Portugal está na moda e a capital lisboeta não fica atrás. A procura é fomentada por motivos de estilo slogan – clima ameno, cidades antigas deslumbrantes e preços baixos! Um mix de razões que não escaparam ao sentido de oportunidade dos investidores, nacionais e internacionais, no sector imobiliário, pois, quem detém as estruturas detém o poder sobre a realidade socioeconómica.
A absorção desenfreada do tecido urbano lisboeta pelo turismo não é um assunto novo, todavia, é constante, e não pelos melhores motivos. Este efeito de sucção é provocado pelo aumento da massa turística, que deixou de ser sazonal, dando origem a vários problemas de sustentabilidade. A especulação imobiliária selvática e a inflação geral dos preços, provocadas pela procura excessiva do mercado internacional, estrangularam a oferta para os residentes, proliferando os serviços e estabelecimentos comerciais direccionados, como os alugueres de estadia temporária e lojas de produtos internacionais.
Outro problema é a forma leviana com que se tem convertido a estética e usufruto de imóveis, com valor histórico e cultural, em cenários de luxo para elites sociais (sobretudo no centro histórico), desrespeitando, desfigurando e substituindo a realidade social lisboeta aí vivida. Por último, a transformação do mercado de arrendamento numa arena desleal e capitalista, cujo “mantra” tem sido o despejo de famílias.
Noutro patamar menos grave, mas não menos importante, têm ainda sido reportados uma série de transtornos no quotidiano lisboeta, tais como a sistemática obstrução das vias de circulação, a permanente poluição sonora e ambiental, como aquela emitida pelos transportes turísticos tuk-tuk, a crescente falta de civismo, a constante invasão da privacidade da população residente pelos visitantes deslumbrados e ousados, e o desgaste provocado pelo volume excessivo de visitantes de cruzeiro, que atracam no Tejo, e nada contribuem para a economia local.
Este revés da medalha não acontece apenas na capital lisboeta. Este é o momento oportuno para questionar a sustentabilidade do nosso actual modelo de crescimento económico, nas questões sensíveis ao mercado imobiliário, e alterar o seu paradigma, visando o bem estar comum dos portugueses residentes em termos de sustentabilidade económica, social, ecológica e cultural.
Existe uma realidade paralela cuja matriz de crescimento económico passa por priorizar o acolhimento de empresas, estáveis e sólidas, nos grandes centros urbanos das cidades europeias que, consequentemente, criam postos de trabalho para a comunidade que as rodeia e, também, uma relação saudável entre a oferta e a procura no mercado imobiliário, quer para pessoas colectivas quer singulares.
Numa perspectiva de previsão acerca da aceitação deste novo paradigma em Portugal, as desclarações de Nuno Nunes ao Observador, proporcionam um entendimento sobre o caso. A sondagem feita aos investidores europeus no sector imobiliário pela CBRE (empresa internacional de consultoria e assessoria imobiliária com sede em Los Angeles e repartição em Portugal) demonstrou que a vontade das empresas de continuar a comprar é superior à de vender, porém, esta tendência está em mudança. Por exemplo, a CBRE atingiu um “pipeline” de 1.100 milhões de euros apenas com os negócios europeus das grandes cidades nos últimos meses e, embora Lisboa ainda não faça parte deste ciclo, prevê-se que com uma orientação para o modelo de “gateway-city” (“uma cidade importante nos negócios e um pólo de atracção de empresas”) e uma maior exploração do mercado imobiliário moderno e antigo, em vez de uma cidade turística insustentável, Lisboa, pode entrar neste novo conceito de investimento. A sondagem da CBRE demonstrou que o turismo e indústria empresarial não são compatíveis, contudo, o estabelecimento de empresas coaduna-se com os interesses urbanísticos e dos habitantes, sem causar os desequilíbrios que o turismo tem criado.
Apesar de se estar a desenvolver regulamentação específica, que virá moderar as consequências do turismo e o comportamento especulativo do mercado imobiliário, teme-se que esta seja tardia e excessiva, podendo fraturar as atividades económicas lisboetas. Numa associação dos interesses das empresas e dos habitantes, Nuno Nunes refere que, apesar de ser muito difícil voltar ao passado, se a cidade de Lisboa optasse por um modelo de crescimento económico orientado para as empresas, não faltariam investidores interessados no património imobiliário, moderno e antigo. Estas práticas influenciariam uma baixa de preços, a atracção de investidores (não especuladores), e uma maior oferta de alojamento, moderno, funcional e sustentável.
Para que seja possível enquadrar este novo modelo em Portugal é necessário que a trajectória da economia esteja orientada para o negócio, tanto quanto se diminuam os desequilíbrios imobiliários e urbanísticos até aqui sentidos e provocados pelo turismo.
Em suma, os interesses económicos do mercado imobiliário devem ser internos e não externos, e a aposta deve ser feita nas empresas nacionais e internacionais, procurando situações duradouras e estáveis. Formar, qualificar e empregar a mão de obra portuguesa na fase do investimento e da constituição das empresas, na gerência e/ou nas restantes necessidades de recursos humanos, bem como remunerá-las justamente, são prioridades indispensáveis para que haja, de facto, desenvolvimento positivo da nossa economia.
Acredito que esta alteração nada tem a haver com orientações políticas, mas, sim, com o interesse geral de refrear a abrasividade consequente da atenção exagerada dada ao turismo. Portugal tem uma infinidade de outros recursos (naturais e humanos), por explorar, economicamente mais fiáveis.
Antes de terminar gostaria de deixar um comentário acerca do que se tem feito para contrariar este arrasamento da oferta do mercado imobiliário. São de louvar as políticas sociais anti-despejo (que refreiam o deslumbramento com a especulação), e a reabilitação dos edifícios antigos. Assim, promovem-se simultaneamente uma mentalidade sensível à sociedade, à história, ao património cultural, à ecologia, e fomenta-se uma aliança pertinente e sustentável entre o ramo imobiliário e outros sectores que convergem na área da reabilitação do edificado (engenharia, arquitectura, etc.), criando um plano inclusivo e multidisciplinar, com uma grande responsabilidade de resposta às expectativas que conciliam os padrões de segurança, habitabilidade, conforto e solidariedade social.
Não obstante, a par com a reabilitação de edifícios seria necessária uma maior qualificação dos recursos humanos e das empresas deste sector, bem como a simplificação do processo burocrático da reabilitação, com os princípios da sustentabilidade ambiental e proteção do património edificado e uma maior cedência de terrenos para construção e arrendamento por parte da autarquia, pois sem uma boa preparação dos recursos, sem legislação bem definida e sem espaço disponível não se reúnem condições para sobrepor este modelo de transição e crescimento ao actual modelo.
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