Cristina Vaz de Almeida* (PhD)
*Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde
Os pacientes exigem cada vez mais uma experiência de cuidados de saúde digitalizados e por vezes a expetativa fica abaixo do que é prestado.
Em marketing em saúde e também na literacia em saúde sabemos que ir ao encontro das expetativas do paciente é fundamental para que o grau de satisfação do paciente pelo serviço aumente. Melhor acesso, compreensão e uso dos recursos de saúde aumenta exponencialmente o valor de bem-estar e qualidade do serviço ao paciente e a sua participação ativada no sistema de saúde.
O grupo Forrester refere que o setor de saúde está atrasado na experiência do cliente e na transformação digital. Sublinha ainda que os “pacientes estão ansiosos por melhores experiências que espelhem o nível de serviço e a facilidade com que estão acostumados com as experiências do consumidor” (2022).
Segundo os dados da Forrester (2022), os consumidores (76%) estão satisfeitos em receber atendimento médico ou aconselhamento por mensagem de texto, mas há muito mais atrás da experiência efetiva da jornada do paciente no sistema de saúde digital.
Fazer face a exigências digitais e melhorar a prestação de cuidados de saúde, implica que as organizações de saúde desenvolvam um conjunto de ferramentas e instrumentos de contato para acompanhar o paciente nessa jornada de saúde e de bem-estar. Nomearemos neste rastreio de saúde digital, um conjunto de 20 pistas que são essenciais ao bom acesso, compreensão e uso de recursos de saúde mediados pelas plataformas e comunicação digital, e o perfil deste paciente digital, que implica cada vez mais a sua participação ativa e empoderada, e por isso de controlo também da sua saúde e da sua decisão responsável.
- 1. A necessidade de plataformas que permitem o auto agendamento do paciente
A existência de uma plataforma digital, específica, clara, com boa navegação e facilitada aos que têm mais dificuldades e menor literacia em saúde, que serve para a marcação de consultas e acompanhamento do seu estado de saúde, é essencial para a interação digital. Não basta um telefone, cada dia que passa é necessário que o paciente veja, sinta e aprecie essa janela de contato visual que lhe proporcionará mais saúde. Um canal entre o hospital ou outra organização de saúde e o paciente e seus cuidadores que seja apelativo, informativo e que melhore efetivamente o grau de satisfação do paciente e sua família/cuidadores.
2. Acessível, simples, claro, assertivo e positivo
As pessoas querem algo que seja fácil de fazer, em poucos passos, que estimulem a sua intenção de agir, através de uma influência ética positiva, construtiva, com os passos que devem dar e que devem ser simples, facilitadores da complicada vida que as pessoas já têm. São a clareza dos conteúdos, de uma forma assertiva, construtiva e positiva que podem levar a intenção de comportamento e depois à ação.
3. A necessidade de ter em conta as inequidades sociais
Nem todos os pacientes podem aceder a uma plataforma online, porque não têm competências, não têm acesso facilitado a um computador ou telemóvel e por isso é preciso prevenir as desigualdades na saúde que podem acentuar desigualdades sociais. Avaliar que caminhos essas pessoas poderão ter, por exemplo marcação a partir da biblioteca pública local, ou da igreja ou do grupo desportivo que frequenta, poderá ser um caminho de criação de redes digitais mais coesas e promotoras de maior equidade.
4. Comunicar bem é analisar a literacia em saúde digital dos pacientes
Se não houver compreensão das mensagens de saúde não há garantia da eficácia da adesão e do autocuidado. Mais do que cuidar é preparar o paciente para futuras situações, em que ele possa controlar o seu estado e tomar decisões acertadas para a sua saúde, seja na medição da sua tensão arterial ou nível de oxigénio, seja a cuidada e responsável medicação, tratamento de férias e tantas outras exigências complexas dos campos da saúde. Analisar com estudos o nível de literacia em saúde dos pacientes que usufruem dos serviços de saúde prestados é essencial para a adaptação das intervenções.
5. A Comunicação omnicanal
Considerando o ciclo de vida do paciente, mesmo antes de nascer, passando pelas gerações dos babyboomers (os mais velhos com mais de 58 anos); a geração X que têm á volta de 45 anos, os Millenials com cerca de 30 anos, a geração Alpha dos cerca de 20 anos, todos eles têm formas diferentes de contato digital.
A comunicação omnicanal deve por isso oferecer combinação de várias plataformas e sistemas, desde o contato telefónico, o texto em SMS, a possibilidade de plataformas síncronas e assíncronas com um chat de 2 vias, a via através de e-mail , variando também no conteúdo de mensagens de acordo com os vários segmentos.
6. Existência de lembretes de marcação
As comunicações aos pacientes com breves e claros lembretes de marcação ajudam a memória e a organização do paciente e do seu cuidador. Os lembretes devem ser enviados próximos das visitas, com regularidade e alertando para os pontos importantes no contato, como por exemplo – lembrar o paciente que deve trazer as suas análises e os relatórios que recebeu de outros médicos.
7. Informações que ajudam os pacientes a prepararem-se para consultas
Além dos lembretes, estas informações são mais especificas e com mais informação relativa a um tratamento, a uma analise, a um cuidado mais prolongado. Devem estar também estruturadas de forma organizada de acordo com os princípios da literacia em saúde como o Chunk & Check).
8. Nudging de Precisão
Esta definição é retirada do grupo Forrester que define o nudging de precisão como:
O ato de notificar ou enviar uma mensagem que solicita uma ação do paciente para superar as barreiras específicas do paciente à ação no momento e local certos para uma mudança de comportamento escalável e sustentada.
9. Transformar formulários de pedido on-line “secos” em mensagens apelativas
A maioria dos sistemas online de agendamento têm formulários online muito técnicos e pouco apelativos. Assim, é importante transformar esses formulários e direcioná-los às necessidades de contato dos pacientes, como por exemplo abrir uma janela de conversa ou de colocação de duvidas que possam ser respondidas em pouco tempo e que permitam também a interação do paciente com a organização.
10. Acompanhamento dos questionários de satisfação que são reveladores
Os pacientes facilmente responderão a um inquérito digital se perceberem que o resultado da sua participação pode melhorar o serviço que lhes é prestado.
11. Horários de marcação online
As pessoas querem processos fáceis e simples. Poucos passos para um resultado. Assim se puderem, através de um dispositivo móvel marcar uma consulta, preparar a visita e terem alertas, são formas eficazes para aceder e acompanhar as suas intervenções e participação na saúde.
12. Gravação do agendamento no calendário
Mesmo com a consulta marcada, por vezes falham essa visita (memória, confusão, outro evento, etc) , e por isso, os contatos com mensagens podem incluir já a integração no calendário (Google, Outlook, etc) para gravar de imediato o agendamento.
13. Ideias-chave para incentivar os cuidados preventivos do paciente
O paciente quer ter saúde e quer melhorar o seu estado biológico e psicológico, além das questões sociais, espirituais, económicas e outras relacionadas com o seu bem-estar. Se ele encontrar de forma fácil – no site, no seu e-mail, no seu WhatsApp uma mensagem positiva sobre ação preventiva, isso vai aumentar o seu conhecimento e por isso também o seu estado de alerta e intenção de poder mudar o comportamento.
14. Foco também nos pacientes de alto risco
Os pacientes de alto risco enfrentam várias barreiras devido a determinantes sociais da saúde e têm condições complexas de saúde e por isso precisam de contínuos lembretes para o seguimento da sua saúde, ir às consultas, tomar os medicamentos e tomar decisões sobre a sua saúde.
15. Alargar o campo de análise das informações do paciente, como seguros, hobbies ou informações de contacto, respeitando a confidencialidade e proteção de dados.
O campo digital pode evolver mais a entidade com o paciente e vice versa, numa relação de fidelização e de compensação mútua. Conhecer melhor o paciente e o seu contexto, as suas necessidades permite que a organização aprenda melhor a lidar com o paciente e a forma como ele gosta de ser tratado.
- 14. Acesso: marcado e previsto na hora, de preferência sem atrasos
Tal como o agendamento de horários de atendimento para alguns serviços, o agendamento online, com aviso do paciente para o dia de consulta ou tratamento ou interação permite uma melhor gestão dos tempos e evita muito stress tanto à organização como aos pacientes e seus cuidadores.
15. E se existirem atrasos, falta de informação, stress?
Sempre que o paciente ou o seu cuidador esperam, há sofrimento. Sempre que não existe uma resposta, um telefonema para explicar o que se passa dentro das portas do hospital, da organização de saúde, seja esta privada ou pública, a família e os cuidadores sofrem. O digital pode obviar este tempo de sofrimento e estar ao serviço contínuo, através de uma informação aos cuidadores que aguardam na sala de espera. É quase mandatório para melhorar as relações em saúde e a satisfação da família, dos cuidadores. O digital pode servir para esse contato continuo de acompanhamento da família em sala de espera e que precisa quase “desesperadamente” saber onde está o seu familiar, que análises e tratamentos estão a ser feitos, quanto tempo de espera, etc. Só saber essa informação pode acalmar uma família stressada que aguarda e que respostas. Uma mensagem de sms, um contato regular, um acompanhamento e certamente as pessoas aguardarão com maior satisfação, paciência e compreensão, diminuindo as reclamações que existem em tantas organizações de saúde.
16. Campanhas de esclarecimento dos passos para acesso digital
As campanhas informativas, os pequenos cursos ou tutoriais que facilitam o acesso ás pessoas na navegação em saúde são essenciais para complementar o trabalho no terreno de implementação de uma boa jornada do paciente no sistema de saúde através do digital.
17. Comunicação do Paciente contínua, assertiva, clara e positiva
Uma comunicação em saúde que deve ser focada no continuum de atendimento. Acompanhar ao longo do tempo o paciente e o seu cuidador; perceber quando e como o paciente prefere ter esse contato; a que horas é mais provável estar mais ativo em termos digitais; quando prefere receber informação dos seus cuidadores formais via digital, seja por videoconferência, seja por telefone e que tipo de informação o motiva a cuidar mais da sua saúde. Digital sim, mas motivar o comportamento saudável e assente na relação humana.
18. O digital como ferramenta de educação para a saúde promotora de mais literacia em saúde
Usar o digital em saúde como ferramenta educativas eficaz. Esclarecer, apoiar, informar e também influenciar de uma forma ética o paciente. São condições para melhorar a saúde do indivíduo, da família e da comunidade, como responsabilidade das organizações que querem ser mais letradas. Os textos que acompanham o contato digital devem ser claros, promotores de ação e não apenas “teasers promocionais”. Neste processo, a educação no digital também é essencial tanto para os pacientes como para os profissionais de saúde. Um círculo gracioso de retroalimentação.
Resumo dos 20 passos – ser digital e continuar humano – na prossecução da melhor jornada do paciente


Referências
Lee, Y.K., Low, W.Y., & Ng, C.J. (2013). Exploring Patient Values in Medical Decision Making: A Qualitative Study. PLoS ONE, 8, e80051.
Forrester Group (2022). HealthCare Trends. https://www.forrester.com/blogs/category/healthcare/
Nutbeam, D. (2008). The evolving concept of health literacy. Soc. Sci. Med. 67, 2072–2078.
Thaler, R.H. & Sunstein, C.R. (2018). Nudge. Um pequeno empurrão. Lua de papel (editor).
Vaz de Almeida, C. (2020). Digital Health: Using Technology to Improve Patient Care. PSQH. [online] Disponivel em: https://www.psqh.com/analysis/digital-health-using-technology-to-improve-patient-care/
Vaz de Almeida, C. Coelho, I.D., Martins, P. & Guarda, L. (2021). Saúde Digital em tempos de pandemia. Encontrar o sentido do espaço, comunicação e proximidade da saúde face-a-face, respeitando as diferenças. Lisboa: APPSP. Doi: 10.5281/zenodo.4522750 Disponível em: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6765680902740692992