No espaço globalizado em que nos encontramos e apesar de todos os avanços tecnológicos, que vamos assistindo e progressos da Humanidade nos últimos séculos, convivemos, hoje, no “mundo da comunicação” perante o paradoxo deste domínio comunicacional conseguir suplantar a esfera da Informação. Os exemplos de regionalismos, nacionalismos e fundamentalismos, um pouco por todo o planeta, colocam em crise aquilo que poderia ser, fruto dos avanços tecnológicos, o acesso e a difusão da informação, sem limitações, ao nível planetário.
Os motivos para esta realidade prendem-se, como pertinentemente mencionam alguns reputados autores, caso de Rodrigues (1999), por um lado, com as estratégias de legitimação do domínio informativo, pelo apelo às suas funções comunicacionais e, por outro lado, com o desfasamento cada vez mais acentuado entre as conceções tradicionais culturais do nosso mundo, que sustentam as instituições sociais e a realidade tecnológica moderna.
Informação é, em si mesma, desde tempos remotos da existência do Homem e da sua vivência social enquanto ser gregário, uma realidade que compreende acontecimentos que acontecem no mundo, nos rodeiam e fazem parte também o nosso meio ambiente. Para serem relevantes, em termos de informativos, estes acontecimentos quanto mais imprevisíveis e menos expetáveis, maior o seu relevo e impacto em termos de informação.
A informação é, assim, uma realidade que pode ser teoricamente medida através do cálculo de probabilidades. Isto é, maior será o valor informativo de um acontecimento, quando menos provável ele tenha de ocorrer; ou, dito de outra forma, é menor o seu relevo, caso a sua ocorrência seja comum e por isso menos valorável pela sua previsibilidade. A este propósito, é eloquente a metáfora tipicamente usada no meio jornalístico: não ser noticia o cão que morde o homem, por oposição aquilo que será certamente “manchete” de jornal, num caso de suposta ocorrência de um homem morder o cão.
A Informação está, portanto, intimamente ligada ao inexplicável e ao domínio que transcende a ação humana. Por isso, se poderá dizer que neste particular a Informação e as suas regras estão próximo das Leis da Natureza na medida em que não dependem da razão humana no seu controle nem na sua liberdade de escolha. Mas, ainda, condicionada ao contexto social e à vivência que em determinada sociedade os acontecimentos podem ser valorados em face do conhecimento que dos mesmos o Homem possa ter. Aqui, o exemplo de no tempo de Galileu saber-se que a Terra afinal gira em torno do Sol, e não ao contrário como era dogmaticamente imposto na época, constituiria noticia que hoje não merece qualquer valor informativo em virtude do conhecimento que existe sobre este fenómeno astronómico.
Ao invés da Informação a Comunicação é um processo essencialmente sociológico. Processa-se entre pessoas dotadas de razão e de liberdade. Ocorre, não tanto pelo facto destas pessoas fazerem parte do mundo natural, mas pela circunstância de integrarem um mesmo mundo cultural. Por isso, a previsibilidade aqui é um fator relevante. E desta previsibilidade resulta aquilo que constitui um dos princípios fundamentais do processo comunicacional: o da intercompreensão.
Nesta medida, deve concluir-se que os processos comunicacionais são assim dotados de valores que induzem opções, desejos, projetos, estratégias daqueles que intervêm na referida intercompreensão, que antes se aludiu. É por isto, portanto, que as regras deste processo comunicacional não se podem reduzir às regras típicas da probabilidade de ocorrência dos fenómenos naturais; mas, antes, ao seu nível sociológico através de princípios de natureza simbólica cuja manifestação se insere nas expectativas geradas pela convivência no meio cultural a que pertencem.
Como processo relacional este processo comunicacional é um processo em si reversível permitindo-se que cada um dos participantes seja, ao mesmo tempo, enunciador e destinatário de uma mensagem ou um complexo conjunto de mensagens.
Além disso, a comunicação assim descrita surge também, não como um produto, mas antes como um processo de troca simbólica generalizada, fruto da vivência social e dos permanentes laços que estabelecemos com os outros, sobrepondo-se, portanto, às relações naturais que criamos com o meio natural. Compreensivelmente, assim, apesar de algumas destas realidades culturais, caso fundamental da linguagem verbal que perdura durante séculos não obstante pequenas mutações que vai merecendo; outras sofrem rápidas mudanças em termos de uma geração ou menos, basta pensar nas tendências da moda, da música e da dança.
Para tudo isto os meios de informação contribuem indiscutivelmente. São eles que acabam reportando esta ligação que se faz de forma rápida, quase instantânea, entre as visões do mundo e as transformações culturais, que resultam das relações sociais e que acabam modelando os nossos modos de vida.
Na realidade, hoje, os meios de informação que o Homem tem à sua disposição, como por exemplo: a TV, o computador, telemóveis, os jornais, a radio, o email, e que usamos diariamente, definem os novos horizontes da nossa experiência e alargam aquela que é a nossa perceção do mundo. Mundo, cada vez “mais amplo” para o Homem na medida em que aqueles meios nos fazem alargar as barreiras de espaço e tempo, que nos definiam antes os quadros de referências sobre as fronteiras do nosso mundo. Efetivamente, todos aqueles dispositivos tecnológicos, que agora temos ao nosso alcance, permitem-nos ultrapassar, de forma quase impercetível, aquelas que eram até ao início do Sec XXI as barreiras de espaço e tempo e nos mantinham ligados à comunidade onde tínhamos nascido e vivíamos[1]. E, por isso, se poderá dizer que se o final do Sec. XIX e primeira metade do Sec. XX foram séculos de produção industrial, o final do Sec. XX e Sec. XXI são, sem dúvida, séculos da Informação.
No entanto, esta evolução traz inserta, em si, constrangimento e desafio. O desfasamento da experiência cultural em relação à perceção que temos da informação tecnicamente mediatizada acaba sendo um dos problemas fundamentais do nosso tempo. A comprová-lo a sensação de que o mundo muda mais rapidamente do que os nossos quadros de referência, ao que se alia o sentimento de perca do domínio sobre a realidade e do desenrolar dos acontecimentos.
O desafio é o da homogeneização. Não será pelo facto da informação se ter tornado transnacional, de todos os homens poderem, às vezes em simultâneo, assistir ao desenrolar dos acontecimentos que devemos passar necessariamente a ter de partilhar uma mesma visão do mundo e a ter uma mesma representação da realidade. Os valores culturais, ainda assim, não podem ser esmagados. Cada uma das culturas deve continuar a definir espaço de entendimento e de compreensão dos acontecimentos.
Nesta medida se deverá considerar, assim, que a indiscutível homogeneização informativa, que aludimos antes, e o facto de todos passarmos a partilhar o mesmo “mundo mediático”, não deve significar, necessariamente, uma desterritorialização generalizada. Não deve significar que toda a Humanidade passe a ter as mesmas representações da realidade e, sobretudo, a pertencer à mesma área cultural.
De resto, como se viu, o surgimento em relevo dos regionalismos, fundamentalismos e nacionalismos vêm colocar à evidência, pelo oposto, este possível entendimento de que as diversas visões particulares da realidade, para além de continuarem a manter intactas a sua força, parecem até acentuar as vagas de fundo que sustentaram durante séculos os mecanismos mais arcaicos de coesão e sociabilidade étnica e territorial e que esta homogeneização da informação até pode contribuir para despertar mecanismos coletivos de resistência pela relevância que lhes é dada.
Assim sendo, torna-se pertinente mais do que nunca, hoje, ter presente a distinção entre as duas dimensões que vimos analisando. Tal facto, será mesmo fundamental se quisermos compreender a relação aparentemente contraditória entre a planetarização da informação mediática e a singularidade particular dos processos comunicacionais. Já se viu que não é pelo facto objetivo de todos recebermos as mesmas notícias através dos meios mais abrangentes de alcance mundial, que a comunicação necessariamente aumenta e se homogeneíza ou que, ao invés, os diferendos e reduzem. Na realidade, o que se passa é que cada um recebe a informação disponível que circula ao longo do fluxo mediático -e seleciona-; e, esta, acaba sendo interpretada em função dos seus quadros de referência, que lhe estão incutidos mentalmente em termos culturais próprios.
Em termos práticos este desfasamento acaba assim explicando a contradição entre a referida planetarização da informação mediática e o crescendo de conflitos regionais e locais que vão emergindo. O que assistimos diariamente nas TVs prova-o e os recentes atentados em França, por exemplo, com a morte bárbara do prof. de história Samuel Paty, ou as eleições nos EUA, são eloquentes a este nível.
De resto, este aumentar contínuo de fluxos mediáticos, universalizantes, até, pode justificar o aumento de particularismos com o confronto e com o conflito de interpretações.
Em conclusão, os mencionados dispositivos mediáticos da informação têm atualmente lugar central. Na verdade, desempenham um papel de delimitação naquele que é o nosso atuar individual e coletivo, mas também no contributo para a construção das nossas visões deste mesmo mundo e na legitimação do nosso discurso e ação. Por isso, hoje, não haverá domínio social onde não tenham lugar e se façam sentir com afirmação. Aliás, numa apreciação mais apurada poder-se-á afirmar, até, que tendo surgido num contexto limitado de veículos de transmissão de informação começam hoje a converter-se em instrumentos autónomos que, de forma impercetível e natural, criam acontecimentos, descrevem a nossa história social presente, e constroem projetos de futuro nos domínios das relações sociais.
Referências:
McLuhan, Marshall. Understanding Media, Routledge, London(1964).
Rodrigues, A. D. – Comunicação e Cultura, Lisboa, ed. Presença, 1999, 2ª ed.
[1] Torna-se feliz a metáfora de “aldeia global” criada por McLuhan (1964).
Imagem gratuita em Pixabay (terimakasih0)