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Literacia em saúde e a prevenção da deficiência: prevenir antes de reabilitar

Literacia em saúde e a prevenção da deficiência: prevenir antes de reabilitar

Se as pessoas pensassem e percebessem melhor as consequências dos seus atos, para si e para os outros, provavelmente não se colocariam tanto em risco. Mas para aceder, compreender e usar a informação, as questões da literacia em saúde são cruciais, e o desenvolvimento das competências cognitivas e sociais dos indivíduos devem estar na ordem do dia. Educar para agir e prevenir.

Promover competências implica dar mais conhecimentos, capacidades e atributos pessoais (OCDE, 2005; Tench & Konczos, 2013).

Até 2020, um quinto da população da União Europeia deverá ter algum tipo de deficiência (União Europeia, 2020). A UE e os seus Estados-Membros anunciam que “estão empenhados em melhorar a situação social e económica das pessoas com deficiência” (União europeia, 2020). Segundo o centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC) cerca de 10% das pessoas, isto e, um total de 650 milhões de pessoas tem uma deficiência, considerando-se “a maior minoria do mundo”

Quando a Comissão Europeia descreve as formas de “Sensibilização”, apesar de ser uma forma positiva de intervir sobre o que já existe, mostra uma visão a posteriori, e já depois dos acontecimentos que provocaram esta catástrofe anual de deficiência prevenível: a Comissão Europeia (2010) está “empenhada em aumentar a conscientização sobre as condições de vida das pessoas com deficiência, os desafios que encontram no dia-a-dia e ferramentas para melhorar suas vidas” (União Europeia, 2020).

A questão, por isso, que urge refletir com maior profundidade e com debates entre as várias forças interventoras de cada nação é, para além da intervenção ajuzante, como se procede também para se intervir numa prevenção da deficiência adquirida, que tem necessariamente de ser a “montante” (Vaz de Almeida, 2014).

Para se evitar deficiência adquirida, sobretudo a provocada por acidentes de viação, em obras, domésticos o trabalho mais profundo no desenvolvimento das competências de acesso, compreensão e uso da informação e dos serviços é determinante para uma antecipação e prevenção dos riscos.

Os acidentes de viação na Europa matam cerca de 25.600 vidas e deixam mais de 1,4 milhão de pessoas feridas, nos dados de 2016 (European Commission, 2018). Destes totais e numa distribuição de fatalidades/mortes pelo modo de transportem verifica-se que um total de 47% são devidas a acidentes de carro, 22% de circulação de pedestres, 14% de motas, 8% de bicicletas e o resto devido a pequenos veículos (CARE, 2018)

Baseando-nos em Kim & Grunig (2011) que avaliam uma dimensão tripartida e interligada para a resolução de problemas, se as pessoas fossem ensinadas/educadas a conhecer melhor as formas de estar em maior segurança na sociedade, avaliar melhor os seus limites, reconhecer as suas barreiras e crenças e ultrapassar os seus constrangimentos, provavelmente o nível de acidentes desceria.

No campo apenas dos acidentes de viação, se tivermos em consideração o estado do tempo, e de acordo com os dados da CARE (2018), 71% dos acidentes verificam-se com o tempo seco, 9% devido a chuva, 13% não se conseguiu identificar a condição do tempo, 4% outros fatores e 1% devido ao vento. Destes dados pode tirar-se a ilação que a maioria não é provocada pelo tempo (tempo seco: 71%). (Tabela 1).

Tabela 1. As condições do tempo nos acidentes.

Influência do tempo Tempo seco Chuva Vento Não identificado
Acidentes de viação

71%

9% 1%

13%

Fonte: CARE

A Pordata (2017) revela que apesar dos números estarem a diminuir, a Europa regista ainda 3.116. 691 (2017) acidentes graves.

Os países europeus onde se registam mais quedas, esmagamentos, choques ou outros acidentes de trabalho que provocam ferimentos graves ou a morte de trabalhadores continua a ser na Alemanha com 878.525 pessoas com acidentes graves e com 430 mortos (2017), seguido de França com 753.156, Espanha com 453.437, Itália com 294.16, e Portugal com 135.488 acidentes graves e 130 mortos (2017).

A maior descida de acidentes preveníveis desde 1994 foi registada pela Alemanha que em 1994 contabilizava 1.763.961 pessoas e pela Itália que nesse ano contava com 752.450 pessoas com graves acidentes, mas, em contrapartida, com 484 mortos e por isso superior a Alemanha.

Continuamos a creditar “que a literacia é de fato uma acessibilidade anterior, para uma maior compreensão do mundo em que vivemos, e por isso, compreendendo e prevenindo melhor o acidente a deficiência adquirida” (Vaz de Almeida, 2015, p. 107)

CAMINHOS DE INTEGRAÇÃO PARA UM RESULTADO MAIS EFICAZ

O caminho da literacia em saúde na prática exige uma reflexão e intervenções conjuntas do indivíduo, da família, grupos, associais, organizações e entidades sociais, económicas, culturais, desportivas, políticas, e outras para que se surta um resultado integrado.

Entre algumas soluções e intervenções, podemos destacar no quadro 1 as seguintes.

Quadro 1. Literacia em saúde como prevenção da deficiência adquirida: Acesso, compreensão e uso da informação e dos serviços

ACESSO

COMPREENSÃO USO

Apresentar uma informação realista e fundamentada em dados nos Media

Implicar as escolas e professores na dinamização da informação compreensível para os vários graus de alunos Uso da informação relacionada com a prevenção dos riscos de uma deficiência adquirida

Preparar educadores e professores sobre os riscos dos acidentes, formas de se evitar a deficiência prevenível

Implicar organizações do trabalho nas formas de disseminação das regras de segurança, com formação obrigatória de todos os envolvidos nos processos de operacionalização com risco para a pessoa

Uso dos espaços que integram uma filosofia de atenção à prevenção, seja a nível da arquitetura ou da construção

Envolver os media nacionais e locais na prevenção de riscos

Reconhecer e registar a falta de compreensão dos públicos – alvo, fazendo-os participar na construção das intervenções

Formas de uso e de proteção do corpo e da mente no trabalho, domicilio, vias de circulação, praias, etc.

Melhorar comunicação

Da prevenção de riscos integrando um conjunto de intervenções (media, redes sociais, campanhas, boca a boca, folhetos, artigos, ações)

Preparar suportes mais compreensíveis usando o Modelo ACP, com linguagem assertiva, clara e positiva (Vaz de Almeida, 2019)

Uso sistemático de medidas e equipamentos de proteção em obras/construções, com punição de coimas elevadas para as organizações e fiscalização intensiva

Dar mais acesso aos números relacionados com os resultados dos riscos e da deficiência prevenível nas escolas

Utilizar o entretenimento para melhorar a compreensão da prevenção dos riscos de deficiência prevenível

Criar estruturas locais de ensino de pessoas que possam já ter algum tipo de deficiência (pessoas com Síndrome de Down) e preparar as famílias, comunidade e elas próprias para o uso correto dos materiais, equipamentos, etc.

Preparar melhor os profissionais de saúde para o acesso de pessoas com potencial de risco futuro de acidentes preveníveis

Preparar os grupos e organizações mais intervenientes na comunidade para alerta de fatores de riscos (violência domestica sobre idosos, crianças), criando camais mais efetivos de denúncia

Criar canais expeditos de denúncia de riscos de violência conducentes a deficiência prevenível

Rever formas de acesso á informação, procurando o que é inovador e sobretudo o que tem interesse em termos de meios e de conteúdos para os vários segmentos no ciclo de vida (crianças, jovens, adultos, idosos) Utilizar sistematicamente uma comunicação assertiva, clara e positiva, de construção de significados e de feedback constante, que conte com as pessoas e com o que elas compreendem efetivamente

Criar estruturas comunitárias de grupos de voluntários para limpeza de espaços que possam trazer doenças e deficiência evitável (limpeza de praias onde possam estra vidros, materiais que possam provocar lesões graves que conduzam a uma deficiência prevenivel)

Fonte: Elaboração própria

CAMINHOS NA PREVENÇÃO

O que pode ainda ser feito para se prevenir a deficiência exige um olhar numa perspetiva sistémica e de interinfluências (Mcleroy e outros, 1988). Para isso temos de avaliar e integrar o individuo entre os seus pares, nos grupos que frequenta ou pelos quais são influenciados, na família, escola, comunidade e sociedade.

A par disto os determinantes sociais como a educação, os transportes, o emprego, e um grande determinante da saúde, a literacia em saúde que envolve o acesso, a compreensão e o uso da informação crucial que estimula a capacidade de cognição para a prevenção e avaliação dos riscos.

Este trabalho de literacia em saúde envolve assim um conjunto de elementos que contribuem para uma sociedade mais segura e que, detém os conhecimentos específicos que podem também ser partilhados de forma multissectorial. Os próprios objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) refletem esta necessidade e capacidade integrativa das várias forças da sociedade.

Sãos as linhas programáticas dos Objetivos do Desenvolvimento sustentável que anunciam os necessários investimentos e que incluem não apenas os países em desenvolvimento e que passam por (entre outros):

  • Reforçar a capacidade de todos os países, para o alerta precoce, redução de riscos e gestão de riscos nacionais e globais de saúde.

E como poderemos alcançar este desígnio? Que caminhos práticos são possíveis? Para este alerta precoce, redução de riscos e gestão de riscos nacionais e globais de saúde, torna-se importante reunir um conjunto integrado e participativo de intervenções (Quadro 2).

Quadro 2. Integração e participação multisetorial para evitar uma deficiência prevenível

1.      Inclusão dos bombeiros, polícias, nadadores salvadores, e outras forças de prevenção do risco e de segurança no ensino da prevenção de acidentes
2.      Promover visitas de escolas a centros de reabilitação para troca de experiências com pessoas que sofreram acidentes preveníveis
3.      Promover competências parentais, seja nos locais de trabalho, através dos media, ou mesmo no domicílio
4.      Trabalhar os conceitos/ideias e ações juntando a razão + emoção: Melhorar as formas e meios de educação em saúde com componentes obrigatórias de cognição e emoção (aprender significa reter a informação e apenas com a combinação de aspetos cognitivos e emocionais se impregna na memória as ações pretendidas)
5.      Coordenar com os media nacionais e locais as formas de difusão de informação adequada aos vários segmentos.
6.      Trabalhar com as associações promotoras de segurança infantil, jovens e adultos em projetos integrados na comunidade (virados para fora das associações)
7.      Promover políticas comunitárias de adaptação de espaços e arquitectura para uma maior segurança (estrada, habitação, acessibilidade)
8.      Concursos orientados para crianças e jovens sobre prevenção da deficiência e associar as políticas de estilos de vida saudável a esta necessária prevenção de riscos e acidentes que provoquem deficiência
9.      Fomentar os testemunhos nos media e nos meios diversoso de comunicação em redes socais, daqueles que já sofreram sinistros que conduziram a deficiência e promover as campanhas para além da sua limitada duração no tempo (passar dos media para as comunidades e grupos)
10.  Organizar eventos associados á prevenção de deficiência adquirida com prémios para soluções inovadoras relacionadas com as pessoas, com os espaços físicos e meios.

Investir neste determinante da saúde que é a literacia em saúde parece ser um bom caminho. Mas deve ser feito de forma consciente, participada e trabalhar em conjunto na procura de caminhos e soluções que tornem as pessoas mais atentas, mais eficazes na prevenção dos riscos e na defesa da sua saúde física, mental, psicológica e espiritual.

Referências

CARE project. (1993). Community database on road accidents (93/704/EC). European Commission, Jornal Oficial, L 329, 0063 – 0065.

Comissão Europeia. (2010). Estratégia europeia para a deficiência 2010-2020:compromisso renovado a favor de uma europa sem barreiras

European Commission (2018). Annual Accident Report 2018. European Commission: Directorate General for Transport.

McLeroy, K.R., Bibeau, D., Steckler, A. and Glanz, K. (1988). An ecological perspective on health promotion programs. Health Education Quarterly, 15, 351-377.

OCDE. (2005). The definition and selection of key competencies executive summary. OCDE.

Pordata. (2017). Acidentes de trabalho graves e mortais. [on line]. Disponível em: https://www.pordata.pt/Europa/Acidentes+de+trabalho+graves+e+mortais-1355

Tench, R., & Konczos, M. (2013). Mapping European communication practitioners’ competencies: A review of the European communication professional skills and innovation program. UK: ECOPSI.

União Europeia. (2020). Persons with disabilities. [online]. Disponível em: https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=1137

Vaz de Almeida, C. (2015). A Literacia como uma acessibilidade no domínio da prevenção da deficiência. Revista Cidade Solidária, 106-113. [online] Disponível em:https://www.researchgate.net/profile/Cristina_Vaz_De_Almeida/publication/337992416_LITERACIA_COMO_ACESSIBILIDADE_NO_DOMINIO_DA_DEFICIENCIA/links/5df95158a6fdcc283728dc99/LITERACIA-COMO-ACESSIBILIDADE-NO-DOMINIO-DA-DEFICIENCIA.pdf

Vaz de Almeida, C. (2019). Modelo de comunicação em saúde ACP: As competências de comunicação no cerne de uma literacia em saúde transversal, holística e prática. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 43-52). Lisboa: Edições ISPA [ebook]

http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/7305/5/Literacia%20da%20Sa%C3%BAde%20na%20Pr%C3%A1tica%20%28E-Book%29.pdf

Imagem (PublicDomainPictures) gratuita em Pixabay

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