Artigo das professoras doutoras Anabela Monteiro e Sofia Lopes (Universidade Europeia)
Qual a relação entre turismo e paz? Deve ser a pergunta que o leitor se faz ao ler o título do artigo. Pois bem, as possíveis associações do turismo à paz são: o diálogo; a partilha; é conviver; é aprender; é experienciar; a responsabilização social; é civismo. A paz é tudo isso e muito mais.
Se estes dois conceitos têm características tão idênticas porque não aproveitar e fazer delas uma ferramenta para a construção de um turismo responsável em benefício da paz.
Este tema não é novo, mas tem sido desvalorizado, no final da década 20 do século XX (1929) a Associação Britânica de Viagens e Férias anunciou que para a sua primeira reunião o lema seria “Viagem pela Paz”. Em 1967, no Ano Internacional do Turismo da ONU, a consciência da importância desta associação, utilizou o seguinte slogan identificador da mensagem para esse ano “Turismo: Passaporte para a Paz”.
Em 1986, foi consolidado o Instituto Internacional para a Paz pelo Turismo (IITP) e, após dois anos da sua existência realizou uma conferência global subordinada ao tema “Turismo: uma força vital para a paz” uma oportunidade para sensibilizar o mundo para o tema. O binómio destes termos, como podemos verificar e a consciencialização, tem quase 100 anos, o que acontece é que o assunto por vezes é tratado separadamente e é colocado de parte pois existem interesses superiores e diversos.
Alguns países trabalham em comunhão com o binómio, mas para outros os assuntos são tratados separadamente, sendo que o turismo é uma fonte de rendimento para o estado e população e por vezes à paz não é lhe é dada a importância necessária porque não é um rendimento, mas pelo contrário todos sairiam beneficiados com a sua repercussão.
Estamos a falar de um bem público, um valor individual e coletivo, as transformações sociais e culturais que atualmente o mundo está a sofrer, são um alicerce para implementar novas estratégias multissectoriais entre gerações. Aproveitar a riqueza da consciencialização das gerações Z, Y, X, baby boomers, veteranos apesar de ser distintas, isto é, existe a consciência das diferenças, o choque geracional existe, mas esse é o passo certo em direção para a partilha de conhecimento, sabedoria, um novo senso comum emerge e assim o aprofundamento de Peacebuilding e a criação de uma Arte da Paz.
A paz não é só ausências de guerra mas é sim necessário “lançaram um novo olhar sobre o conceito de paz, na medida em que permitiram compreendê-la não apenas como um sinônimo da cessação de conflitos bélicos entre Estados, mas também como uma noção diretamente relacionada a temas como desenvolvimento e direitos humanos” ( Kemer, Pereira , & Blanco, 2016). Esse mesmo conceito deriva cada vez mais da consciência coletiva da humanidade, as novas tecnologias muito ajudaram para amplificação da perceção e conhecimentos de realidades, existe uma cultura global.
As novas tecnologias auxiliaram na mudança do paradigma, estereotipado e estigmatizados que alguns países possuíam, as aberturas de novos canais possibilitam uma nova educação e abertura a redes de comunicação amplificadores da paz. A Organização das Nações Unidas (ONU) no ano internacional para o Turismo Sustentável reforçou este binómio, turismo e paz, com a seguinte declaração: “Promover mais entendimento entre povos de todos os lugares, o que leva a uma maior consciencialização sobre o rico património de várias civilizações e a uma melhor apreciação dos valores inerentes às diferentes culturas, contribuindo dessa forma para fortalecer a paz no mundo” (UNESCO, 2019).
A consciencialização para as várias diferenças sociais, culturais e étnicas tão características do setor do turismo aliada à adoção de práticas de hospitalidade é um importante veículo promotor da paz social.
Nos últimos anos, a hospitalidade tem sido estudada nos Setores do Turismo e Hospitalidade, pois têm como principais objetivos a troca de produtos, serviços e interações pessoais. No entanto, não existe consenso sobre a definição exata de hospitalidade, sendo esta um conceito subjetivo e uma variável dependente de diferentes contextos e culturas. Para que essa hospitalidade seja implementada é necessário conhecer as características das diferentes culturas dos países visitados e dos próprios visitantes.
O interesse e atenção dados às origens dos visitantes é importante para que estes se sintam aceites no país visitado. Aliado a esse fator é necessário, também, que os próprios turistas respeitem os costumes dos residentes para que essa partilha seja positiva. Esse respeito, compreensão, aceitação, tolerância mútuo fortalecem as capacidades comunicativas e as relações interpessoais.
O turismo pode e deve ser “um catalisador de mudanças positivas do comportamento mundial.” (Bokova, 2017). Para esta fusão funcionar em pleno deverá ser feito um trabalho consciente do papel de cada elemento, como refere Martha Honey quando faz referência a alguns estudos de caso sobre a Índia, Nigéria e Quênia “a paz deve ser mais do que uma ausência de conflito, e o turismo deve ser trabalhado de forma a beneficiar verdadeiramente as comunidades locais e o meio ambiente.” (Honey, 2017).
Um exemplo da utilização e proveito desta junção é o Irão (IranTourism, 2019), mas o Irão e Paz, como? Quando pensamos no Irão conectamos o país, na maioria das vezes, à palavra conflito, devido sobretudo ao que nos chega através da comunicação social que reporta particularmente uma “agenda geopolítica tóxica” e como resultado “the vast majority are literally afraid of traveling to Iran, due to the image and the reputation of this country abroad, particularly in the West” (Carbone, 2019).
O Irão, um país com uma história de milénios (antiga Pérsia), uma civilização das mais antigas do mundo e com uma cultura tradicionalmente autêntica. Um povo muito vinculado às tradições, mas aberto a novos desafios e prontos a reverter a imagem que muita gente tem do Irão. E é através do turismo que o povo e o estado pretende fazer passar uma mensagem que promova um diálogo intercultural, de paz e retificar a imagem pejorativa. Toda este processo, ainda em incremento está a ser desenvolvido tendo como pilar de suporte o Instituto Internacional para a Paz através do Turismo (IIPT) .
Noutro ponto da terra na Colômbia, alguns antigos combatentes do grupo desmobilizado das FARC transformaram um acampamento das guerrilhas num segmento de ecoturismo, o projeto denomina-se “Tierra Grata Ecotours”, cujo mensagem principal, e utilizando o turismo, promover o processo de paz que ainda está a decorrer. O turista pode usufruir das instalações, provar comida da guerrilha usada durante a guerra, utilizar “fogão cubano” e ter longas conversas com as antigas guerrilhas. Os ex-combatentes foram formados profissionalmente nas diversas áreas para poderem acolher os turistas.
Neste projeto existem diversas vantagens por um lado, a população local, que assim desenvolveram um produto turístico e através dele também rendimentos, o que lhe irá proporcionar uma melhor qualidade de vida. E por outro, os ex-combatentes pretendem transmitir essencialmente a mensagem de que os conflitos em nada são favoráveis, que as lutas violentas são inúteis e que o diálogo e a aceitação do outro, são o ponto mais importante porque a única marca que ficou deste conflito foram vítimas. Este exemplo permitirá aos turistas visitantes levar consigo, para o seu local de origem, uma mensagem rica, transmitida em primeira mão, com factos reais, por vezes assustadores, mas de certeza esclarecedores ficando sensibilizados e com vontade que a mensagem não fique só em La Paz, Cesar.
Noutro ponto, a Organização Mundial do Turismo (OMT) e outros representantes mundiais, proclamaram a instituição do “Código Mundial de ética do Turismo” (CMET) e uma das grandes bases de inspiração foi de facto a necessidade de promover o diálogo intercultural, prosperidade, tolerância, abertura de espírito e o respeito pelo outro e iniciar a construção mundial de um turismo responsável. No preâmbulo do discurso foi dito “profundamente convencidos que, pelos contactos diretos, espontâneos e não mediatizados que permite entre homens e mulheres de culturas e modos de vida diferentes, o turismo representa uma força viva ao serviço da paz, bem como um fator de amizade e compreensão entre povos do mundo” (OMT , 1999).
De facto, através do turismo podemos fazer tudo isso, mas o que falta por vezes é um compromisso verdadeiro com o que fica escrito e laborado em ata. Nas últimas décadas o binómio paz e turismo tem vindo cada vez mais a ser discutido. O turismo pode ser um veículo facilitador para transportar a mensagem associada à paz. O turismo é uma indústria cujo território de ação não se cinge a um único país, mas se expande a nível global, um potencial agente pacificador de escala planetária. Esta expansão permite uma ligação e troca entre os diversos mercados e produtos turísticos e essa interatividade vai facilitar a construção de um entendimento entre as diferentes culturas.
A troca de experiências entre diferentes culturas abre o caminho para o entendimento e sobretudo para o respeito pelo outro e consequentemente a paz consegue se instalar discretamente.
Finalizamos este texto com uma frase, um profundo pensamento do Papa Francisco “Todos os cidadãos são responsáveis pela construção da paz “. Todos os turistas têm um papel e podem ser embaixadores da PAZ.
REFERÊNCIAS
Kemer, T., Pereira , A. E., & Blanco, R. (Dez de 2016). A construção da paz em um mundo em transformação:o debate e a crítica sobre o conceito de peacebuilding. Revista de Sociologia e Política, 24(60), pp. 137-150.
Bokova, I. (2017). Mensagem de Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, para o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento.
Carbone, F. (2019). Is it possible to make the association between peace and tourism even more meaningful? Yes, it happens in Iran. Obtido de http://irantourismnews.com/iranpeacetourism/
Honey, M. (24 de 11 de 2017). Tourism Promote Peace, Prevent Conflict, Tourism is The Global Peace Industry. Obtido de http://irantourismnews.com/tourism-promote-peace-prevent-conflict-tourism-is-the-global-peace-industry/
IranTourism. (2019). Iran Travel Information, Tourism Industry News & Reports. Obtido de http://irantourismnews.com/iranpeacetourism/
OMT , O. (1 de 10 de 1999). O Código Mundial de Ética do Turismo. Santiago do Chile.
UNESCO. (13 de 02 de 2019). Obtido de www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/prizes-and-celebrations/2017-international-year-of-sustainable-tourism/
Yunus, M. (13 de 01 de 2007). Discurso do Prof. Muhammad Yunus na entrega do Prémio Nobel: A pobreza é uma ameaça à Paz. Obtido de https://premiosnobelexplorar.blogspot.com/2007/01/discurso-do-prof-muhammad-yunus-na_13.html
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