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O conceito de “Memória” aliada à História de acordo com Pierre Nora

O conceito de “Memória” aliada à História de acordo com Pierre Nora

Este texto é um exercício de identificação de conceitos realizado durante a leitura de uma entrevista a Pierre Nora, conduzida por Evelyn Erlij, em 2008, para a revista Letras Libres.

A entrevista versou sobre o seu percurso profissional e respectivo contributo para um novo método de fazer História, inaugurado pela obra “Les Lieux de Memoires”. Foram ainda abordadas as alterações e desafios impostos ao historiador pela introdução da memória colectiva e individual, enquanto instrumento, na disciplina e no trabalho de investigação histórica. Aludiu-se à discussão sobre os tipos de utilização a que está sujeita por parte das democracias actuais e, por fim, foi constatado por Pierre Nora que estas noções de memória e de História estão a ser postas em causa pelo nova conjectura do século XXI.       

Este discípulo e mestre da Escola dos Annales, dedicou a sua carreira profissional ao estudo da transformação da relação entre sociedade e o seu passado, promovida pelos fenómenos e desenvolvimentos históricos do século XX, sobretudo em França, país de que é natural.

Para compreender a emergência do conceito de Memória aliada à História perfilhado por Nora é necessário entender que surgem no seguimento da crescente democratização e liberalização dos sectores políticos e sociais ocidentais, da mudança das mentalidades e da relação de todas as camadas sociais com o passado.

Nesta época sucedeu uma reorientação da atenção e relevância dada à identidade cultural como elemento unificador e daí decorre uma ruptura com a tradição historiográfica que até aí exercia um papel homogeneizador, da qual a França foi adepta. Deste modo, as áreas de estudo que tinham sido oprimidas, reprimidas, ignoradas ou manipuladas relevam-se na construção cívica e na discussão por uma sociedade igualitariamente valorizada através da agitação dessas minorias que desejam desenvolver laços identitários e compreender a ordem pela qual se alcançou o estado Presente.

Destarte, é na década de 80 do século XX que Pierre Nora se vê confrontado com a emergência de uma reivindicação por um discurso histórico democrático, por parte de minorias sociais que efectivamente desempenharam um papel nos desenvolvimentos humanos retratados na grande narrativa oficial de acontecimentos, nomeadamente daquelas confrontadas com momentos políticos e sociais de charneira, inalienáveis da História, como o foram as camadas femininas, as homossexuais, as religiosas e as de antigos povos colonizados. Tendo orientado a sua investigação para esse fenómeno então emergente, deparou-se com uma nova forma de testemunho diferente da fonte histórica, com consciência própria, que se reconhece como parte dos fenómenos históricos, geralmente em grande quantidade e que procura representação.

Este testemunho assentava sobre o pilar da memória colectiva e dele emanavam símbolos, ícones e locais de recordação. Assim, com a sua obra, “Les lieux de mémoire” – um inventário de locais onde essa identidade unitária se manifestava – publicada em França, num contexto de crise identitária nacional e de perda do sentido comunitário, forneceu uma proposta de aliança entre História e a Memória. Este gesto de reconciliação entre a consciência de identidade e a identidade cultural em si, assente numa metodologia científica, levou a que se encontrasse nas memórias colectivas uma forma de resposta, preferencialmente ao que História tradicional tinha para oferecer, todavia, com isto fundou um novo método historiográfico.

Nora caracterizou a Memória como uma invocação de acontecimentos passados que se manifesta no presente, com origem na transmissão oral ou proveniente da experiência pessoal, imbuída de emoções afectas, à qual se agregam memórias semelhantes da mesma experiência, vivenciadas ou difundidas por outros elementos do mesmo grupo humano. Tem uma natureza instável dado que serve perspectivas e propósitos variados, consoante o testemunho ou o grupo, sendo por isso parcial e selectiva. O seu carácter ideológico não contribui para uma formação cívica, antes para uma forma de sentir comunitária.

Por outro lado, caracterizou a História, na forma de registo, como sendo uma construção dinâmica e subjectiva do conhecimento acerca dos fenómenos humanos na longa duração, que se expressa através de processos reconstitutivos de eventos passados por intermédio de um estudo sistematizado de informações provenientes de fontes selecionadas, que adquirem uma natureza de transmissão intelectual e consistente.

Evelyn, expõe ainda uma definição dada por Pierre Nora, de que a História é uma “economia e administração do passado desde o presente”. Perante a ausência de mais informação, supõe-se que o mesmo será dizer que a História é a disciplina produtora de conhecimento (economia) e, em simultâneo, aquela que o selceciona (administração). Em suma, a Memória reporta-se ás vivências e a História à sua reconstrução intelectualizada.

Contudo, ainda que os conceitos estejam bem definidos por Nora, as fronteiras entre ambos tendem a confundir-se, na medida que exercem igualmente um poder agregador. Porém, ao valorizar a memória sem que esta seja “arbitrada” e estudada pelo historiador, acostumado a um trabalho de testemunhos e de selecção de informação, o resultado poderia incorrer numa “supremacia do presente e de um certo esquecimento da História”, isto é, numa existência sem contexto, ou, num contexto reescrito com base nos interesses de uma minoria que detivesse o poder num determinado momento.

Apesar do investigador estar sujeito a influências do foro ideológico pessoal, este pode contorná-las assumindo uma postura transparente para quem o lê ou com ele irá aprender, ao passo que os grupos que reivindicam a predominância da memória dificilmente se isentam de ideais. Prova deste carácter parcial é o uso oportunista, geralmente com fins comerciais, que se pode fazer da memória. Ainda que pareça um pressuposto inevitável da intenção de a preservar, a sua utilização já deu provas de muitas vezes servir apenas o propósito do entretenimento através do sensacionalismo, sem recorrer a qualquer contextualização, o que reflecte uma forma de abuso dessa informação.

Conclusão

A aliança estabelecida com a memória, enquanto contribuo para a construção do conhecimento histórico, permitiu à História acompanhar a evolução social e respectivas necessidades, tendo originado um novo método e criado a variante de investigação de História Contemporânea. Porém, esta tendência de valorização da memória começa a ser posta em causa com as normativas de vida do século XXI. A valorização da memória que se deu no século XX, fruto de um contexto de perda de identidade e instabilidade política, em confronto com toda uma nova forma de experienciar o quotidiano, muito mais acelerada e com pouca dedicação a cada momento, está posta em causa pelo autor.   

Bibliografia


NORA, Pierre – entrevista [a ERLIJ, Evelyn]. Revista Letras Libres (1 de fevereiro de 2018) – Disponível em https://www.letraslibres.com/espana-mexico/revista/entrevista-pierre-nora-el-historiador-es-un-arbitro-las-diferentes-memorias data da consulta 04-11-2019.

Imagem (ElissaCapelleVaughn) gratuita em Pixabay

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