Os amigos próximos sabem do meu fascínio por cidades, e por isso, vez por outra você terá referências de cidades, arquitetura e design nos meus escritos.
A proposta aqui é aliar todos os interesses acima com um passeio ficcional por imagens escritas e ilustradas de cidades e personagens inusitados.
Serão duas trilhas que te levarão por diferentes construções imagéticas, arquitetônicas e visões de mundo e de cidades. Labirintos de possibilidades do olhar.
A licença para abordar dessa maneira cidades vem de um italiano que nasceu em 1923.
Ítalo Calvino é o seu nome. Seu argumento não poderia ser mais inusitado: o que contaria um mercador veneziano, o mais famoso de todos, a um imperador tártaro?
Estamos falando de Marco Polo e suas descrições de cidades e aventuras do império mongol a Kublai Khan, estimada em torno do século XII. As descrições arquetípicas dão-nos vistas de cidades imaginárias e, portanto, invisíveis.
O encontro que surpreende pela natureza do diálogo descritivo, traria à tona imagens e tons de 55 cidades pertencentes ao império tártaro, narradas e ilustradas poeticamente pelo mercador ao imperador confinado e recluso em seu castelo, curioso por saber sobre quais eram as dimensões de seu império.
E assim surgiam imagens caleidoscópicas de cidades e mundos… de vidas e relações urbanas.
Uma narrativa que coloca em causa que o urbano transcende em muito sua arquitetura e que são os habitantes e as relações que tecem com seu espaço que dão o sentido de cidade. É por isso, que cada uma delas possui tantas características e peculiaridades tão marcadas que podemos dizer que possuem alma.
Marco Polo, tecendo um verdadeiro labirinto discursivo traz magia e encantamento a cada cidade e suas características dispostas em blocos temáticos. Sua narrativa está distribuída em 11 temas. Confira cada um deles e a abordagem de que ele trata:
Todos os temas perfilados com nomes e arquétipos femininos.
As cidades descritas ganham contornos, ora por suas ruas, por suas linhas curvas ou retas circundando espaço e lugares, ou por ângulos que compõe ruelas e pontes ou enquadramentos dispostos por janelas, nos seus entalhes como cicatriz, nas suas pedras como mosaico. Ou também podem estar suspensas sobre o cosmos, emaranhadas por redes e conexões, quer de pessoas, quer de lugares, quer de ideários.
Nesta forma de narrativa, a escrita, às vezes possui essa magia de “pintar” imagens e nos transportar para elas. Nas palavras de Claudio, nas “Cidades Invisíveis” de Calvino: “ser siderado é mesmo uma delícia!“.
A narrativa de Ítalo Calvino nos dá essa sensação de escrita fácil e fluída. Uma escrita construída a partir da concretude imaginativa de perspectivas e olhares. Pela boca de Marco Polo, as cidades invisíveis vão ganhando contornos que dão dimensão das muitas relações entre pessoas e espaços. Carregadas de pessoalidades e identidade.
Descubra Calvino clicando aqui e passeie por ruas e construções de suas cidades invisíveis, descortinadas por um personagem único e sensível.
Conheça e deixe-se encantar por Isaura, Cecília, Cloé, Ercília, Zora, Adelma, Otávia, Fedora, Zoé, Olívia, Leandra, Eudóxia, Clarice, Leônia, Irene, Olinda, Raíssa, Teodora e Berenice, entre tantas outras.
De todas as suas descrições, talvez você seja capaz de encontrar uma cidade para chamar de sua.
Experimente!
Mas se são de imagens que estamos falando, acrescento às suas descrições outras, feitas como ilustração.
São as Cities of You onde as imagens ficcionais de Ítalo Calvino ganham tons oníricos. Permita-se perder-se nesse universo de imaginação e quase sonho.
Sei que não se arrependerá.
Visite cada uma delas e faça um paralelo com o texto de Calvino.
Perder-se em uma cidade, como dizia Walter Benjamin, é também uma forma de se achar!
Por exemplo, conheça Vaddoi.
Na palavras de Calvino: “(…) Vaddoi é uma cidade auto-sustentável composta de um anel interno e externo, muito parecido com uma roda de bicicleta. A cidade em si fica no anel interno. Pequenos rolamentos de esferas separam o anel interno do anel externo. Isso permite que o anel externo vagueie pelo terreno, deixando o anel interno, a cidade, suspenso no ar enquanto se beneficia da fricção resultante que é usada para abastecer toda a cidade.
No entanto, o movimento da cidade não é totalmente arbitrário.
Como a cidade depende do momento, os cidadãos devem escolher rotas que aproveitem as encostas e evitem aqueles que os levam a bolsos dos quais nunca poderão voltar. (…)”


Há também Uaeinn:
“(…) “uma cidade composta de muitas sub-cidades menores, cada uma contida dentro de uma seção transversal ao longo de colunas implausivelmente elevadas. O que é curioso sobre Uaeinn é que começou como uma cidade única. Mas, a fim de manter os invasores afastados, seus cidadãos decidiram fazer clones de sua cidade, mantendo a identidade da cidade real a par de apenas alguns poucos. Com o tempo, o debate inter-cidades surgiu sobre a identidade da cidade real.
No entanto, ao contrário do que se poderia esperar, nenhuma cidade aspira a ser a cidade original, mas, para garantir sua segurança, garante a mesma aparência que a vizinha, já que não pode ser rotulada como a cidade original se estiver copiando outra. Uma vez que uma cidade pode ter múltiplos vizinhos, o resultado é grupos de cidades em constante evolução, jogando intermináveis jogos de telefone, onde duas cidades podem parecer idênticas um dia e muito diferentes na próxima.(…)”


Há também Ukivy.
Curiosa em sua formação e nos seus tipos de habitantes:
“(…) Os cidadãos de Ukivy nunca podem concordar em como sua cidade deveria ser planejada – então, a cada ano, eles deixam o sol e o solo decidirem.
Antes da última geada de cada primavera, há uma corrida frenética para plantar as sementes certas nos locais certos. Apesar de seus melhores esforços, o resultado nunca é o que planejaram – a cada ano é um layout de cidade aparentemente aleatório. Alguns anos a sua casa é grande e espaçosa, há alguns anos quase não floresce.
A única constante é a árvore central da cidade, que cresce lentamente a cada ano que passa.
Todo outono, os cidadãos coletam as sementes produzidas por suas habitações e recuam para o tronco central, como uma grande migração para outro tempo e lugar familiar e desconhecido.(…)”


O passeio completo por imagens: quer por palavras, quer por ilustrações com certeza lhe inspirará.
Destarte, e após seu passeio por tantas imagens e descrições quase oníricas, escolha, se for capaz, uma delas para chamar de sua.
Enquanto isso minha votação sobre a ilustração de cidade e talvez sua relação com o espaço em rede que aqui partilhamos vai para a City #1: Fraboo (Brian F), Otávia, suspensa em teias sobre um abismo.
É uma das chamadas Cidade Delgadas.
Conheça-a:


Nas palavras de Calvino:
“(…) Essa é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de se elevar, está pendurado para baixo: escadas de corda, redes, casas em forma de saco, varais, terraços com forma de navetas, odres de água (…) trapézios e anéis para jogos, teleféricos, lampadários (…)
Todos os cidadãos de Fraboo se dão muito bem – não que eles realmente tenham uma escolha, uma vez que a casa de cada pessoa literalmente depende das de seus vizinhos. Uma teia de aranha de cordas, cabos e correntes conecta cada residência aos outros e aos lados da montanha. Cada parte da rede é mantida sob constante manutenção, considerando o desastre de propagação que pode ocorrer se apenas uma linha quebrar
Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta que a de outras cidades. Sabem que a rede não resistirá mais que isso. (…)”
A ideia dessa cidade em rede onde seus fios tecem a garantia de que nunca ninguém saia dali ou que pise em terra firme pode ser uma metáfora interessante…
Seria Otávia a cidade onde toda a rede virtual que nos prende, enlaça e aninha se encontra? Seriamos nós habitantes de uma Otávio no ciberespaço?
E qual é cidade para chamar de sua? As votações estão abertas.
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