Nas últimas décadas, a cultura e a criatividade têm vindo a assumir um papel cada vez mais importante no sector do turismo. De acordo com o estudo Tourism and Culture Synergies, desenvolvido pela Organização Mundial do Turismo em 2018, a cultura constitui uma das principais motivações de visita a um destino turístico. Dados deste estudo demonstram que a visita de 47% dos turistas é impulsionada por motivações culturais (UNWTO, 2018).
No âmbito do turismo cultural, um nicho que tem vindo a crescer significativamente desde o início do século XXI é o turismo literário, que apresenta um número cada vez maior de produtos oferecidos a nível mundial (Quinteiro et al., 2021).
Butler (2000) define o turismo literário como a forma de turismo cuja motivação principal de visita é o interesse do visitante pela literatura (Quinteiro et al., 2020). Demir et al. (2022) acrescentam que o turismo literário está associado à visita a lugares que estão de alguma forma ligados a um(a) autor(a), quer seja o seu local de nascimento, a sua residência ou até mesmo a sua sepultura, bem como lugares relacionados com o cenário descrito pelas suas obras literárias. Como tal, a oferta do turismo literário inclui visitas às casas dos autores e aos locais citados no texto literário, passeios literários, festivais literários, estadias em hotéis literários, dormidas em bibliotecas famosas, participação em jantares literários, palestras e sessões de leitura, visita a cidades literárias e contemplação da encenação de textos literários (Quinteiro et al., 2020).
É através deste nicho de turismo que o turista parte em busca dos lugares recriados pela ficção e experiencia as emoções despoletadas pela leitura. Nesta medida, o turismo literário está intrinsecamente ligado a sentimento e emoções (Charapan, 2016; Jiang & Lu, 2020, in Quinteiro et al., 2021; Cunha, 2001, in Sardo, 2008; Demir et al., 2022). Como tal, Demir et al. (2022) alertam para a necessidade de ser desenvolvida mais investigação que incida sobre a relação entre o poder emotivo de um texto e o seu conteúdo, uma vez que os elos emocionais criados com potenciais visitantes são essenciais para a comunicação do destino (Demir et al., 2022).
Contudo, não é apenas neste âmbito que o turismo literário carece de uma investigação mais aprofundada, já que é ainda um campo pouco explorado (Quinteiro et al., 2021). Weiss (2021) reforça que poucos investigadores tentaram criar uma ligação entre turismo e literatura, com exceção de Walter Benjamin e Ronald Barthes. Só assim, por via de mais investigação, é que este nicho de turismo poderá desenvolver-se de forma sustentável, uma vez que requer uma estruturação dos recursos e da oferta (Quinteiro et al., 2021).
A título de exemplo, o Reino Unido é um destino com uma promoção eficaz do turismo literário, oferecendo rotas e eventos específicos em homenagem aos autores locais e às suas obras (Salvador & Baptista, 2011, in Vázquez & Araújo, 2018). Importa referir que Edimburgo foi a primeira cidade do mundo a se tornar Cidade da Literatura da UNESCO, que reconheceu em 2004 a sua herança literária (Vázquez & Araújo, 2018).
Pensemos no caso de Stratford-upon-Avon, uma cidade com apenas 25 mil habitantes, que atrai quase cinco milhões de turistas todos os anos, não fosse este o local de nascimento de William Shakespeare (Demir et al., 2022). Foquemo-nos agora no impacto da obra O Código Da Vinci em Les-Saintes-Maries-dela-Mer (França) e na Capela de Rosslyn (Escócia), ou da saga Twilight em Forks (Estados Unidos), Volterra (Itália) e na Colúmbia Britânica (Canadá). Todos estes exemplos são representativos do poder do turismo literário (Ingram et al., 2021).
Considerando que muitas vezes é difícil distinguir a motivação literária da cinematográfica, como no caso de Harry Potter e Game of Thrones (Quinteiro et al., 2021), o turismo literário pode aliar-se ao cinematográfico para promover um destino de forma mais eficaz. As adaptações cinematográficas e televisivas de célebres obras literárias amplificam o poder que o turismo literário teria individualmente na promoção do destino (O’Connor & Kim, 2014), pelo que esta sinergia pode ser significativamente positiva para o turismo.
Tal como o turismo cinematográfico, se o turismo literário for bem gerido, pode oferecer aos destinos a oportunidade de diversificação da sua oferta, redistribuindo o excessivo fluxo turístico em determinadas zonas de uma cidade por zonas não tão conhecidas (Quinteiro et al., 2021). Esta redistribuição pode perfeitamente ser feita através da criação de rotas turísticas e culturais (Herbert, 2001; Manseld, 2015, in Quinteiro et al., 2021).
A disponibilização de um mapa literário da cidade pode gerar uma experiência única e insubstituível para o leitor, mas para transformar este conjunto de paisagens em turismo literário é necessário responder às necessidades dos turistas que aí se deslocam, assegurando a acessibilidade, o transporte, a sinalética e as instalações turísticas (Quinteiro et al., 2020). Para que as suas expectativas não sejam defraudadas, importa que os elementos destacados na obra literária, sejam estes monumentos, edifícios históricos, cenários ou iguarias, ainda estejam presentes no destino, para que possam ser experienciados pelo turista literário (Demir et al., 2022).
Vázquez & Araújo (2018) destacam que a cultura e o turismo devem unir esforços, criando redes de trabalho que conduzam ao sucesso do turismo literário. Ainda que os profissionais do sector cultural conheçam as obras e a vida dos autores nacionais, são os profissionais da indústria do turismo que dinamizam e promovem as atividades desenvolvidas pelos espaços culturais (Vázquez & Araújo, 2018).
Nesse sentido, o Turismo de Portugal reuniu profissionais da área do turismo e da cultura para discutir o valor do turismo literário na última edição da BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa, a maior feira nacional de turismo (Turismo de Portugal, 2022). No ano anterior, no âmbito das comemorações do centenário de José Saramago, o Turismo de Portugal, em parceria com a Fundação José Saramago, já havia divulgado os percursos de Saramago na Viagem a Portugal, numa iniciativa intitulada “Viagem a Portugal Revisited”. Esta iniciativa visou promover o país através de obras literárias, autores, percursos, casas de autores, bibliotecas e livrarias, convidando os leitores a percorrerem os caminhos outrora percorridos por Saramago (Fugas & Lusa, 2021).
Como afirma Sardo (2008), é inegável o aumento de iniciativas nacionais para promover o turismo literário. As casas de grandes escritores portugueses têm vindo a ser recuperadas e transformadas em casas-museus, onde são reconstituídos ambientes de época, a partir de objetos pessoais dos autores, conferindo-lhes um sense of place que é indispensável em qualquer casa-museu (Herbert, 2001, in Sardo, 2008).
Também o Ministério da Cultura, em cooperação com as câmaras municipais e as fundações e centros de estudos, tem vindo a apoiar e desenvolver projetos que promovem regiões e escritores, como é o caso das rotas literárias. Neste contexto, importa mencionar a “Rota dos Escritores”, iniciativa da Comissão de Coordenação da Região Centro (CCRC) que dá projeção aos autores que, através das suas obras, contribuem para a promoção desta região (Sardo, 2008).
Este conjunto de iniciativas revela o potencial do turismo literário enquanto estratégia de promoção de um destino turístico e o seu valioso papel na conservação do património cultural e na valorização de autores, obras literárias e cenários de um país recriados pela ficção.
Referências
Fugas & Lusa. (17 de novembro de 2021). Turismo de Portugal desafia-nos a (re)fazer a “Viagem a Portugal” de Saramago. Público. https://www.publico.pt/2021/11/17/fugas/noticia/turismo-portugal-desafianos-refazer-viagem-portugal-saramago-1985282
Ingram, C., Themistocleous, C., Rickly, J. M., & McCabe, S. (2021). Marketing ‘Literary England’ beyond the special interest tourist. Annals of Tourism Research Empirical Insights, 2(2), 1-10. https://doi.org/10.1016/j.annale.2021.100018
Naia Sardo, A. (2008). Turismo literário: uma forma de valorização do património e da cultura locais. Revista Egitania Sciencia, 2, 75-96.
http://hdl.handle.net/10314/3416
O’Connor, Noelle, & Kim, Sangkyun. (2014). Pictures and prose: exploring the impact of literary and film tourism, Journal of Tourism and Cultural Change, 12:1, 1-17. 10.1080/14766825.2013.862253
Otay Demir, F., Yavuz Görkem, E., & Rafferty, G. (2021). An inquiry on the potential of computational literary techniques towards successful destination branding and literary tourism. Current Issues in Tourism, 25(5), 764–778. https://doi.org/10.1080/13683500.2021.1887100
Quinteiro, S., Carreira, V., & Rodrigues Gonçalves, A. (2020). Coimbra as a literary tourism destination: landscapes of literature, International Journal of Culture, Tourism and Hospitality Research, 14(3), 361-372. https://doi.org/10.1108/IJCTHR-10-2019-0176
Quinteiro, S., Rodrigues Gonçalves, A., & Carreira, V. (2021). Recursos e potencial de Coimbra como destino de turismo literário, Journal of Tourism & Development, 36(2), 419-432 https://doi.org/10.34624/rtd.v36i2.7221 e-ISSN 2182-1453
Turismo de Portugal (10 de março de 2022). Turismo de Portugal na Bolsa de Turismo de Lisboa 2022. Turismo de Portugal. http://business.turismodeportugal.pt/pt/noticias/Paginas/turismo-de-portugal-na-btl-2022.aspx
UNWTO (2018). Tourism and Culture Synergies. Madrid: UNWTO. https://doi.org/10.18111/9789284418978
Vázquez Añel, I., & Araújo Vila, N. (2018). Revisión del turismo literario y su estado en la actualidad. Análisis del caso de Galicia (España). Cuadernos Geográficos, 57(1). https://doi.org/10.30827/cuadgeo.v57i1.5842
Weiss, M. (2021). Literary tourism and the shaping of space and identity in Victoria Hislop’s novel The Island. Brno Studies in English, 1, 275–288. https://doi.org/10.5817/bse2021-1-15
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