Cristina Vaz de Almeida
PhD Ciências da Comunicação; Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS).
A humanização dos espaços de saúde, em particular nas organizações hospitalares, tem sido uma reflexão constante ao longo dos anos. Com mais intensidade, este tema reflete a necessidade de cuidado da pessoa, para além do processo de cura.


Com a necessidade de digitalização e de relações mais digitais, os espaços de saúde ainda ganham maior projeção nesta necessidade crítica de manter o relacionamento com os pacientes (Vaz de Almeida, Coelho, Martins & Guarda, 2021) para que eles sintam o bem-estar defendido pela OMS em todas as suas últimas orientações (OMS, Conferencia Promoção da Saude, Dez 2021).
Entre as dimensões dos modelos centrados no paciente, destacam-se 1) a perspetiva biopsicossocial, que inclui a dimensão psicológica da saúde; 2) a visão do paciente como pessoa e a compreensão da experiência do indivíduo na doença e, por isso, exigindo também a humanização (Paterson & Zderad, 1976, 1988) de toda a relação; 3) a partilha de poder (Pendleton e outros, 2003, p. 50) e de responsabilidade na consulta, num equilíbrio relacional de simetrias (Bruning & Ledingham, 1988); 4) a aliança terapêutica, reconhecendo outras dimensões da relação e do seu potencial terapêutico, para além da sua gestão, e finalmente 5) a apresentação do profissional de saúde como pessoa, com o seu contributo para a construção da relação (Leventhal & Cameron, 1987).
Pretende-se que estas relações interpessoais sejam promotoras de um modelo simétrico, bidirecional, mutuamente benéfico de relações, que ocorrem numa troca de informação contínua e recíproca, através do diálogo, com o objetivo de se construir um relacionamento (Heath & Vasquez, 2001; Ledingham, 2001; 2003).
Verificamos nestas dinâmicas relacionais que impendem sobre o ser humano de forma constante, mesmo que este esteja em silêncio, que a comunicação é uma das chaves para a melhoria e o fortalecimento de um hospital positivo
A comunicação humana interpessoal baseia-se em eventos de comunicação oral e não oral, que pode ser direta ou indireta, envolvendo um conjunto de mensagens significativas na conversação e uma sequência de conversações nessa relação, existindo uma interdependência entre os sujeitos. Sabemos que a comunicação tem um conjunto vasto de componentes influenciadores:
1) biológicos, porque manifesta os padrões de sincronia, adaptação, mimetismo e espelhamento, normalmente realizados sem consciência ou volição, com base nas necessidades de conforto, segurança, vínculo, organização e processos universais;
2) sociais porque baseia-se nas normas sociais e integra fatores culturais e sociais de grupos, nos quais assentam os modelos de comunicação e cognição, com ênfase nas funções, objetivos, significados, perceções e atribuições (Burgoon, Ster & Dillman, 1995, p. 11).
E a comunicação, sendo um fator de aproximação, segurança, fortalecimento da relação terapêutica deve ser, na medida do possível, assertiva, clara e positiva (Modelo ACP) (Vaz de Almeida & Belim, 2021).
Sobre o Modelo ACP, pelos seus bons resultados e como bom exemplo de um modelo agregado e interdependente de competências comunicativas, validado e usado por centenas de profissionais de saúde e por especialistas de literacia em saúde, desdobra – se nas seguintes competências comunicativas que o profissional vai fortalecendo e treinando.
1 – ASSERTIVIDADE
Assim quando à Assertividade significa que a comunicação dos profissionais de saúde deve conter as seguintes orientações:
| SOBRE ASSERTIVIDADE RELACIONADA COM O ACESSO, USO E COMPREENSÃO Como avalia o seu desempenho? |
| 1. Saber conversar (iniciar, manter, conduzir uma conversa) |
| 2. Informar o/a paciente sempre de forma respeitosa |
| 3. Informar o/a paciente sempre de forma atenta |
| 4. Encorajar o/a paciente a colocar questões |
| 5. Ajudar o/a paciente a exprimir as suas preocupações |
| 6. Gerar sentimentos e emoções com vista a uma resposta eficiente |
| 7. Ajudar o/a paciente a enfrentar os problemas emocionais relacionados com o seu estado de saúde |
| 8. Confirmar que o/a paciente compreende |
| 9. Fazer o/a paciente sentir que tem tempo para ele/a durante a interação |
| 10. Dar apoio ao/à paciente (ex.: conversa de “cuidado” em vez de conversa de “cura”) para fazê-lo/a compreender por que é importante seguir os conselhos |
| 11. Saber ouvir o/a paciente |
| 12. Reconhecer e antecipar situações de eventual conflitualidade com o/a paciente |
| 13. Sentir-se sempre confiante para lidar com o/a paciente |
2 – CLAREZA
Quanto à clareza está evidenciado que é preciso que o profissional avalie também o seu desempenho em diversas perspetivas. A ver:
| CLAREZA RELACIONADA COM O ACESSO, USO E COMPREENSÃO Como avalia o seu desempenho? |
| 1. Estabelecer a relação com o/a paciente através de linguagem simples |
| 2. Estabelecer contato visual com o/a paciente |
| 3. Perceber as informações que são dadas pelo/a paciente, para lhe prestar alívio rápido |
| 4. Ajudar o/a paciente com linguagem simples a encontrar informação para lidar com comportamentos/problemas que afetam a sua saúde |
| 5. Conhecer o que fez e disse ao/à paciente em consultas anteriores |
| 6. Preparar o/a paciente sobre o que esperar dos cuidados de saúde |
| 7. Informar o/a paciente sobre o que quer saber, os seus sintomas e estado de saúde |
| 8. Explicar detalhadamente os medicamentos, tratamentos e exames |
| 9. Confirmar que o/a paciente compreende tudo para a sua própria segurança |
| 10. Usar frases curtas |
| 11. Demonstrar ao/à paciente como se faz (com gráficos, imagens, desenhos ou esquemas) |
| 12. Escrever as instruções para facilitar a memória do/a paciente |
| 13. Debater os próximos passos e planos de seguimento com o/a paciente |
3- POSITIVIDADE
Sobre a Positividade e o seu significado mais amplo, significa que a construção de uma relação positiva, mas também a utilização de uma linguagem positiva, orientada para a ação que se pretende que o paciente deseja, constroem relações e resultados mais positivos. Também já testada esta positividade, exige que o profissional possa ter o seguinte desempenho:
| SOBRE POSITIVIDADE RELACIONADA COM O ACESSO, USO E COMPREENSÃO Como avalia o seu desempenho? |
| 1. Cumprimentar o/a paciente e atender à sua e dele/a linguagem não verbal |
| 2. Deixar o/a paciente falar sem interrupções |
| 3. Ajudar o/a paciente a enfrentar os problemas emocionais relacionados com a saúde |
| 4. Contribuir para tornar positiva e construtiva a relação com o/a paciente |
| 5. Evitar o uso de palavras e frases negativas |
| 6. Usar a voz ativa (sujeito-predicado – complemento direto) |
| 7. Adotar a cortesia e dar carinho quando lida com o/a paciente |
| 8. Envolver o/a paciente na tomada de decisão |
| 9. Explicar situações de uma forma positiva ao/à paciente para que este/a se sinta suficientemente bem para desempenhar as suas tarefas diárias |
| 10. Ajudar o/a paciente a criar expetativas positivas |
| 11. Incentivar o/a paciente a colocar questões |
| 12. Incentivar o/a paciente a tomar decisões |
| 13. Mostrar ao/à paciente o comportamento positivo que tem de ter (por ex.: em vez de lhe dizer que “não pode molhar o braço”, diz: “tem de manter o seu braço seco para melhorar essa ferida”) |
A ESTRATÉGIA PEP
Um “hospital Positivo” deve ser avaliado sob uma perspetiva PEP – que significa, olhar para as Pessoas, para as Evidências e para o fluxo de Processos.
De uma forma muito sintética devem ser considerados os seguintes importantes fatores PEP.
Quanto às PESSOAS
| · Boa Comunicação (do topo para bases, e entre todos de forma transversal) · Usar em todas as circunstâncias uma Linguagem Assertiva, Clara e Positiva (Modelo ACP) · Escuta ativa e participativa para todos · Uso de Storytteling, uma boa narrativa ajuda muitas vezes a resolver problemas · Gestão participada · Ouvir o doente · Ouvir o profissional de saúde · Condições de acesso, compreensão e uso dos recursos facilitados · Acolhimento respeitoso e facilitador · Boas condições de permanência e incentivos (remuneração) . Adaptado aos vários segmentos do ciclo de vida |
Quanto às EVIDÊNCIAS
| . Espaços agradáveis e com natureza verde . Boa iluminação. Bom circuito do ar – segurança do ar, aromas . Bom circuito de deslocação nos espaços e em segurança . Mobiliário adequado e ergonómico . Espaços de lazer. Espaços de privacidade (salas para meditação, reflexão) . Limpeza e odores agradáveis |
Quanto aos PROCESSOS
| . Circuitos, formulários e processo fáceis de apreender, de preencher, de tomada de decisão . Interoperabilidade técnica, estrutural, semântica e organizacional . Bom sistema digital, acessível a todos que permita as consultas (respeitando a confidencialidade de dados) |
Uma visão humanista, agregada, que tem em conta os aspetos comunicacionais, a relação terapêutica de proximidade, o bem-estar de todos os intervenientes no processo desde o paciente, a família e o profissional, contribui de forma efetiva para um hospital mais positivo, integrado, próximo da população que serve, produzindo impactos positivos na satisfação dos pacientes, na adesão terapêutica e no autocuidado.
Referências
Burgoon, J.K., Guerrero, L.K., & Kory, F. (2016). (2016). Nonverbal Communication. New York: Routledge
Bruning, S.D, & Ledingham, J.A. (1998). Organization public relations and consumer satisfaction: the role of relationships in satisfaction mix. Communication Research Reports, 15(2), 198-208.
Heath, R. L. & Vasquez, G. M. (2001). Handbook of Public Relations. Thousand Oaks, CA: SAGE.
Ledingham, J. A. (2001). Government-community relationships: Extending the relational theory of public relations. Public Relations Review, 27(3), 285–295. doi: 10.1016/S0363-8111(01)00087-X
Ledingham, J. A. (2003). Explicating relationship management as a general theory of public relations. Journal of Public Relations Research. 15(2), 181-198.
Paterson, J. G., & Zderad, L. T. (1976). Humanistic nursing. New York: Wiley.
Pendleton, D., Schofield, T., Tate P., & Havelock, P. (2003). The new consultation. Developing doctor–patient communication. Oxford: Oxford University Press.
Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2021). Health professionals’ communication competences decide patients’ well-being: Proposal of a communication model. In A. Tkalac Verčič, R. Tench & S. Einwiller, Joy. Using strategic communication to improve well-being and organizational success. 12, (5), Bingley, UK: Emerald Publishing. Disponível em: https://books.emeraldinsight.com/page/detail/Joy/?k=9781800432413
Vaz de Almeida, C. Coelho, I.D., Martins, P. & Guarda, L. (2021). Saúde Digital em tempos de pandemia. Encontrar o sentido do espaço, comunicação e proximidade da saúde face-a-face, respeitando as diferenças. Lisboa: APPSP. Doi: 10.5281/zenodo.4522750 Disponível em: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6765680902740692992



