se admirava por alguma coisa que faziam. Regra geral, eram desportistas, artistas…
Hoje já não é assim. Hoje, em que o desporto e a arte chega a muito mais gente, não há Ídolos.
Antigamente, ter um Ídolo era ter um modelo, alguém que – sem nunca nos orientar diretamente – nos orientava nas escolhas da vida, porque seguíamos os princípios que dele conhecíamos; era ter alguém que gostaríamos muito de conhecer, mas que jamais queríamos superar ou até igualar.
Eu nunca tive um Ídolo no sentido acima referido; mas gostava de ter tido um. Gostava de ter conhecido alguém que me inspirasse a ser uma melhor pessoa e a encontrar as respostas que a vida me exigia, quando o fazia, e que me tivesse permitido navegar pela minha juventude fazendo as melhores escolhas para mim. Não significa isso que eu não tivesse modelos; tive, claro, os meus pais… No entanto, um Ídolo, nunca tive. O que isso dirá sobre mim?
Não sei…
Talvez não diga nada; talvez haja mais gente como eu; talvez sejamos mais do que penso…
Um Ídolo faz-nos caminhar em frente focados em objectivos superiores…
Parece quase uma religião – dirão. Mas não é; é mais como uma fé… Numa religião a fé aparece associada a Deus, mas a fé é muito mais do que isso: é simplesmente acreditar. E ter um Ídolo é quase como ter um Deus só para nós – o nosso deus particular; e, acreditar que essa pessoa – o nosso Ídolo – é uma pessoa de moralidade superior capaz dos actos mais incríveis, é a nossa fé. Mas em que é que isso nos ajuda?
É estar acompanhado… É ter alguém a quem perguntar – mesmo que seja apenas na nossa cabeça – o que fazer em certas circunstâncias ou perguntarmo-nos sobre qual seria a solução que o nosso Ídolo tiraria da cartola…
De repente, dito assim, até pode parecer limitador; como se tudo aquilo que fizéssemos fosse sempre referenciado ao Ídolo… No entanto, se relação com o Ídolo for saudável, será equilibrada, e, apenas, recorreremos a ele quando sentirmos que precisamos de instruções superiores… E lá está; parece que estamos a falar de religião e de Deus…
Mas não estamos. Há uma diferença fundamental entre seguir uma Religião e um Ídolo; nunca ninguém viu Deus e o Ídolo é visto, é falado e é escutado: o Ídolo é humano como nós…
Há um aspecto dos Ídolos, contudo – principalmente, por ser humano como nós -, que não devemos escamotear; nunca se conhecem verdadeiramente. Aquilo que vemos é uma coisa e aquilo que ele é pode ser outra. E, na verdade, as conversas que nos imaginamos a ter com ele, ou as respostas que achamos que ele daria, são construções nossas, das nossas crenças sobre o Ídolo baseadas naquilo que conhecemos dele. Portanto, uma boa parte daquilo que o nosso Ídolo é, é uma construção nossa…
Todavia, a pessoa que é o nosso Ídolo é real e, apesar de muitas das coisas que concebemos dele poderem ser projecções nossas, alguma coisa delas ele terá, porque foi ele quem as inspirou. E isto significa que o Ídolo é uma representação da nossa melhor versão, porque, se inspirados por ele somos melhores, então ele é como uma versão nossa melhorada…
Sendo assim, o Ídolo é um catalisador da nossa metamorfose; aquilo que nos transmuta numa borboleta de mil cores para nos erguermos nos ares em toda a nossa apoteótica existência.
Quererá isto dizer que eu não passarei de uma reles lagarta?
Afinal, não tive Ídolos… Talvez eu nunca deixe de ser um rastejante insecto; invejando os ares tomados pelas borboletas coloridas…
Não. A única missão que o ser humano traz, quando vem à Terra, é evoluir; e evoluir é transmutar-se em alguma coisa diferente daquilo que é… Por isso, necessariamente, nós acabamos sempre por evoluir; ainda que nem sempre daquela forma espectacular.
Mas tudo isto me preocupa quando olho para o mundo de Hoje.
Como disse, Hoje não há Ídolos.
Talvez não concordem; talvez sejam capazes de me enumerarem um conjunto vasto de Ídolos. Mas serão mesmo Ídolos?
Pensem em tudo aquilo que falei sobre um Ídolo e respondam-me… com honestidade, é claro!
Eu penso que não…
Na actualidade, a subversão dos valores faz-nos acreditar que há Ídolos, mas não há; o que há é gente que nós queremos imitar no ter e no viver.
Há uma frase que resume muito bem aquilo que se passa hoje. Não sei quem a proferiu, mas vou usá-la:
«Antes, aparecia-se nas revistas porque se era famoso; agora, aparece-se nas revistas para se ser famoso»
Ou seja, antes, a fama vinha por consequência e Hoje constrói-se.
As pessoas hoje seguem bloggers, artistas e desportistas, mas fazem-no, não pelo que eles simbolizam em termos morais ou por aquilo que eles fazem no mundo; fazem-no em nome das suas conquistas materiais: do que ganham, do que têm e do que conquistam. E o resultado disto, para as pessoas, não pode ser a sua ascensão a uma melhor versão, já que tudo o que querem é ter o que os seus «Ídolos» – e as aspas não são por acaso – têm.
Não sei a onde iremos parar…
Resumindo…
Os Ídolos existem dentro de nós próprios e, apenas, esperam pelo surgimento de alguém exterior a nós que considerem digno – pelas suas acções e moral – para se projectarem; e para desta forma nos elevarem. Por isso, se ele nos é endógeno, pode encontrar outras maneiras de nos influenciar e a figura externa do Ídolo pode até não ser fundamental, mas eu considero que a sua existência poderia ajudar, porque catalisar-nos-ia mais rápido a ser melhores versões de nós próprios. Contudo, Hoje, essa figura externa praticamente não existe e aquilo que se procura é ascensão material, pelo que a dinâmica para a borboleta multicolorida em voo apoteótico está determinantemente comprometida…
Contudo, talvez nem tudo esteja perdido e ainda se consiga uma metamorfose; ao estilo de Kafka…