“A vacinação é mais do que uma escolha individual — é um compromisso silencioso com a saúde coletiva.”
— Santos, A. (2023), Ética da Saúde Pública Contemporânea.A pandemia de COVID-19 introduziu uma nova realidade na forma como os sistemas de saúde abordam as doenças respiratórias sazonais. Com o surgimento de novas variantes do vírus SARS-CoV-2 e a permanência anual da gripe, tornou-se evidente a necessidade de estratégias de saúde pública integradas, que não só respondam aos desafios sanitários, mas também garantam a proteção contínua das populações vulneráveis. Neste contexto, a coadministração das vacinas contra a gripe e a COVID-19 representa um avanço logístico e científico no combate às infeções respiratórias no inverno.
Em setembro de 2025, Portugal continental e a Região Autónoma da Madeira deram início a campanhas nacionais de vacinação sazonal que incluem a administração conjunta das vacinas contra a gripe e a COVID-19. Esta decisão segue as diretrizes da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e baseia-se em evidência científica sólida quanto à segurança e à eficácia da coadministração. Como demonstram os dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC, 2025), esta prática é recomendada especialmente para grupos de risco, como idosos, doentes crónicos, grávidas e profissionais de saúde.
O impacto positivo da vacinação combinada tem vindo a ser reportado por múltiplos estudos. Oliveira et al. (2024) demonstraram que a imunogenicidade das vacinas não é comprometida quando administradas simultaneamente, mantendo-se níveis de anticorpos neutralizantes adequados tanto para o vírus da gripe como para as variantes emergentes da COVID-19. Além disto, Fernandes (2024) sublinha que a atualização anual das vacinas contra o SARS-CoV-2 — como no caso da nova variante XBB.1.5 — é um fator decisivo na prevenção de surtos, sobretudo em ambientes comunitários e instituições de longa permanência.
No caso da Madeira, uma região insular com características epidemiológicas e demográficas específicas, a estratégia ganha contornos ainda mais relevantes. Como defende Sousa (2024), o isolamento geográfico e o envelhecimento demográfico tornam a população madeirense particularmente vulnerável a infeções respiratórias sazonais. A preparação adequada do sistema de saúde local, nomeadamente do SESARAM, passa necessariamente por campanhas de vacinação eficazes que evitem a sobrecarga hospitalar nos meses de inverno. O lançamento da campanha “Protege-te Este Inverno” surge, por isso, como uma resposta preventiva e estratégica, alinhada com os princípios da saúde pública moderna.
Contudo, o sucesso destas campanhas não depende apenas da existência e disponibilidade das vacinas. A adesão da população continua a ser um dos maiores desafios, e é aqui que os receios sociais e a desinformação desempenham um papel decisivo. Em estudo recente sobre hesitação vacinal em Portugal, Pereira et al. (2024) identificaram que cerca de 28% da população manifesta dúvidas quanto à segurança das vacinas, nomeadamente a da COVID-19. Tais dúvidas são alimentadas por desinformação disseminada nas redes sociais, por narrativas antivacinação e por um défice de literacia em saúde.
Mitos como “a vacina da gripe causa gripe” ou “quem já teve COVID-19 não precisa de vacinação” continuam a circular, apesar de amplamente desmentidos pela evidência científica. O ECDC (2025) destaca que desmentir ativamente estas ideias é tão importante quanto administrar as vacinas em si. Abrão et al. (2023), em investigação sobre perceções vacinais entre gestantes portuguesas, verificaram que o medo de efeitos secundários leves, como febre ou dor no local da injeção, muitas vezes impede a tomada de decisão informada. No entanto, os efeitos adversos relatados pela EMA e pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2023) são, na sua maioria, ligeiros e autolimitados.
Além dos aspetos clínicos, a vacinação combinada permite ganhos substanciais em termos logísticos e de eficiência dos serviços de saúde. Reduzem-se os contactos presenciais, otimiza-se a utilização de recursos humanos e aumentam-se as taxas de cobertura vacinal. Grandinho (2024), ao analisar a vacinação em Portugal, demonstrou que a possibilidade de coadministração num único ponto de acesso facilita a adesão por parte dos utentes, especialmente em zonas rurais ou geograficamente afastadas dos centros de saúde.
A relevância da vacinação sazonal ganha particular acuidade num cenário epidemiológico de possível coinfeção por vírus respiratórios. A coinfeção simultânea por gripe e COVID-19 pode ter consequências clínicas mais graves, incluindo maior probabilidade de hospitalização e complicações respiratórias severas, como alerta a OMS (WHO, 2024). Esta é uma das razões pelas quais a coadministração é defendida como medida de contenção epidemiológica e de proteção dos mais frágeis. A vacinação, neste sentido, assume-se como um ato preventivo, solidário e baseado em evidência.
A comunicação clara e assertiva por parte das entidades de saúde é fundamental. Como sugerem Sousa (2024) e Pereira et al. (2024), a mensagem de que vacinar é um ato de cuidado — não apenas consigo próprio, mas com os outros — deve ser central em todas as campanhas. A criação de laços de confiança entre profissionais de saúde e comunidade é essencial para reverter o impacto da desinformação e aumentar a literacia em saúde.
Importa ainda destacar que a União Europeia tem promovido uma política concertada em relação à vacinação. A EMA e o ECDC trabalham em articulação com os Estados-membros para garantir que as vacinas em circulação são seguras, eficazes e adaptadas às mutações virais em curso. O Plano Europeu de Preparação para o Inverno (ECDC, 2025) identifica a vacinação como a medida número um para evitar a sobrecarga dos sistemas de saúde e proteger os grupos de risco. Portugal, ao alinhar-se com estas diretrizes, reforça a sua posição como país proativo em matéria de saúde pública.
Apesar dos avanços científicos e das recomendações internacionais, a vacinação continua a ser, para muitos, uma escolha emocional. A confiança na ciência, nas instituições e nos profissionais de saúde é construída gradualmente, através de práticas transparentes, empatia no contacto com o utente e campanhas de comunicação adaptadas ao contexto local. O caso da Madeira, com a sua forte identidade comunitária e coesão social, pode servir de exemplo para outras regiões no desenvolvimento de estratégias vacinais bem-sucedidas.
A vacinação combinada contra a gripe e a COVID-19 deve ser vista como um investimento na resiliência do sistema de saúde, na proteção dos mais vulneráveis e na promoção de uma cultura de prevenção. Como afirmava a campanha lançada pelo SESARAM, “vacinar é um ato de cuidado: contigo e com os outros”. Este princípio deve orientar a política de saúde pública não apenas durante a atual campanha sazonal, mas como base permanente de um sistema de saúde centrado nas pessoas e na comunidade.
Concluindo, a vacinação sazonal combinada é uma prática segura, eficaz e necessária. A sua implementação em Portugal e na Madeira, alinhada com a evidência científica e com as recomendações da União Europeia, representa um avanço significativo na proteção da saúde pública. No entanto, o seu verdadeiro sucesso depende da capacidade de comunicar com clareza, combater a desinformação e reforçar a confiança da população. Só assim será possível garantir um inverno mais protegido e um sistema de saúde mais preparado.
Referências Bibliográficas
Abrão, F., Costa, M., & Silveira, A. (2023). Impacto da Influenza A H1N1 em gestantes e crianças em Portugal. Revista de Saúde Pública.
DGS — Direção-Geral da Saúde (2025). Norma n.º 002/2025 – Vacinação Sazonal contra Gripe e COVID-19.
ECDC — European Centre for Disease Prevention and Control (2025). Winter Preparedness Plan 2025.
EMA — European Medicines Agency (2024). Vaccines and Variants Report.
Fernandes, M. (2024). Circular sobre vacinação COVID-19 e gripe. Instituto de Saúde Pública do Alto Alentejo.Grandinho, A. M. D. (2024). Vacinação sazonal em farmácias comunitárias: impacto na adesão vacinal. Repositório UP.
Oliveira, P., Mendes, T., & Silva, R. (2024). Vacinação no doente diabético: segurança e eficácia. Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
Pereira, M. B., Duarte, L., & Simões, C. (2024). Movimentos antivacina e desinformação em Portugal. Estudos de Comunicação em Saúde.
Sousa, M. (2024). Impacto do VSR e COVID-19 nos hospitais portugueses. Revista SALUS.
WHO — World Health Organization (2023). COVID-19 and Influenza Vaccine Co-Administration Guidelines.
WHO — World Health Organization (2024). Seasonal Influenza and COVID-19 Vaccination Safety Guidelines.



