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Como se comporta o eleitor evangélico brasileiro?

Como se comporta o eleitor evangélico brasileiro?

O jornalista Raphael Tsavkko Garcia estava preparando uma matéria sobre o comportamento do eleitor evangélico brasileiro. Ele queria refletir um pouco sobre o papel do conservadorismo religioso, em particular evangélico, nas eleições municipais (para prefeitos e vereadores), e me enviou as seguintes questões: (1) Religião sempre teve um papel de destaque nas eleições brasileiras, mas há algo de diferente hoje (com Bolsonaro e o crescimento do número de eleitores evangélicos)?; (2) Como se comporta o eleitor evangélico, ele segue o pastor ou tem posição mais independente?; (3) Qual o papel do cristão, mais especificamente do evangélico progressista diante de candidatos conservadores dizendo falar por Jesus, diante de um governo conservador com o Bolsonaro?; e (4) O que explica o crescimento do conservadorismo evangélico no Brasil?

São questões complexas. Eu não tive a pretensão de oferecer respostas definitivas, mas apenas apontar algumas pistas e alguns aspectos que podem nos ajudar a compreender o meio evangélico brasileiro. Compartilho aqui as minhas respostas.

(1) Religião sempre teve um papel de destaque nas eleições brasileiras, mas há algo de diferente hoje (com Bolsonaro e o crescimento do número de eleitores evangélicos)?

O grande crescimento dos evangélicos no Brasil é algo que não pode ser ignorado, os evangélicos já constituem aproximadamente 31% da população brasileira e caminham para se tornar o maior grupo religioso. Nas últimas duas décadas, os evangélicos aperfeiçoaram sua atuação na política partidária: adotaram amplamente a estratégia da barganha, do “toma-lá-dá-cá”; ampliaram sua presença na direção dos partidos políticos; negociaram cargos, perdão de dívidas das igrejas e concessões midiáticas com o governo federal; beneficiaram-se com a redução do tempo e do financiamento das campanhas eleitorais; e transformaram as igrejas evangélicas nos principais currais eleitorais.

As grandes igrejas evangélicas desfrutam de uma liberdade religiosa irrestrita para desempenhar diversas atividades que extrapolam os objetivos religiosos, inclusive atividades criminosas, e elas estabeleceram uma grande aliança entre si que praticamente acabou com a concorrência acirrada por fiéis. Acredito que esta é uma novidade relevante, os líderes das grandes igrejas evangélicas não estão unidos somente em torno de questões pontuais como a defesa da liberdade religiosa, a defesa de seus impérios midiáticos e de determinadas pautas morais; atualmente eles estão muito mais coesos e estão levando adiante um projeto de hegemonia religiosa. Neste sentido, estes líderes das grandes igrejas evangélicas já não estão satisfeitos com a posição dos evangélicos entre o chamado “baixo clero” do Congresso Nacional e com a postura de subserviência aos governos, ainda mais com a eleição de Bolsonaro que é um político proveniente do “baixo clero”.

Ao pensar no modo como os evangélicos se relacionam com a cultura política brasileira, podemos constatar algumas mudanças: (1) um primeiro período com a maior parte dos grupos evangélicos adotando uma postura de auto-exclusão e afastamento das atividades políticas; (2) um outro período marcado pela cooptação dos políticos evangélicos através de acordos fisiológicos e clientelistas, principalmente durante os governos do Lula (2003–2010) e da Dilma (2011–2016); e (3) nos últimos anos, o período marcado pela aliança entre as grandes igrejas evangélicas e a participação política mais ativa de seus líderes.

(2) Como se comporta o eleitor evangélico, ele segue o pastor ou tem posição mais independente?

O eleitor evangélico mostrou-se o mais vulnerável e suscetível a seguir a opção política indicada por seu líder religioso. Os próprios líderes evangélicos atuam direta ou indiretamente na política partidária. São pastores, reverendos e bispos evangélicos, ou seus filhos e outros familiares, que fazem parte das “bancadas evangélicas” no Congresso Nacional e nas outras câmaras, que estão na direção de alguns partidos políticos e que ocupam cargos públicos. Esta atuação dos líderes evangélicos caracteriza-se como abuso do poder religioso e prejudica o jogo democrático brasileiro, porque os membros das igrejas evangélicas se sentem obrigados a seguirem os mesmos posicionamentos políticos de seus líderes.

Mesmo quando os líderes evangélicos dizem que não misturam religião com política, é possível constatar que eles participam da política partidária de forma dissimulada. Por exemplo, quando há convocação para “jejum e oração pelo Brasil” significa que é no sentido do apoio a determinado governo ou candidato, mas quando há convocação para “jejum e oração contra a iniquidade” é no sentido da oposição a determinado governo ou candidato. Quando há menção ao princípio da submissão às autoridades é somente em relação aos governos que agradam os respectivos líderes evangélicos, caso contrário isto não é mencionado.

(3) Qual o papel do cristão, mais especificamente do evangélico progressista diante de candidatos conservadores dizendo falar por Jesus, diante de um governo conservador com o Bolsonaro?

É decepcionante pensar que os evangélicos de esquerda também têm responsabilidade pela grande despolitização dos evangélicos e pela manutenção do autoritarismo dentro das igrejas evangélicas no Brasil. Diversos segmentos evangélicos se uniram, durante todo o ano de 2003, para alterar o novo Código Civil e impedir a mudança no estatuto jurídico das igrejas. Foi algo que impediu a democratização dentro das igrejas evangélicas e marcou a formalização da chamada “bancada evangélica”. Por outro lado, a cultura política brasileira com sua tradição autoritária e com o predomínio dos acordos fisiológicos e clientelistas impede a democratização e a ampliação da participação política da população e dos movimentos sociais, algo que foi denunciado pelas manifestações de junho de 2013. O autoritarismo e o conservadorismo dos evangélicos se relacionam bem com a tradição autoritária da cultura política brasileira.

Os evangélicos precisam urgentemente democratizar e descentralizar o poder em suas próprias igrejas, precisam adotar estatutos e formas de organização em que membros leigos, homens e mulheres com opiniões e posicionamentos divergentes, possam participar ativamente das assembleias, dos debates e das decisões nas igrejas. Não faz sentido os evangélicos de esquerda simplesmente apresentarem candidaturas de pastores de esquerda ou propostas de criação de uma “bancada evangélica” de esquerda para combater o conservadorismo, porque isto também vai no sentido da despolitização, do autoritarismo e da cultura do rebanho. É preciso criar espaços de diálogo e de participação dentro das igrejas para que os evangélicos tenham autonomia, aprendam ler a Bíblia em sua diversidade, possam imaginar e criar um tipo de comunhão de fé que conviva fraternalmente com divergências, um tipo de vivência religiosa sem veneração de lideranças autocráticas.

(4) O que explica o crescimento do conservadorismo evangélico no Brasil?

Acredito que não há apenas um aspecto que explica o crescimento do conservadorismo evangélico. É importante destacar o fato da adesão ao conservadorismo dar uma sensação de segurança a partir do compartilhamento de valores comuns e de uma identidade, as pessoas passam a fazer parte de uma comunidade religiosa que age a favor do bem e contra o mal. Estes evangélicos supostamente são valorizados pelo comprometimento com o grupo e pela conduta moral. Neste sentido, de forma bastante precária e insatisfatória, o conservadorismo evangélico tenta dar respostas e segurança às pessoas diante das mudanças, crises, incertezas e tendências neoliberais presentes atualmente na sociedade brasileira.

Além disso, o conservadorismo é continuamente associado a alguns elementos muito difundidos no meio evangélico e na cultura pública evangélica, por exemplo: a identidade marcada pelo ressentimento de minoria religiosa menosprezada, discriminada e perseguida; a ideia de que os evangélicos precisam ter seu lugar reconhecido e respeitado no espaço público; a ideia conspiratória de que surgirá uma grande perseguição contra evangélicos; a ideia de restauração dos “verdadeiros valores”; a ênfase moral; a crítica às intervenções estatais nos âmbitos familiar, educacional e religioso; os ataques ao aborto e à homossexualidade; o combate aos “evangélicos liberais”. Na medida em que adota elementos do meio evangélico como alguns valores morais e também formas sensoriais, o conservadorismo evangélico é capaz de entrar em contato com grande parte da população pobre e periférica de uma maneira muito mais persuasiva do que outros conservadorismos e movimentos de direita mais secularizados.

Os líderes das grandes igrejas evangélicas, de forma oportunista, sabem utilizar muito bem o conservadorismo e as características do meio evangélico a favor de seus próprios interesses e do projeto de hegemonia religiosa. Assim, torna-se difícil determinar precisamente se algo representa o conservadorismo evangélico ou se representa apenas o oportunismo das lideranças evangélicas.

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Referências:
Fiorotti, S. Questões que os líderes evangélicos no Brasil precisam responder. In: A Pátria, Funchal, 21/7/2020.
Tsavkko-Garcia, R. Is Brazil Becoming an Evangelical Theocracy? In: Sojourners, Washington DC, 02/1/2020.
Tsavkko-Garcia, R. As eleições brasileiras e o papel da religião: entrevista com Levi Araújo, Guilherme Burjack e Silas Fiorotti. In: Página do Raphael Tsavkko Garcia, 13/11/2020.

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