O panorama empreendedor atual é dominado pela busca dos “unicórnios” — startups avaliadas em mais de mil milhões de euros. Embora estes raros casos de sucesso simbolizem inovação e escalabilidade, a obsessão pelo estatuto de unicórnio frequentemente ofusca qualidades fundamentais como a resiliência, a adaptabilidade e a capacidade de aprender com os erros. Neste artigo, argumentamos que mudar o foco dos unicórnios para o metafórico “sapo” — resiliente e persistente — pode redefinir o sucesso no empreendedorismo. Abraçar a tentativa e erro, valorizar pequenas conquistas e construir negócios sustentáveis, peça a peça, não é apenas uma abordagem prática, mas uma evolução necessária para alcançar um impacto a longo prazo.
A Obsessão pelos Unicórnios e as Suas Consequências
O termo “unicórnio”, criado pela investidora de risco Aileen Lee em 2013, representa a raridade de startups que alcançam avaliações bilionárias. Em novembro de 2024, existiam 1.422 unicórnios ativos a nível global (PitchBook, 2024). A busca pelo estatuto de unicórnio tornou-se sinónimo de sucesso empreendedor, promovendo uma competição intensa e um foco no crescimento rápido. Contudo, esta ênfase frequentemente negligencia o processo paciente e iterativo de construir negócios resilientes.
Esta obsessão levou muitos empreendedores a priorizar métricas como avaliação de mercado e rondas de investimento, em detrimento da sustentabilidade e do ajustamento ao mercado. No entanto, a realidade é clara: cerca de 90% das startups falham, sendo que 10% não sobrevivem ao primeiro ano e 70% encerram entre o segundo e o quinto ano (CB Insights, 2024). Estes números destacam a necessidade crítica de abraçar o fracasso como parte integrante do processo empreendedor e de valorizar a resiliência acima da perfeição.
Resiliência e o Poder da Tentativa e Erro
A jornada empreendedora é, por natureza, imprevisível. A resiliência — capacidade de se adaptar, recuperar e crescer perante adversidades — é uma característica fundamental dos empreendedores bem-sucedidos. Esta capacidade não é apenas um atributo pessoal, mas também um processo estratégico que permite enfrentar incertezas e transformar desafios em oportunidades. Como Reid Hoffman, fundador do LinkedIn, observou: ”Empreender é como atirar-se de um penhasco e montar um avião enquanto cai.” Esta metáfora ilustra a essência iterativa do empreendedorismo, onde a tentativa e erro não são apenas inevitáveis, mas indispensáveis para a inovação.
Cada falha oferece lições inestimáveis, funcionando como um laboratório de aprendizagem. Esses momentos de insucesso revelam não apenas o que não funciona, mas também proporcionam insights valiosos sobre o que pode ser refinado e melhorado. Thomas Edison capturou brilhantemente essa mentalidade ao dizer: ”Eu não falhei; apenas descobri 10 mil maneiras que não funcionam.” Essa perspetiva não apenas desmistifica o fracasso, mas também sublinha sua importância como um trampolim para o progresso.
”Aprendemos mais sabedoria com o fracasso do que com o sucesso. Muitas vezes descobrimos o que funciona ao perceber o que não funciona; e provavelmente aquele que nunca cometeu um erro nunca fez uma descoberta.” — Samuel Smiles (citado por Dana et al., 2021).
Este conceito de aprender com os erros encontra um poderoso exemplo na indústria da aviação, hoje uma das mais seguras do mundo. Essa segurança não foi conquistada pela ausência de falhas, mas pelo compromisso de investigar, documentar e formar continuamente, de modo a evitar a repetição de incidentes no futuro. Cada acidente ou incidente aéreo é tratado como uma oportunidade de aprendizagem. Ao invés de encarar os erros como o encerramento de um ciclo, a aviação transformou-os em passos essenciais para aumentar a capacidade, a dimensão e a performance, melhorando constantemente os seus padrões de segurança. Este modelo de resiliência é uma lição inestimável para os empreendedores: o erro não é um ponto final, mas o início de um processo de aperfeiçoamento.
Até Jeff Bezos, CEO da Amazon e uma das pessoas mais bem-sucedidas do mundo, reconhece o papel central das falhas no crescimento e na inovação da sua empresa. Já na sua Carta Anual aos Acionistas de 1997, Bezos mencionava:
”Nove em cada dez vezes, você vai falhar. Mas de vez em quando, você vai acertar em cheio, o que, em termos de negócios, equivale a mil corridas.”
Esta mentalidade de aceitar o fracasso como parte inevitável do sucesso reflete o compromisso da Amazon em assumir riscos calculados para alcançar resultados extraordinários. Esta filosofia foi reforçada na Carta Anual de 2015, onde Bezos afirmou:
”Falhas e invenções são gémeos inseparáveis. Para inventar, é preciso experimentar, e se souber de antemão que vai funcionar, não é uma experiência.”
Estas declarações demonstram como o fracasso, em vez de ser evitado, deve ser encarado como uma etapa essencial no caminho da inovação. Bezos posiciona o erro não como um obstáculo, mas como um catalisador para o progresso.
No contexto do empreendedorismo, essa abordagem permite que os contratempos se transformem em oportunidades de crescimento, fomentando a construção de negócios mais fortes, resilientes e sustentáveis. Este ciclo de experimentar, errar, aprender e ajustar é o que alimenta a inovação. Tal como na aviação ou na estratégia de Bezos, os empreendedores bem-sucedidos compreendem que cada tentativa infrutífera traz um passo mais próximo de uma solução viável e impactante. A resiliência, portanto, não é apenas a capacidade de suportar o fracasso, mas de utilizá-lo como combustível para a evolução contínua.
Pequenos Sucessos: Blocos de Construção para o Futuro
Numa cultura que celebra o sucesso meteórico, as pequenas vitórias frequentemente passam despercebidas, mas são estas conquistas incrementais que constituem a base para os grandes êxitos. Estas pequenas realizações, muitas vezes subestimadas, são os alicerces fundamentais de um crescimento sustentável e sólido.
Cada marco menor — seja a conquista de alguns clientes fiéis, o aperfeiçoamento de um produto, ou a resolução de um desafio logístico — não é apenas um avanço isolado, mas uma contribuição para a visão global de uma startup. Estas conquistas representam passos concretos em direção a objetivos maiores, transformando esforços diários em resultados cumulativos que fortalecem a estrutura do negócio.
”As decisões de persistência ou saída de empreendedores, sejam eles sociais ou comerciais, são moldadas mais pela natureza do empreendimento e os estímulos situacionais do que pelas motivações intrínsecas, destacando a importância de contextos adaptativos e da resiliência para enfrentar adversidades” (Muñoz, Cacciotti & Ucbasaran, 2020, p. 7).
No entanto, é essencial considerar que o empreendedorismo, tal como descrito por Darwin no contexto da evolução, é um processo contínuo de seleção natural. Neste cenário, os sucessos de hoje são, muitas vezes, o resultado de aprendizagens e erros acumulados ao longo do tempo — não apenas os próprios, mas também os de outros (Darwin, 1859).Assim como na evolução biológica, onde adaptações bem-sucedidas emergem da experimentação e da eliminação do que não funciona, no empreendedorismo, os produtos e modelos de negócio que perduram são aqueles que sobrevivem a este processo de seleção natural.
Um exemplo notável é o Post-it da 3M, um produto que nasceu de um erro. A cola criada para o projeto foi considerada inicialmente um fracasso porque não tinha a aderência desejada. Contudo, essa característica ”imperfeita” foi transformada numa solução criativa para criar notas adesivas reutilizáveis. Este caso demonstra como as falhas, quando reinterpretadas, podem gerar inovações que atendem a necessidades até então desconhecidas.
Startups que abraçam esta abordagem Darwiniana focam-se nas necessidades dos clientes, na adaptabilidade e no crescimento progressivo, em vez de perseguirem metas inalcançáveis ou sucumbirem à pressão de se tornarem “unicórnios”. Cada passo em falso é visto como uma oportunidade para aprender, ajustar e iterar. As ideias que sobrevivem a este ciclo de experimentação e erro são aquelas que melhor se adaptam às exigências do mercado e que conseguem resistir à pressão competitiva.
Distinguir-se como um resiliente “sapo” em vez de perseguir o brilho efémero dos unicórnios é, assim, uma escolha estratégica. Trata-se de valorizar o progresso gradual e sustentável, que, embora menos glamoroso, oferece uma resiliência genuína. Neste processo, os sucessos acumulados são como genes bem adaptados, construídos sobre o aprendizagem coletiva e as experiências que, ao longo do tempo, moldam o futuro do empreendedorismo.
A Mentalidade do Sapo: Um Regresso ao Empreendedorismo Autêntico
Mudar da mentalidade simboliza um regresso aos valores fundamentais do empreendedorismo: resiliência, adaptabilidade e perseverança. O sapo não se define pela ilusão da perfeição, mas pela sua capacidade de sobreviver, adaptar-se e prosperar em ambientes desafiadores. Empreendedores com esta mentalidade não se deixam desencorajar pelo fracasso; pelo contrário, encaram-no como um trampolim para o sucesso.
Startups que aceitam este processo não só constroem bases mais fortes, como também ajudam a criar uma economia mais robusta e inovadora. Um exemplo ilustrativo desta abordagem é o de um funcionário que cometeu um erro que custou milhões à empresa. Ao oferecer a sua demissão, o empregador respondeu: ”Acabei de gastar dinheiro na tua formação; por isso, agora avança.” Este incidente sublinha a importância de ver os erros como oportunidades de aprendizagem e crescimento, em vez de motivos para punição ou desistência.
O Regresso ao Laboratório: Experimentação e Inovação como Pilar do Sucesso
O regresso ao laboratório, onde a experimentação é livre e o erro é encarado como uma oportunidade de aprendizagem, é fundamental para um empreendedorismo verdadeiramente inovador. Este ambiente de criação, onde múltiplos caminhos são explorados simultaneamente, requer, no entanto, um plano bem definido. Não se trata de agir ao acaso, mas de permitir que a curiosidade e a descoberta sejam guiadas por uma estrutura estratégica, ainda que flexível.
Esta jornada pode ser conduzida com ou sem tecnologia, com ou sem suporte externo. É um caminho árduo que poucos empreendedores estão dispostos a trilhar. Implica ”ficar com as mãos sujas de óleo” — envolver-se profundamente no processo, enfrentar os detalhes práticos, ajustar incessantemente as engrenagens do negócio. Requer também a habilidade de ”acertar ao milésimo de segundo”, refinando e otimizando até os menores detalhes, sem perder de vista o objetivo maior.
”Sê a pessoa que ainda tenta. Após o fracasso, após a frustração, após a desilusão, após o esgotamento, após a dor. Sê a pessoa que reúne coragem para acreditar que uma nova tentativa pode gerar um novo resultado” (Cacciotti et al., 2016, p. 305).
Este tipo de empreendedorismo reconhece que o trilho principal nem sempre é o único caminho para o topo da montanha. Estabelecer trilhos alternativos não significa desistir da meta, mas explorar novas rotas, adaptando-se e aproveitando o desafio. Pode ser que esses caminhos diferentes levem a soluções mais criativas, mais sustentáveis ou simplesmente mais prazerosas. E aqui reside uma lição poderosa: a montanha é importante, mas a verdadeira relevância está no processo de descobrir como lá chegar.
Casos Reais: Aprender com os Erros e Inovar
O fracasso é muitas vezes percebido como um obstáculo intransponível, mas algumas das empresas mais bem-sucedidas da história mostram que ele pode ser um catalisador para a inovação e o crescimento. Abaixo, analisamos quatro casos emblemáticos de erros transformados em lições que redefiniram o rumo das empresas.
Um dos exemplos mais conhecidos é o caso da Coca-Cola e o lançamento da New Coke em 1985. A marca decidiu alterar a fórmula do seu refrigerante clássico para competir com a Pepsi, mas enfrentou uma reação massivamente negativa dos consumidores, que rejeitaram o novo sabor. Em resposta, a Coca-Cola rapidamente relançou a fórmula original sob o nome Coca-Cola Classic, recuperando a sua posição no mercado. Este episódio demonstrou a importância de compreender a ligação emocional dos consumidores com os produtos e destacou o valor das decisões orientadas pelo público.
Outro caso icónico é o da Apple com o lançamento do Newton MessagePad em 1993. Este dispositivo, um dos primeiros assistentes pessoais digitais, enfrentou falhas técnicas como dificuldades no reconhecimento de escrita e um custo elevado. Apesar do fracasso comercial, o Newton foi uma experiência valiosa para a empresa, que reutilizou as lições aprendidas no design de interfaces e no desenvolvimento de produtos futuros, culminando no sucesso do iPhone e do iPad.
A Netflix também aprendeu com os seus erros quando, em 2011, tentou separar os seus serviços de streaming e de DVDs em duas empresas distintas. A mudança gerou confusão e uma reacção negativa dos clientes, levando à perda de assinantes e a uma queda acentuada no valor das suas ações. No entanto, a Netflix rapidamente reconheceu o erro, abandonou a ideia de separação e redobrou os seus esforços no crescimento da plataforma de streaming. Este ajustamento estratégico permitiu que a empresa liderasse a indústria de entretenimento digital e se tornasse sinónimo de conteúdo por streaming.
Por fim, a SpaceX exemplifica o poder de transformar falhas em inovação no setor tecnológico. Durante os seus primeiros anos, a empresa enfrentou uma série de lançamentos falhados, incluindo três tentativas do Falcon 1 entre 2006 e 2008. Essas falhas colocaram a empresa à beira da falência, mas cada erro foi utilizado como uma oportunidade de aprendizagem. Em 2008, o Falcon 1 tornou-se o primeiro foguete privado a alcançar a órbita terrestre. Esta resiliência levou a SpaceX a revolucionar o setor espacial com foguetes reutilizáveis e a redefinir as expectativas de acessibilidade e eficiência no mercado aeroespacial.
Estudos mostram que fomentar uma cultura de experimentação e abraçar o fracasso melhora a inovação e o desempenho a longo prazo (Harvard Business Review, 2023). Startups que aceitam este processo não só constroem bases mais fortes, como também contribuem para uma economia mais robusta e inovadora.
Adotar esta mentalidade, permite que os empreendedores e as empresas se concentrem no verdadeiro valor da jornada. Afinal, o empreendedorismo não é apenas sobre chegar ao destino, mas sobre as descobertas feitas ao longo do caminho. Cada erro, cada ajuste e cada pequena vitória somam-se para criar negócios mais resilientes, inovadores e preparados para o futuro.
Conclusão
A busca incessante pelo estatuto de unicórnio tem obscurecido a verdadeira essência do empreendedorismo: resiliência, aprendizagem e crescimento sustentável. Ao adotar a mentalidade do sapo, os empreendedores podem redefinir o sucesso — não como uma avaliação inalcançável, mas como a capacidade de se adaptar, perseverar e aprender em cada etapa da jornada. O ecossistema empreendedor deve celebrar estas qualidades, promovendo uma cultura onde o fracasso é um degrau e as pequenas vitórias são reconhecidas como os blocos de construção dos grandes feitos.
Referências
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