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Um caminho perigoso na internet: o declínio da vida privada

Um caminho perigoso na internet: o declínio da vida privada

Estudar sociabilidades pela internet é interessante porque você pensa até que ponto a tecnologia muda a nossa percepção entre o que é de dimensão pública e aquilo que é de esfera íntima. Nesse momento é importante entender o que escreveu o grande sociólogo Richard Sennett. Em seu livro “O declínio do homem público: as tiranias da intimidade”, escrito em 1974, ele trata sobre as ‘tiranias da intimidade’ os perigos de uma confusão entre vida pública e vida privada. Isso não é novo. Já no século XVIII, em particular, se iniciam essas transformações onde os assuntos íntimos são levados a público. O declínio da vida pública está relacionado a uma obsessão das pessoas em detrimento das relações sociais mais impessoais, ou seja, há uma importância em demasia com as emoções particulares.

Esse novo tipo de sociedade acaba encorajando o crescimento do narcisismo, por exemplo,  onde se anula o senso de contato social fora dos limites do ‘eu’ em público. Sennett trata a vida pública como um teatro onde é necessário expressividade nas ações. Assim diz o autor, “no teatro, há uma correlação entre a crença na persona do ator e a crença em convenções. A peça, a representação e o desempenho exigem crença nas convenções para serem expressivos. A própria convenção é um instrumento da vida pública. Mas, numa época na qual as relações íntimas determinam aquilo que será crível, convenções, artifícios e regras surgem apenas para impedir que uma pessoa se revele a outra; são obstáculos à expressão íntima. À medida que o desequilíbrio entre vida pública e vida íntima foi aumentado, as pessoas tornaram-se menos expressivas”

A perda do vigor da vida pública e intensificação das práticas sociais mais íntimas têm um efeito profundo na capacidade da sociedade de produzir símbolos que não são rotineiramente atrelados ao ‘eu’. Portanto, na sociedade intimista os atores são mais importantes do que as ações, ou seja, o que é mais relevante não diz respeito ao que a pessoa fez, mas, como se sente a respeito do feito. O autor ainda observa uma mudança na relação com a realidade, pois essa realidade só interessa quando, de alguma forma, prenuncia espelhar necessidades íntimas.

O indivíduo nas sociabilidades em rede, geralmente, reflete uma projeção de si e dos outros. Isso, essencialmente, pode acarretar uma série de comportamentos que proporcionam a construção das relações sociais em torno de interesses comuns, deixando de lado o comportamento de uma vida pública, o que Sennett chamou de “comunidades destrutivas”. Claro que o autor não se refere às sociabilidades em rede, mas é perfeita­mente possível aplicar esse conceito na forma de percepção da realidade e o interesse por uma vida pública.

A possibilidade de “ver” e ter “visibilidade” pelas redes sociais digitais amplia significativamente comportamentos de diferenciação social e de referência. Assim como o culto ao corpo e o desenvolvimento de práticas narcísicas, a sociedade de consumo, por exemplo, busca, incessantemente, estratégias para vender padrões de satisfação. O sociólogo e filósofo francês, Jean Baudrillard, traz uma discussão sobre o mito da felicidade e igualdade na sociedade contemporânea que acaba adquirindo uma característica particular ao ter que se tornar mensurável. Dessa forma, a felicidade e o bem-estar são dimensionados pelos signos e objetos que possam ser vistos. Mesmo sendo uma necessidade individual, a felicidade fundamenta-se em propósitos visíveis. Portanto, ela precisa ser mostrada, compartilhada e, acima de tudo, ter uma importância maior do que assuntos de dimensões públicas.

Então devemos culpar a internet por essa potencialização da exposição da vida privada e o desinteresse por aquilo que é público em sua essência? Não…. longe disso. Ela só potencializou àquela distância segura que é nata da nossa (des) humanidade.

Referências

BAUDRILLARD, Jean.  Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio D’água, 1991.

SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1974.

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