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Neurociência e comportamento: o impacto da ausência de leitura para o cérebro humano

Neurociência e comportamento: o impacto da ausência de leitura para o cérebro humano

Neurociência e comportamento: o impacto da ausência de leitura para o cérebro humano

Pesquisas recentes comprovam que cada vez mais as pessoas estão optando por leituras rápidas e superficiais, em detrimento das leituras mais profundas e concentradas como livros e demais documentos no modo físico ou digital. Segundo levantamento do Centro de Pesquisas em Educação, Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)[1] publicado em dezembro de 2023, no Brasil, 66% dos estudantes de 15 e 16 anos não leem textos com mais de dez páginas. Na mesma direção, uma pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL)[2] mostra que cerca de 84% da população brasileira acima de 18 anos não comprou nenhum livro durante todo o ano de 2023. O Instituto Pró-Livro (IPL)[3], em 2019, já comprovava esse declínio da leitura de livros, jornais e revistas.

Imagem da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil — Tempo livre — realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), Itaú Cultural e IBOPE Inteligência.

O tempo despendido na leitura de textos rápidos e menos profundos, apresenta ao cérebro humano uma nova forma de decodificar rapidamente as informações superficiais de um texto e deixa na obscuridade a necessidade de aprofundamento e reflexão sobre o conteúdo da mensagem escrita. Essa forma acelerada de leitura faz surgir um novo perfil de comportamento humano, onde funções cerebrais como a memória, atenção e foco podem sofrer impactos consideráveis.

A pesquisadora sênior do Lincoln College e da Universidade de Oxford, Susan Greenfield, em 2021 já alertava para os perigos dessa nova forma de enxergar o mundo, que na maioria das vezes ocorre através das telas eletrônicas. Segundo Susan “o cérebro humano se adapta ao ambiente, o ambiente está mudando de uma forma sem precedentes e, portanto, o cérebro também pode estar mudando de uma forma sem precedentes” (GREENFIELD, 2021, p. XV)[4]. É urgente refletir sobre as consequências dessa mudança.

A leitura para o cérebro

O cérebro humano é formado por uma massa encefálica composta, entre outras substâncias, de células nervosas que se conectam o tempo todo, de acordo com os estímulos internos e externos. Cada vez que um estímulo chega ao sistema nervoso central, tem início uma procura imediata de informações apreendidas anteriormente que possam se relacionar com a informação nova e dar um sentido ao novo conhecimento, formando um conectoma, um circuito novo ou ampliado por informações recentes. Há uma necessidade cerebral constante em estabelecer relações com o que vemos, ouvimos, lemos, observamos ou simplesmente vivenciamos, na tentativa de identificar se a aprendizagem nova poderá ser útil ou não para a sobrevivência na terra. É preciso ter algum sentido.

A linguagem escrita representa uma importante fonte de informação e expressão da espécie humana. Ela é uma aquisição cultural recente (cerca de 4 a 5 mil anos) e é aprendida durante a vida enquanto produto e identidade de um povo. A leitura fortalece o cérebro, enquanto identificamos as letras, sílabas, palavras e frases, o nosso sistema visual treina a fixação do olhar, posicionando os símbolos da escrita no centro da retina, que é capaz de distinguir os pequenos detalhes de diferenciação entre as letras. Em seguida, a informação observada é codificada em impulsos nervosos e segue por canais específicos até o córtex cerebral. Todo esse processo exige, atenção, foco, memória e conexões neurais profundas. Quanto mais intensa e reflexiva for a leitura, mais possiblidade de desenvolvimento cerebral e aquisição de repertório cognitivo é possível.

A retina é a camada fina de tecido nervoso que transforma a luz em estímulo e o envia ao cérebro, formando assim, a imagem que vemos.

Será preciso ainda focalizar a atenção na ação de ler, inibindo outros comportamentos que não sejam os envolvidos na leitura, mover as mãos para virar as páginas de livros e textos físicos ou mover o olhar no caso digital e consultar a memória operacional[5] durante todo o tempo de leitura, para garantir a continuidade do fluxo de raciocínio e sequência do texto. A memória declarativa[6] também é acionada, associando dados novos com os antigos para compreender o que se lê e memorizar o que se está lendo, além é claro da emoção envolvida na narrativa.

Estudos comparativos entre leitores e não leitores mostram que uma pessoa não leitora frequente de textos com média a grande intensidade, apresenta maior dificuldade de aprendizagem, menor capacidade em funções como memória, planejamento, controle inibitório, criatividade e metacognição. Estes cérebros estariam sujeitos a índices menores de potência cognitiva, por não usarem a capacidade mental leitora de forma sistemática.

Leitura para o cérebro é algo que se aprende com o uso e treino, é um hábito, quanto mais se lê mais vocabulário se adquire, mais possibilidades de conexões neurais se obtém e mais se acelera a capacidade do próprio pensamento, que de certa forma, pode ser entendido como “inteligência”.

Com a chegada da leitura rápida e superficial exposta nas redes sociais e em diversas mídias eletrônicas do mesmo tipo, o cérebro passa a ter estímulos reducionistas, com demandas reflexivas empobrecidas e por vezes, de assuntos selecionados cuidadosamente por algoritmos[7] que visam apenas “agradar” o leitor, com temáticas de seu interesse pessoal, impedindo o contato cerebral com o contraditório e a reflexão mental resultante desse movimento. Partindo do princípio de que qualquer situação que altere o cérebro altera também a forma de ser de uma pessoa, podemos concluir que modos reducionistas de leitura também possam alterar o comportamento de indivíduos.

Mentiras sustentadas como verdades

Cérebros de conexões neurais amplas, com repertório cognitivo composto por memórias construídas através de leituras diversas, vivências e reflexões profundas, podem ser menos afetados por notícias falsas divulgadas pelas redes sociais ou qualquer outro meio instantâneo de informações digitais, pois terão maior repertório mental para tecerem comparações entre as ideias do texto e a história recente, ou perceberão que algo da notícia não está correto por entenderem o contexto da situação explorada, ou ainda, serão capazes de pesquisar sobre o conteúdo da notícia em fontes mais confiáveis.

Quando o assunto é “pesquisar” tudo fica ainda mais complicado, as pesquisas no Google ou em outros buscadores do mesmo tipo se destacam entre os usuários da internet e reduzem os conteúdos pesquisados em meros informativos rápidos e sem profundidade. Saber formular uma pergunta é outro problema típico de cérebros pouco acostumados a leituras robustas, são tantas as variáveis lançadas no buscador que as respostas retornam das mais alternadas formas, menos no caminho da intenção original de quem buscou. Logo a pessoa desiste e se distrai com outra notícia diferente.

Quando o buscador de informação é apenas a própria rede social, a situação se agrava. Em uma olhada rápida nesse novo meio de comunicação é possível identificar de tudo. Achismos se misturam com temas científicos, discursos ideológicos raivosos se contrastam com frases de efeito emocional, enquanto soluções mágicas são lançadas. Quem não souber formular boas perguntas ou direcionar sua busca para locais de credibilidade comprovada, estará entregue aos mais variados temas e abordagens por vezes duvidosas.

Em tempos de inteligência artificial (IA) e redes sociais, nunca foi tão importante ler bons livros, bons artigos e saber diferenciar a imprensa séria daquela que vive apenas de likes. Vivemos em um mundo tão bombardeado por notícias falsas, informações instantâneas e verdades absolutas, que passamos a ter dó daquele que não lê.

Palavras-chave: Neurociência. Cérebro. Memória. Leitura. Comportamento humano.


[1] Disponível em: https://www.portaliede.com.br/o-tempo-avancar-na-leitura-e-na-cidadania/ — Acesso em 10/06/2024.

[2] Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2023/12/07/84percent-da-populacao-adulta-do-brasil-nao-comprou-nenhum-livro-no-ultimo-ano-aponta-pesquisa.ghtml — Acesso em 10/06/2024.

[3] Disponível em: https://saberesepraticas.cenpec.org.br/tematicas/retratos-da-leitura-no-brasil-por-que-estamos-perdendo-leitores — Acesso em 10/06/2024.

[4] GREENFIELD, Susan. Transformações Mentais: como as tecnologias digitais estão deixando marcas em nossos cérebros; traduzido por Rafael Surgek. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021.

[5] A memória operacional é um dos componentes das funções executivas que tem como papel armazenar e manipular a informação durante um período.

[6] Refere-se à recordação consciente do passado e de um conjunto de informações como conceitos, pessoas, lugares, acontecimentos.

[7] Leia mais em: https://robertabocchi.com.br/realidade-paralela-sera-que-a-sua-vida-esta-sendo-comandada-por-algoritmos/ — Acesso em 11/06/2024.

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Uma resposta

  1. Importante reflexão. Há uma poderosa indústria do clique destinada a enterrar tudo o que despende tempo e energia. As leituras profundas, sobretudo em papel, que desenvolvem o cognitivo, estão super na mira.

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