No documento anterior falámos da perspectiva humana, aquela aparência que representa o aspecto de algo que percebemos (através dos sentidos, essas janelas de intercâmbio com o mundo) por razão da impressão que este algo nos causou. Chamei de perspectiva a esse processo de elaboração da realidade que nos acontece e acontece em nós, na verdade uma re-edição, posto que o trabalho primeiro do cérebro é reescrever a realidade, preenchendo as lacunas para além da percepção, processo complexo e não perfeitamente conhecido. No entanto posto que a Neuro-ciência já constatou que a percepção é totalmente diversa da consciência, não poderia ter chamado percepção a este processo de elaboração da ‘realidade’, muito menos de conscientização, uma vez que o processo se vale de informações invisíveis, da ação do inconsciente, do espectro das intuições, para completar a imagem que deseja formar (em seu todo, como deseja e crê o cérebro que seja) o que talvez não seja alcançável. E as memórias afinal fazem nossa identidade. Estranho, não é?
Lá, no documento anterior, falamos dos principais limites da realidade, ou da existência desta, posto que supostamente existiremos, ou existimos, na dita realidade (no sentido de mundo real) foi onde então analisamos as circunstâncias de sua génese, e suas ações limitativas. Outrossim ao basearmos as percepções nas impressões que nos chegam, e só nessa as podemos basear, demos como certo que essas, esses sinais que nos atingem, essas marcas que permanecem em nós, são algo estabelecido, são um absoluto, e no entanto são relativas, dependentes, múltiplas e não únicas como as pretendemos, e cheias de restrições e limites como lá já tivemos oportunidade de comentar.
PORTANTO: O que é impressão?
É a sensação, a influência exterior ao organismo, e todo organismo vivo é sensorial, portanto aí está estabelecida a plataforma de diálogo, e não há outra, ou há? (Deixemos isto para depois.) Recebida portanto a informação sensorial, ou seja aquilo que nos chega da ‘realidade’, o cérebro a operacionaliza de vários modos, logo: O CÉREBRO OPERACIONALIZA A REALIDADE. O que nos permitira concluir que faz escolhas para que tudo funcione. Assim, por exemplo, aquilo que dizemos em baixa frequência entende-se como uma coisa, e o mesmo que dissermos em alta frequência, como outra coisa, outras letras, outras palavras. Com isso sabemos que o cérebro, essa caixa fechada, voltado sobre si mesmo, calibra as percepções, e o faz com intenção, o que significa que não é isento. E como pode um avaliador, um juiz, um articulador, ou um interprete que não seja isento, alcançar uma avaliação, um julgamento, uma articulação, uma interpretação verdadeira? Não pode. O que nos leva a concluir que vivemos mergulhados em mentiras, não será essa a conclusão, porque para haver uma mentira nesse sentido, por oposição deveria haver uma verdade, e não podemos concluir que seja assim. Porém podemos concluir, como fizeram os hindus e budistas há milhares de anos: “Esse é o mundo de ilusão.” Esse em que supostamente vivemos.
Para nos proteger.
Os cérebros em seu sistema límbico, agem desta maneira para nos proteger, que impõe-se ao neo-cortex (1), porque uma má interpretação pode ser fatal; por isso o cérebro usa sempre as escolhas que operacionaliza, aquelas com intenção, e no caso a sua única intenção é nos proteger. Faz suas avaliações no sentido da eficiência, calibrando suas percepções no intuito de que a reação ao percebido seja sempre em nossa defesa, e lhe é impossível que possa admitir outra forma. E pôs terminais nervosos por toda parte para estarmos sempre a receber informação sobre o que acontece, e ademais construiu essa peta a que chamamos dor (Voltaremos a isso, uma vez que a dor não existe.), tudo com o único fito de nos proteger.
As sensações articulam as emoções.
Como os três cérebros estão inter-relacionados, acreditamos que as respostas sejam todas articuladas e expostas no neo-cortex. No entanto há funções específicas que se autonomizaram durante a evolução, e se impõem como resposta impositiva naquilo que seja prioritário; desta maneira uma resposta emocional é infinitamente mais importante que qualquer resposta racional. Mas como tudo parte das sensações, que deflagram todo o entendimento, salvo quando a consciência se articula sobre si mesma, valendo-se de memórias e “medições” estabelecidas com o intuito de avaliar aquilo a que chamamos pensamento em seus muitos desdobramentos. E como as sensações articulam as emoções, somos seres emocionais e pensamos com as emoções no comando. No entanto como vamos estabelecendo conclusões e sinapses — atalhos — necessitamos enfeixar essas conclusões numa significação, numa designação geral, numa indicação, na nomeação a que chamamos palavra.
(1) O que significa que antes de mais somos animais. Por isso o cérebro reptiliano vem pronto, com seus milhões de anos de sabedoria, sendo o primeiro a se desenvolver no feto, que vêm a luz com ele pronto, e o límbico, o dos mamíferos, é o que irá impor as suas decisões emocionais.