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A Era dos Paradoxos

A Era dos Paradoxos

A convidada dessa semana é mestre em Direito e doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra, a professora Mavili Moura aborda o mundo paradoxo que vivemos.

Black Mirror, série que estreou sua primeira temporada em 2011, conta-nos várias histórias em que o lado negro da vida atrelada à tecnologia é o enredo principal. Algo um tanto perturbador e aterrador para aqueles que, como eu, não nasceram na era digital.

Na última terça-feira as mídias sociais, mais uma vez, se tornaram objeto de acusações sobre seu uso indevido. Dessa vez, ao menos, o próprio Twitter acusa o Partido Conservador da Inglaterra de modificar seu avatar, durante o debate entre Boris Johnson – líder do Partido Conservador e Primeiro-Ministro e Jeremy Corbyn – líder da oposição e do Partido Trabalhista, para fazer parecer um serviço de checagem de fatos. Ainda que o Secretário de Relações Exteriores – Dominic Raab, tenha afirmado que: “no one gives a toss about the social media cut and thrust”, sabemos que as mídias sociais fazem parte do cenário eleitoral, com alguns escândalos em sua conta, dentre eles o próprio referendo do Brexit, ante as acusações do uso do dados de 87 milhões de usuários do Facebook, sem a devida autorização, e que acabaram, inclusive, por forçar um depoimento de Mark Zuckerberg no Senado Americano.

A lista de situações, ao menos controversas, é cada dia mais extensa. E a dúvida que paira é qual o papel de fato das mídias sociais nos processos eleitorais? É preciso destacar que, como afirma, Zygmunt Bauman, vivemos uma vida para o consumo, e as redes sociais têm como centro o intercâmbio de informações pessoais, revelados por seus usuários em um estado de transe tecnológico. Haveria algum limite moral a esse mercado? Na esteira das lições de Michael Sandel há que se ter um limite moral do mercado porque nem tudo pode ser comprado.

O Facebook excluiu da política de checagem os políticos. Para demonstrar o perigo das informações falsas Elizabeth Warren postou, em sua rede social, uma foto de Mark Zuckerberg com Donald Trump afirmando o apoio do Facebook e do próprio Mark Zuckerberg a candidatura de Trump à Casa Branca. Vivemos na era da democracia, visto que o número de países ditos democráticos é o maior frente ao último século, e nos acostumamos a ouvir que a democracia é o pior dos governos com exceção de todos os outros. O uso de mídias com intuito de forjar uma hegemonia não é novidade, mas adquirem uma potência diferenciada com o alcance das mídias sociais.

O voto ainda que de importância singular, de maneira que sua conquista deve ser lembrada, relembrada e homenageada especialmente para os considerados excluídos, tem o caráter de aprovação ou reprovação de determinados discursos e planos e se constitui em um exercício ocasional da cidadania. De forma que direcionar ou mesmo influenciar as discussões políticas pode acarretar a captura desse processo, posto que suprime do eleitor a real possibilidade de escolha.

A luta pelo poder tem agora uma nova fronteira, traçada entre os caracteres do Twitter, as fotos, lives e vídeos no Facebook e no Instagram, e as mensagens compartilhadas por WhatsApp. Esses espaços passaram a ser territórios a serem conquistados. Há uma mudança de paradigma quanto à informação, aliado a um período em que a democracia deixou de ser apenas uma forma de governo para se transformar em um modo de vida.

Não há como negar que esses espaços transformaram o acesso à informação. Hoje é possível saber qualquer coisa em qualquer lugar a apenas um clique de distância. Mas, esses espaços, inicialmente pensados como grandes instrumentos democráticos, acabaram por produzir as eco-chambers em que apenas se lê, vê ou ouve as informações em consonância com as nossas próprias opiniões, graças aos algoritmos, esses mesmos que não compreendemos, mas determinam o modo como a informação aparece em sua timeline ou no feed de notícias.

Claro que sabemos que os representantes do povo, no jogo político e com seu desejo de manutenção no poder, fizeram com a classe política passasse a viver da política e não para a política, o que coloca em risco a qualidade e o comprometimento com os eleitores.

Essa estrutura é criada não apenas pela elite política, mas também econômica e reverbera nas mídias sociais. O descrédito na classe política, a sensação de não terem seus anseios atendidos, transformou as mídias sociais em um verdadeiro local de demonstração de frustações. As emoções coletivas são como a água quando encontram um bloqueio, acabam por abrir novos caminhos. Esse é o dilema atual o excesso de democracia tem tornado a democracia difícil de gerir. A fragmentação da sociedade em um sem número de demandas, um sistema atual de informações que não são devidamente analisadas, por uma sociedade transformada pelo comércio ou exploração de dados, o aumento inexorável da pulverização de interesses movidos pela internet e suas amplas mídias, pela insatisfação econômica, pela profusão de ideias desconexas e pelo domínio de um poder econômico ainda mais invisível.

Mas é interessante notar que alguns sucessos eleitorais também se deram com o auxílio das mídias sociais e de pessoas que não seriam parte da elite política. A eleição de Alexandria Ocasio-Cortez, descendente de porto-riquenhos, para o Congresso Americano ou ainda a eleição de Monica Semedo, filha de imigrantes cabo-verdianos, para o Parlamento Europeu.
Mas nem mesmo tais exemplos são capazes de aquietar as mentes daqueles que, como eu, buscam compreender a tecnologia crescente, seus paradoxos, e os enormes impactos na vida de todos nós.

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