Embora o conceito de “experiência de serviço” tenha sido cunhado por Holbrook e Hirschman (1982), definido como “um estado de consciência subjetiva com uma variedade de significados simbólicos, respostas hedónicas e critérios estéticos” (p. 132), é agora, em pleno século XXI que o conceito se estrutura como uma condição inadiável para as organizações de saúde.
Se a literacia em saúde promove uma boa navegabilidade no sistema, nas dimensões do acesso, compreensão e uso dos serviços e da informação em saúde (Sørensen et al, 2012), torna-se então necessário elencar quais os problemas, dificuldades, necessárias mudanças e consequentes melhorias a fazer, que podem existir nesta “navegação” pelo sistema complexo da saúde.
Alguns dos pontos elencados nos questionários de satisfação de utentes em unidades de saúde (Ferreira, Raposo & Pisco, 2017) revelam que, estes estão geralmente muito tempo à espera da sua consulta. Se estiverem numa organização de saúde privada, pode acontecer que vão saltando de sala em sala.
Seja por telefone ou de forma virtual ou presencial, passam por um processo longo de conversação em que têm de dar explicações a várias pessoas até chegar ao profissional de saúde; e quando estão com o profissional de saúde, geralmente o focus é no problema atual, e não na totalidade do bem-estar do paciente. Em seguida, o paciente faz o percurso inverso, tira a senha para ir pagar, tira a senha para depois ir buscar resultados… e o caminho desdobra-se em múltiplas paragens
As configurações e os elementos de design específicos podem diferir ao longo do continuum de atendimento, mas os objetivos de segurança, eficiência, satisfação e atendimento de alta qualidade permanecem constantes.
Pelo que , o primeiro passo torna-se necessário ouvir o paciente, integrá-lo, pelo menos, nos processos preparatórios de reflexão sobre a mudança.
Esta mudança, seja na área de recursos humanos, seja nos processos e fluxos ou nas evidências físicas (espaços/ambientes) devem contar com a satisfação percebida do paciente, pois é ele que essencialmente vai utilizar os serviços. No entanto, espaços aprazíveis, fluxos simplificados e estandardizados e pessoas amáveis, assertivas, claras e positivas (Vaz de Almeida, 2016;2019;2021; 2021b)) beneficiam todos, inclusive os profissionais de saúde.
Relativamente ao investimento em espaços para pessoas com demência, por exemplo, Hopkins e colegas (2017 mostraram que há algumas evidências que sugerem que residentes, com demência, em lares de idosos dormiram melhor quando expostos a níveis elevados de luz (luz azul).
Figura 1. A experiência do serviço


O utente é racional e emocional, pelo que toda a envolvência precisa de estar integrada, de acordo com os órgãos sensoriais. Assim, na experiência do paciente, é importante sentir essa caminhada através dos seus olhos. O que ele sente, que emoções tem, o que ele vê, como é o seu circuito habitual para os respetivos serviços (ambulatório, urgência, internamentos, especialidades, etc.), os odores em cada espaço, os equipamentos que ele tem de tocar ou visualizar. É esta caminhada sensorial que permite o trabalho da cognição com a emoção (Damásio, 2020), e que permite proporcionar uma experiência única, satisfatória, boa de ser relembrada. (Figura 1)
Se atendermos ao modelo de Weick (1979), e a sua adaptação da teoria da evolução sociocultural (descrição dos processos pelos quais as pessoas se adaptam às mudanças nas suas relações sociais e culturais para sobreviver) podemos observar as três fases que delimitam o processo de comunicação como seja a regulamentação, a seleção e a retenção (Kreps, 2009, p. 348). Os processos de retenção são essenciais para a experimentação de sentimentos e emoções do paciente, e são usados para preservar o que foi aprendido nos processos de regulamentação e seleção, criando um conjunto de experiências sobre o que resultou e não resultou, que futuramente, orientam a pesquisa e seleção dos cuidados de saúde (Kreps, 2009, p. 348).
Ikea, Postlethwaitb e Parker (2019) focam-se no uso das artes como uma nova forma de envolver e promover a comunicação de saúde e a literacia em saúde. O envolvimento com as artes permite aos profissionais de saúde melhorar a sua competência clínica, promover o bem-estar e prevenir o burnout.
Também, segundo o guia da cidade amigável para os idosos (WHO, 2008), “a dimensão interpessoal da comunicação é muito importante” sendo necessário enfatizar que a melhor maneira de se estar informado, é permanecer ativo e envolvido na comunidade” (p. 54).
Se compreendermos que um dos problemas “raiz” da falta de compreensão e também falta de adesão é a ausência de uma compreensão perfeita em relação ao seguimento das instruções de saúde propostas pelos profissionais de saúde, conseguimos perceber o que se passa na mente de uma pessoa com baixa literacia em saude.
Se tal como Damásio (2020) afirma que são as representações das imagens e dos objetos do mundo externo que provocam uma determinada imagem na mente, que pode ou não ser percebida, entendemos que quando não existe esta representação, isto é, tradução através da compreensão na mente da pessoa, esta não fica gravada nem compreendida. Como uma “cacofonia” de palavras quando o paciente ouve um jargão técnico que não compreende e por isso, não existe representação de imagem e de informação correta na sua mente. Quem não compreende ou não traduz ou traduz incorretamente o que lhe foi transmitido, seja por via oral, escrito ou digital.
Representamos na Figura 2 este fluxo de um “jargão técnico” por exemplo as palavras “gastrocnémio na fossa poplítea”, (expressão encontrada num site de saúde e bem-estar e por isso para a população em geral) e o seu efeito na mente de uma pessoa com baixa literacia em saúde, de acordo com o que é analisado na literatura, por exemplo por Damásio (2020) e por Kahneman (2012).
Figura 2. O jargão técnico e a sua viagem na mente da pessoa com baixa literacia em saúde.


Sabemos (Espanha, Avila & Mendes, 2016) que existem grupos muito vulneráveis em literacia em saúde, que precisam de um esforço acrescido do sistema e dos profissionais de saúde para conseguirem ter uma experiência mais positiva e eficaz, quando navegam no sistema de saúde ou precisam de encontrar informação esclarecedora para a sua saúde, lidar com fatores de risco, reconhecer a importância dos determinantes sociais e fazer melhor uso deles, então é preciso criar estratégias específicas para cada um destes perfis ao longo do seu ciclo de vida (tabela 1):
Tabela 1. Lista de perfis com baixa literacia em saúde e com dificuldade de compreensão das instruções técnicas de saúde


Neste desafio constante para as organizações, estas precisam de entender a experiência dos seus pacientes, não apenas em qualquer ponto de contato, mas em toda a jornada do paciente. Sentir, vivenciar diretamente pelos olhos dos pacientes é uma das formas de se identificar quais as áreas de melhoria e também de criação de novo valor. As perguntas a serem feitas nesta “jornada do paciente “ podem ser (tabela 2):
Tabela 2. As questões para avaliar a jornada do paciente


E a partir das respostas vivenciadas diretamente com os utilizadores, é possível partir para a resolução do problema. Os pequenos passos que levam a uma melhoria desta jornada do paciente:
E o investimento poderá ser, entre outros (Tabela 3):
Tabela 3. O investimento no sistema para melhorar a jornada do paciente


Torna-se necessário criar equipas e grupos de trabalho para avaliar esta “jornada do paciente “ no sistema, na organização de saúde, nas organizações sociais que interagem com a saúde e outras, nas estruturas da comunidade, para que se consiga resgatar um valor que todos os pacientes procuram: qualidade e satisfação percebida no sistema de saúde que conduz a melhores outcomes e a um incremento da literacia em saúde das organizações e da sociedade no seu todo.
- Referências
Espanha, R., Ávila, P., & Mendes, R. M. (2016). A literacia em saúde em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. - Ferreira, P. L., Raposo, V. M., Pisco, L. (2017). A voz dos utilizadores dos cuidados de saúde primários da região de Lisboa e Vale do Tejo, Portugal. Ciência & Saúde Coletiva, 22(3), 747-758.
- Health Design (2021). https://www.healthdesign.org/insights-solutions/interactive-design-diagrams
Holbrook, M. B., & Hirschman, E. C. (1982). The experiential aspects of consumption: consumer fantasies, feelings, and fun. Journal of Consumer Research, Vol. 9(2), 132.
Hopkins, S., Morgan, P. L., Schlangen, L. J. M., Williams, P., Skene, D. J., & Middleton, B. (2017). Blue-enriched lighting for older people living in care homes: Effect on activity, actigraphic sleep, mood and alertness. Current Alzheimer Research, 14(10), 1053–1062. https://doi.org/10.2174/1567205014666170608091119 - Ikea, J. D., Postlethwaitb, R. , & Parkerc, R. (2019). Nurturing context: TRACE, the arts, medical practice, and health literacy. Information Services & Use 39 ,93–104.DOI 10.3233/ISU-180040
- Kahneman, D. (2012). Pensar depressa e devagar. Maia: Círculo de Leitores.
Kreps, G. L. (2009). Applying Weick’s Model of organizing to health care and health promotion: Highlighting the central role of health communication. Patient Education & Counseling, 74, 347- 355.
Weick, K. E. (1979). The social psychology of organizing. Reading: Addison-Wesley. - WHO – World Health Organization. (2008). Guia global: cidade amiga do idoso. [Global guide : city friendly to the elderly]. [online] Disponível em https://www.who.int/ageing/GuiaAFCPortuguese.pdf
- Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2021). Health Professionals’ Communication Competences as a Light on the Patient Pathway: The Assertiveness, Clarity, and Positivity (ACP) Model. International Journal of Applied Research on Public Health Management (IJARPHM), 6(1), 14-29. DOI: 10.4018/IJARPHM.2021010102 Retrieved from: https://www.igi global.com/article/health-professionals-communication-competences-as-a-light-on-the-patient-pathway/267793
Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2021b). Health professionals’ communication competences decide patients’ well-being: Proposal of a communication model. In A. Tkalac Verčič, R. Tench & S. Einwiller, Joy. Using strategic communication to improve well-being and organizational success. 12, (5), Bingley, UK: Emerald Publishing. https://books.emeraldinsight.com/page/detail/Joy/?k=9781800432413 - Vaz de Almeida, C. (2019). Modelo de Comunicação em Saúde – ACP. Revista Enformação, 10, 20-22. Retrieved from: https://issuu.com/ace-enfermeiros/docs/10__revista_ace.pdf_1
- Vaz de Almeida, C. (2016). Acolher, Capacitar, Encaminhar – Literacia Em Saúde: Os Caminhos Para Uma Maior Capacitação Dos Profissionais De Saúde. In Congresso da Associação Científica de Enfermeiros (ACE). Revista En Formação, pp 8-15 Retrieved from: http://www.acenfermeiros.pt/ficheiros/uploads/6011fa933c32bfb94c5cc8388fcb30e6.pdf
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