Cristina Vaz de Almeida (PhD Communication Sciences- Health Literacy)
De acordo com o Secretariado-Geral do Conselho da Europa (2018), é preciso evitar recorrer, mesmo que involuntariamente, a uma linguagem marcada por estereótipos, humilhante, paternalista ou pejorativa. Mais transversal ainda do conceito de linguagem é a utilização de uma comunicação inclusiva, atenta aos direitos e respeito pelo ser humano e que pode ser verbal, não verbal, escrita, digital, audiovisual, ou outro fim que se destine a combinar os restantes meios para comunicar algo.
Usar uma comunicação inclusiva significa a apologia de uma linguagem ética, com valores e de respeito pela pessoa na sua dimensão holística. Assim como a necessidade de clareza dessa linguagem que deve ser adequada a cada um dos públicos (Shriver, Cheek & Mercer, 2010). E por isso a linguagem inclusiva evita, controla e elimina qualquer expressão que tenha um cunho pejorativo, ofensivo, ou que possa colocar a pessoa em desequilíbrio perante outras seja pela sua idade, género, orientação sexual, raça, convicções religiosas, etnia, classe social ou características físicas ou mentais (Resolução do Conselho de Ministros, 2008; Soares, 2017; WHO, 2020; Vaz de Almeida, 2020).
Entre 2009 e 2021 foram publicados um conjunto de manuais, regras sobre a necessidade das organizações públicas e privadas nas várias áreas de intervenção, desde a educação, saúde, social, serviços públicos ao cidadão, de usarem esta comunicação inclusiva. Para o grupo de cidadãos “politze” (2021), o uso de linguagem inclusiva envolve mudanças no uso das palavras (quadro 2).
Quadro 2. Alguns exemplos de linguagem inclusiva
| Ideia-chave | Por exemplo usar: |
| palavras que representam a coletividade | “a juventude” em vez de “os jovens”, “pessoas beneficiárias” em vez de “beneficiários”, “direção” em vez de “os diretores”, |
| Escolher substantivos que representam instituições ao invés de indivíduos | “classe política” em vez de “os políticos”, “população indígena” ao invés de “os índios”; “poder judicial” ao invés de “os juízes”, |
| Reformular tempos verbais para que as frases sejam mais inclusivas e menos sexistas | “se tiver uma melhor formação, a polícia será menos racista” em vez de “se os policias tivessem uma formação melhor, o racismo diminuiria” |
O Conselho Nacional da União Europeia defendia, em 2018 que “através dos textos e conteúdos visuais que produzimos, podemos contribuir para assegurar que nenhum grupo de pessoas se sinta excluído, mal recebido ou discriminado. A comunicação e a palavra têm poder (Corbin et al, 2018).
A comunicação inclusiva está relacionada com todos os modos de comunicação: informação escrita; informação online; Telefone; face a face (The Scottish Government, 2011) e por isso estende-se a muitos enquadramentos, situações, momentos da vida.
E saúde, a exigência de uma comunicação respeitadora e ética do ser humano na sua dimensão integral levou-nos a refletir sobre diferentes sistemas onde a pessoa pode ser ou não afetada por essa comunicação não inclusiva.
Neste âmbito, e com a experiência de bons exemplos atrás referidos, com as práticas da formação avançada em literacia em saúde em Portugal foi elaborada uma checklist de verificação de passos para uma comunicação inclusiva no âmbito da saúde.
O que pretendemos com esta checklist é fazer uma ponte entre a necessidade de comunicação inclusiva que todo o ser humano deve experienciar, com uma literacia em saúde, que permite, dentro das áreas da saúde, mas não apenas nestas, criar caminhos de melhor acesso, compreensão, avaliação e uso da informação e dos recursos em saúde.
Este trabalho visa facilitar a reflexão de todos os interessados que desejem desenvolver projetos de literacia em saúde, e por isso promover melhor acesso, compreensão e uso dos recursos em saúde, da informação em saúde.
A montante conseguimos criar melhor literacia em saúde e nesse sentido, a jusante, obter melhores decisões em saúde.
Agrupamos assim um conjunto de 44 pontos de verificação, cujas fontes inspiradoras foram a Checklist do State Government of Victoria, Australia (2018), no inquérito ACP – Q-COM-LIT (Vaz de Almeida, 2020), Pinheiro et al. (2020), e no Secretariado-Geral do Conselho da Europa (2018).
Esta lista não pretende ser exaustiva ou limitativa. É uma checklist dinâmica que nos permite adaptar à evolução dos tempos, inclusivamente a abertura a um mundo digital que implementará certamente novas regras e abordagens.
A estrutura desta checklist passou por um processo prévio de análise das dimensões a incluir. Neste sentido, foi efetuada uma segmentação em três áreas chave relativamente a:
1 – Pessoas e à relação interpessoal, relacionando os cinco sentidos (14 pontos de verificação)
2 – Aos documentos, formulários e sinalética (20 pontos de verificação)
3 – Aos espaços físicos associados aos serviços de saúde (10 pontos de verificação)
Quadro 1. Lista de 44 verificações para melhor comunicação
PESSOAS, DOCUMENTOS E ESPAÇOS EM SAÚDE
LISTA DE VERIFICAÇÃO | VERIFICADO | NÃO VERIFICADO | |
| PESSOAS E A RELAÇÃO INTERPESSOAL EM SAÚDE(também para lidar com pessoas com deficit de audição e visão) | |||
| Cumprimentar o paciente frente a frente com um aspeto visual limpo, arrumado, penteado | |||
| Tratar a pessoa com deficiência por “pessoa”. Ex: pessoa com deficiência visual” e não “o cego” ou pessoa com deficiência auditiva e não “o surdo” ou pessoa com cancro” em vez de “cancerosa” | |||
| Evitar a palavra “vítima”, optando por “sobrevivente” ou “pessoa que sofreu algum tipo de violência/abuso” | |||
| Tom de voz pausado e suficientemente alto | |||
| Repetição de ideias e uso de Teach back Ex: “Não se importa de repetir o que eu disse, para ver se eu me fiz entender bem?” | |||
| Toque no braço para conduzir a pessoa à cadeira ou indicar a saída (sobretudo se for uma pessoa invisual ou com baixa visão) | |||
| Aproximação na distância corporal, mas sem “sufocar” a pessoa | |||
| Evidenciar por palavras que está a ouvir a pessoa com atenção: “Estou a ouvi-lo/a com muita atenção. Por favor, continue”. | |||
| Sumarizar as indicações/instruções em saúde – Ex: “Agora irei resumir o que dissemos para ficar tudo claro em relação ao que deve fazer”. | |||
| Desenhar com imagens grandes e contrastantes (ter canetas e papel com cores diversas à mão) | |||
| Usar Linguagem Assertiva, Clara e Positiva (Modelo ACP) | |||
| Ter momentos de silêncio para ouvir a pessoa(Saber ouvir e saber deixar falar o outro. (Avaliar quando é preciso interromper o paciente, com delicadeza) | |||
| Considerar o género, e não o sexo, pela necessidade de considerar a perspetiva social e não biológica da pessoa | |||
| Evitar palavras estigmatizantes (como “drogado; bêbado; e substituir por “pessoa com adição de…” | |||
| II – DOCUMENTOS, FORMULÁRIOS E SINALÉCTICA | VERIFICADO | NÃO VERIFICADO | |
| Utilizar tamanho mínimo do tipo de 12 pontos na fonte do texto. (Útil para pessoas com dificuldade de leitura) | |||
| Utilizar o tamanho mínimo do tipo de 20 pontos nos títulos e 16 pontos nos subtítulos do texto | |||
| Fontes simples como Arial ou Calibri (descrito como ‘sans serif’ – sem características decorativas) podem ser usadas tanto para escrita impressa como digital | |||
| Não utilizar todo o texto em maiúsculas. A informação é mais fácil de ler se for escrita usando uma mistura de maiúscula no início da frase e seguintes em minúsculas | |||
| Deixar espaço branco para arejar o texto, e um layout simples. Muitas imagens ou texto confundem. | |||
| Texto bold (negrito) utilizado em alguns momentos em que se pretende destacar algo (palavra ou ideia) – ênfase em vez de sublinhar ou itálico | |||
| Utilizar um conjunto limitado de cores num suporte físico ou digital (até 3 cores) | |||
| Ter em atenção a importância e a força do significado das cores. Ex. vermelho é energia ou “proibido”, ou “alerta”, azul e beije é serenidade, tranquilidade, verde claro é esperança. | |||
| Margens justificadas no lado esquerdo e margem direita à esquerda injustificada. Porém, algumas vezes pode usar o texto justificado por uma questão de geometria e de equilíbrio do documento. | |||
| Cores contrastantes usadas para aumentar a legibilidade.Ex.: texto escuro é preferível num fundo claro e texto claro em fundo escuro. | |||
| Não cortar as palavras. É preferível que passe para a linha debaixo a palavra inteira. | |||
| Evitar colocar texto sobre fotos, fotos ou outras imagens, pois torna o texto difícil de ler á distância (sinalética – pouco texto, claro, incisivo, fonte preta sobre fundo claro) | |||
| Ao fornecer um link para um documento PDF, também fornecer um formato acessível alternativo, como o Word ou o HTML. Ou tornar o PDF acessível | |||
| Tente usar pontos (bullets) de destaque em vez de sublinhados sempre que possível, para uma melhor visibilidade | |||
| Quando utilizar tabelas, desenhe o conteúdo de modo a que seja adequado para software de leitura de ecrãs. Colunas ou barras é melhor do que “queijos”. Cuidado com excessiva numeracia | |||
| Colocar a etiqueta de acessibilidade incluída na publicação para que os leitores saibam que há outros formatos disponíveis e como obtê-los por telefone, e-mail ou site | |||
| Usar tom creme ou papel não brilhante branco para reduzir o brilho pois este pode dificultar a leitura depois de impresso | |||
| Se for impresso, use papel com mais de 90 gr – porque, se o texto for visível lado inverso, dificulta a leitura | |||
| Os documentos muito grandes ou muito pequenos podem ser difíceis de manusear. O tamanho A4 ou A5 são geralmente mais fáceis de utilizar. | |||
| Informações em sites devem estar preferencialmente na horizontal, na largura do campo visual (para evitar scroll, isto é andar com o cursor para cima e para baixo). | |||
| III – ESPAÇOS DE SAÚDE | VERIFICADO | NÃO VERIFICADO | |
| Verifique e iluminação (indireta é preferível a luz direta) | |||
| Coloque nas paredes claras (beije ou azul ou verde claro) de forma organizada os cartazes, flyers e outros avisos (geometria é preferível á confusão de tamanhos falta de alinhamento) | |||
| Verifique a temperatura (média de 22/23 graus) | |||
| Coloque música ambiente (relaxante, variada) | |||
| Deixe espaço entre as cadeiras de espera e utilize em alguns espaços com cadeiras frente a frente (espaço de distanciamento de 2 metros pelo menos) | |||
| Verifique as cadeiras e mobiliário (confortáveis, limpas, coloridas) | |||
| Verifique o som de chamada (audível sem ser demasiado alto ou baixo) | |||
| Verifique leitor audiovisual de chamada para triagem ou gabinete de consulta (as pessoas com baixa visão devem ter a possibilidade de ler a uma distância de 2/3 metros) Preferível som de chamada também. Voz clara, acolhedora e audível | |||
| Verifique decoração (importante ter plantas verdes) e espaços com imagens reconfortantes (cascatas, flores, jardins, agua, etc) | |||
| Verifique odores da sala (limpo, fresco e arejado) |
| Para poder atualizar esta checklist ou ter mais informações sobre a sua evolução, por favor contacte: Cristina Vaz de Almeida (PhD) vazdealmeidacristina@gmail.com |
Referências
Abranches, G. (2009), Guia para uma linguagem promotora da igualdade entre mulheres e homens na administração pública. Comissão para a cidadania e igualdade de género. Presidência do Conselho de Ministros. https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2015/11/Guia_ling_mulhe_homens_Admin_Publica.pdf
Conselho da União Europeia (2018) Comunicação inclusiva no SGC. Secretariado-Geral do Conselho. https://www.consilium.europa.eu/media/35437/pt_brochure-inclusive-communication-in-the-gsc.pdf
Pinheiro, D. (2020). Espaço de espera em saúde. In C. V. Almeida, K,. L. Moraes & V. V. Brasil (Coords.), 50 Técnicas de literacia em saúde na prática. Um guia para a saúde (pp. 50- 52). Maurícias: Novas Edições Académicas
Politze (acedido em 2021). https://www.politize.com.br/linguagem-inclusiva-e-linguagem-neutra-entenda/
Resolução do Conselho de Ministros (2008). n.º 161/2008, Diário da República, I Série, n.º 205, de 22 de outubro de 2008. Disponível em: https://dre.pt/application/conteudo/438443
Shriver, K., Cheek, A., & Mercer, M. (2010). The research basis of plain language techniques: Implications for establishing standards. Clarity, 63, 26-33.
Soares, H. (2017). Novo grupo interinstitucional sobre linguagem inclusiva. A folha Boletim da língua portuguesa nas instituições europeias. Disponível em: https://ec.europa.eu/translation/portuguese/magazine/documents/folha55_pt.pdf
The Scottish Government. (2011). Principles of Inclusive Communication An information and self-assessment tool for public authorities. The Scottish Government St Andrew’s House Edinburgh. https://www.gov.scot/publications/principles-inclusive-communication-information-self-assessment-tool-public-authorities/documents/
WHO (2020). Why communicate for health. Disponível em: https://www.who.int/about/communications
Vaz de Almeida, C. (2020). Health Competencies: Beyond the Biomedical. How knowledge, skills, and attributes improve the effectiveness of results. Patient Safety & Quality Health Care ‐ PSQH [online) Retrieved from: https://www.psqh.com/analysis/health-competencies-beyond-the-biomedical/
Vaz de Almeida, C. (2020). O contributo das competências de comunicação dos médicos e enfermeiros para a literacia em saúde: O Modelo ACP Assertividade (A), Clareza (C) E Positividade (P) Na Relação Terapêutica. Zenodo. DOI] https://zenodo.org/badge/DOI/10.5281/zenodo.4495585.svg)] (https://doi.org/10.5281/zenodo.4495585
VIC.Gov.AU (2021). Make content accessible – digital guide. Disponível em: https://www.vic.gov.au/make-content-accessible



