A relação terapêutica antecede e precede sempre o suporte digital. Os princípios que regem a intervenção da saúde à distância, através da telemedicina (apoiado por médicos) ou da telesaúde (apoiada por um grupo diverso de profissionais de saúde) têm vindo a ajustar-se ao longo dos anos.
O novo digital começa a ter em conta a importância do estabelecimento de relações interpessoais estabelecidas pelos profissionais de saúde através de meios tecnológicos, como a rede digital, os computadores, telemóveis e comunicação eletrónica.
E na saúde, o fator relacional é crucial, pois as relações terapêuticas em saúde são intrinsecamente relações pessoais que produzem resultados em saúde.
É da relação interpessoal em saúde que saem os cuidados em saúde, a prevenção da doença e a promoção da saúde, a compreensão, o uso adequado e as futuras decisões em saúde dos indivíduos. Seja ou não mediada por um suporte digital.
Para além do canal de transmissão, seja o telefone, o ecrã de computador ou mesmo em combinação entre a voz, áudio e o visual, há uma relação terapêutica estabelecida entre o profissional de saúde e o paciente e que visa a melhoria do bem-estar físico e emocional de um paciente que a ele recorre.
A comunicação (Corcoran, 2007, p. 7; Watzlawick e outros, 1967) divide-se em “conteúdo”, que inclui a mensagem, as palavras e as informações transmitidas e “relacionamento”, a dinâmica entre os envolvidos na transação, em que, na comunicação em saúde, o remetente principal é o profissional de saúde (Almeida, 2018) e o destinatário o paciente (Corcoran, 2007, p. 6), havendo primazia do recetor num processo contínuo de codificação e descodificação (Hall, 1980).
A comunicação terapêutica, através da utilização de um conjunto de competências comunicativas, gera maior confiança, compromisso, investimento, envolvimento (Bruning & Ledingham, 1998). O profissional de saúde continua a ser a fonte mais credível em saúde, embora com concorrência de outras fontes, que ao longo dos anos, passaram a ter, embora sem estrutura técnica, também credibilidade em saúde, tais como os vizinhos, as celebridades, a família, entre outros (Vaz de Almeida & Sebastião, 2018).
A WHO (2020) refere que a telemedicina é uma prestação de serviços de saúde, onde a distância é um fator crítico, por todos os profissionais de saúde que utilizam tecnologias de informação e comunicação para o intercâmbio de informações válidas para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, pesquisa e avaliação, e a educação continuada dos profissionais de saúde, com o objetivo de promover a saúde de indivíduos e comunidades (WHO, 2020, p. 20)
De fato, os dados apontam que a saúde deve entrar no digital, porque este abre novos caminhos. Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2020) sublinha que o uso das soluções digitais de saúde podem revolucionar a maneira como as pessoas em todo o mundo atingem padrões mais altos de saúde e acedem aos serviços, por forma a promover e a proteger sua saúde e bem-estar. Neste âmbito a WHO (2020) concorda com as oportunidades da saúde digital que permitem acelerar a prossecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados à com a saúde e bem-estar, especialmente o ODS 3.
É através da comunicação verbal e não verbal que se melhora a qualidade da relação terapêutica. A comunicação é o instrumento para se conseguir a partilha nessa relação em saúde tão especifica. Para comunicar bem, o profissional de saúde beneficia se estiver dotado de ferramentas de comunicação, que já foram testadas e validadas.
Assim, propomos o uso durante a consulta on line, seja de telemedicina, seja de telesaúde ada utilização do Modelo de Comunicação ACP – Assertividade, Clareza e Positividade.
Trata-se de um modelo de comunicação em saúde já experimentado por centenas de profissionais em saúde da formação pós graduada em Portugal (ISPA, ESEL) e de formações em vários centros hospitalares e administrações regionais de saúde (ARS), assim como validado por um inquerito on line com 388 respondentes (médicos e enfermeiros) e 14 focus groups em grandes hospitais da Área Metropolitana de Lisboa.
Para levar o paciente a agir, o profissional de saúde deve assegurar que ouve e compreende as suas preocupações. “Saber ouvir” foram as duas palavras intensamente repetidas pelos profissionais de saúde participantes nos 14 focus groups. “Saber ouvir” leva a uma “escuta ativa”. Neste processo, o respeito pelo paciente, o tempo dado para que ele se exprima, a gestão cuidada de qualquer conflito que possa surgir, e a orientação da consulta, que deve ser efetuada pelo profissional de saúde estão associados á competência “Assertividade”. Ser assertivo é respeitar o outro dinamizando a fazendo -o participar na interação , equilibrando a relação.
Clareza é ser claro, e é a segunda condição interdependente. Falar claramente é traduzir o jargão técnico e adequar a linguagem ao interlocutor. E sobretudo em comunicação onde não existe presença física, e apenas auditiva ou audiovisual, a clareza da linguagem (plain language) deve ser usada e adequada ao perfil do paciente.
A positividade é a terceira competência e significa abrir o caminho da motivação, da esperança, da capacidade de resolução do problema e ao mesmo tempo garantir a importância do tema e a sua eficácia, e para isso a positividade deve ser combinada com a assertividade. A positividade está associada ao comportamento positivo que desejamos que o paciente tenha, por forma a melhorar a sua saúde. Neste processo, a autoeficácia é essencial para criar a motivação para uma pessoa atingir seus objetivos. Assim, quanto maior for o seu nível de autoeficácia, maior o nível de motivação e maior o esforço investido para alcançar uma meta pessoal (Bandura, 1993).
O National Academies of Sciences, Engineering and Medicine (2020) fornece algumas orientações importantes, que acrescem ao Modelo de Comunicação ACP, tais como:
- Adaptar a comunicação médico-paciente para atender às necessidades culturais e preferências linguísticas dos pacientes e dos seus familiares;
- Promover a literacia em saúde nas organizações de saúde;
- Criar listas de verificação (checklists) de prontidão nas organizações de saúde para garantir que as necessidades de literacia em saúde e de comunicação dos pacientes sejam atendidas;
- Implementar programas de navegação do paciente para enfrentar barreiras, incluindo o potencial de acesso reduzido devido à falta de literacia em saúde;
- Treinar todos os funcionários da organização nas melhores práticas de comunicação e nas estratégias para atender às necessidades de literacia em saúde dos pacientes e familiares, e , neste acso, sugerimos a aprendizagem do Modelo de Comunicação ACP que permite uma resposta e adaptabilidade eficaz aos diferentes perfis de pacientes/utentes.
E o profissional de saúde é o “maestro” desta composição da saúde, que todos os dias rescreve com perícia a sua intervenção, produzindo resultados em saúde diariamente através dos seus pacientes.
É esta maestria, reforçada com as competências técnicas, as competências comunicativas e relacionais, que gera maior confiança, a base sólida da credibilidade em saúde.
E um paciente satisfeito, motivado, que compreende e toma decisões acertadas em saúde, é a satisfação dos profissionais de saúde, que vêm a sua missão cumprida: melhores resultados em saúde a nível individual, comunitário e da sociedade no seu todo.
Porque todo o processo é de interinfluências e, como referia Lalonde (1981) é preciso apoiar, informar e influenciar, e o Modelo ACP ajuda nesse caminho.
Referências
Bandura A. (1993). Perceived Self-Efficacy in Cognitive Development and Functioning. Educational Psychologist, 28(2), 117-148.
Bruning, S.D, & Ledingham, J.A. (1998). Organization public relations and consumer satisfaction: The role of relationships in satisfaction mix. Communication Research Reports, 15(2), 198-208.
Corcoran N. (Ed.). (2007). Communicating Health: Strategies for Health Promotion. Journal of Health Communication, 13(3), 303-305. doi:10.1080/10810730801985509
Hall, S. (1980). Encoding/decoding. In S. Hall, D. Hobson, A. Lowe & P. Willis (Eds.), Culture, media, language: Working papers in cultural studies (pp. 128-138). London: Hutchinson.
Lalonde, M. (1981). A new perspective on the health of Canadians. Ottawa, Canada: Information Canada.
National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. (2020). Health Literacy and Communication Strategies in Oncology: Proceedings of a Workshop. Washington, DC: The National Academies Press. https://doi.org/10.17226/25664. (Available from:
https://www.researchgate.net/publication/339843175_SUGESTOES_DOS_ESPECIALISTAS_PARA_A_MELHORIA_DA_LITERACIA_EM_SAUDE_E_COMUNICACAO_NA_ONCOLOGIA_2020 [accessed Apr 22 2020].
Watzlawick, P., Beavin, J., H., & Jackson, D. D. (1967). Pragmática da comunicação humana: Um estudo dos padrões, patologias e paradoxo da interação. São Paulo: Cultrix.
Who (2010). Global strategy on digital health (Draft 22nd March 2020). Author.
Wyber, R., Vaillancourt, S., Perry W., Mannava, P., Folaranmi, T, & Celi, L.A. (2015). Big data in global health: improving health in low-and middle-income countries. Bulletin of the World Health Organization, 93, 203-208. (doi: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.14.139022, accessed 18 December 2019).
Vaz de Almeida, C. (2018a). Literacia em saúde: Capacitação dos profissionais de saúde: O lado mais forte da balança. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde: Modelos, estratégias e intervenção (pp. 33-42). Lisboa: Edições ISPA.
Vaz de Almeida, C & Sebastião, S. (2018b). A perceção dos profissionais de saúde sobre fontes de informação e sua influência na relação terapêutica. Observatorio (OBS*) Journal, (2018), 2(4), 1-18. 1-18. 026-043 1646-5954/ERC123483/2018 026 retrieved:



