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A arte no espaço público urbano e os impactos do turismo nos centros históricos

A arte no espaço público urbano e os impactos do turismo nos centros históricos

A arte no espaço público urbano, em cidades históricas e a dicotomia entre museus “avatares” e as dinâmicas do turismo, nomeadamente cultural, tem vindo a determinar as políticas culturais, criando o equívoco da condição necessária da sua sustentabilidade, quase exclusivamente comprometendo-a à atratividade turística. Significará portanto o fracasso do turismo, o fracasso das cidades e por conseguinte o fracasso do estado da arte? Provavelmente não, porque seria demasiado redutor para a definição das cidades e da definição e função da arte. A cultura contemporânea, tornou-se no melhor pretexto, para a fundamentação das hipérboles demagógicas do discurso político e na melhor metáfora do assédio do fruidor, cada vez mais passivo. 

Os museus contemporâneos não são mais apenas repositório das memórias e coleções, contribuem ativamente para a dinamização económica das cidades, muitas vezes incorrendo nos determinismos delas próprias. As instituições museológicas, abertas ao espaço público, assumem “pornograficamente” o assédio pelo poder, legitimando-o. Também a arte, nas suas mais variadas expressões e práticas de representação, incorre no determinismo de não cumprir a sua função social e de educação estética, e ao invés, autodeterminar-se, no cumprimento de uma função ornamental do espaço público, que responda às necessidades e interesses económicos das cidades contemporâneas.

As intervenções artísticas no espaço público, têm vindo a procurar “estetizar a injustiça social e eliminar os conflitos” (Thörn, 2011), por antítese, as tentativas da arte substituir-se às políticas sociais e urbanísticas, mascara as reais problemáticas na origem das necessidades de uma verdadeira reabilitação urbana, resultando deste modo num equívoco, para o qual muito contribuiu o discurso político e mediático. (Goes, 2019; Thörn, 2011) A arte deixaria de contribuir para consciência e progresso da civilização, para participar na estratégia debranding da cidadetendo como principal objetivo a atratividade turística, subvertendo assim os objetivos da própria arte e da forma como é concebido o espaço público urbano, determinando ideologicamente o planeamento do território. Torna-se por isso perigoso, quando a arte contribui para uma alienação cultural coletiva. (Goes, 2019)

A lógica estruturante de um capitalismo mediático, global e a implementação de uma cultura neoliberal a larga escala, em todas dimensões da atividade humana, possibilitou que as intervenção artística nas cidades fosse legitimada, procurando servir a dinamização do tecido económico e usando como pretexto a cultura e arte. A implementação desta estratégia, acontece muitas vezes, sem que, nunca o decisor público ou os agentes económicos, tenha pretendido perguntar aos habitantes das cidades, se queriam receber turistas ou aos artistas se quereriam participar ativamente no espetáculo da atractividade turística e mediática.

Para Thörn (2011), “a reestruturação do espaço urbano, com frentes marítimas exclusivas, edifícios de referência, hotéis de luxo, campanhas institucionais de marcas, faz parte da governação global neoliberal mais alargada que privilegia o crescimento e cria uma distribuição desigual (e injusta) desse crescimento dentro das cidades.”

Até que ponto, perante os novos constrangimentos contemporâneos, serão capazes os centros históricos de voltar a absorver turistas e garantir a sua sustentabilidade económica, ambiental, social e cultural? E já agora, de que servirão as intervenções artísticas, concebidas para esse fim, se deixarem de dispor dos espectadores para as quais se dirigiam. Os sobreviventes das cidades históricas terão ainda, de conviver com uma arte que não vêm como sua?

Na definição de Augé (1992) arriscamo-nos ao não habitarmos as cidades, nossa pertença, com isso, tornarmo-las “não-lugares”, lugares transitórios, de passagem. Daqui decorre também o perigo das cidades ao se tornarem museus ao ar livre – ou deixarem de o ser – perderem a sua essência de lugar habitado e de não cumprirem a sua missão, e se tornarem num lugar contemplativo apenas do sublime. (Goes, 2019) A arte no espaço público possibilita o estabelecimento de um equívoco, de que a sua principal tarefa é o embelezamento dos espaços e a funcionalização de um falso conforto, potencialmente conseguido por esta. (Fabian M., 2010; Jasmi & Mohamad, 2016)

As implicações da degradação urbana, como justificação para a intervenção artística, não se resume à deterioração do edificado, património histórico, mas antes consubstanciam a desintegração e exclusão social dos seus habitantes, como condição necessária para a desvalorização territorial e do edificado. Por conseguinte esta, erradamente, assume a melhor forma de potenciar a rentabilização imobiliária do pós-degredo, colhendo falsos consensos generalizados.  A arte por isso, não desempenha parte na tarefa de reabilitação urbana, antes pelo contrário, mascara os reais problemas de pertença, identidade de quem habita os espaços e com eles não se sente identificado. (Cadela, 2007; Goes, 2019; Marcuse, 2011, 2002; Pinilla, 2012)

Outro perigoso equívoco, prende-se com o facto da segregação da cidade, ordenar um nova organização social, que em vez de promover uma democracia participativa e colaborativa, acentua as desigualdades sociais, tantas vezes justificadas no discurso político e mediático, falacioso e demagógico, que justifica a decadência dos espaços à decadência moral dos seus habitantes. (Débord,1997; Cadela, 2007; Goes, 2019, 2020) A Cultura do entretenimento tornou-se no melhor e mais hábil instrumento do marketing político e do controlo das massas. Ornamentar o espaço público tornando-o lúdico e recreativo, instituir museus subvertendo a lógica da preservação da memória e confundir Cultura com atrações turísticas, tem por hipótese, como principal objectivo, o entreter para estupidificar. (Goes, 2019, 2020; Lipovetsky, 2017)

O espaço púbico é um lugar necessariamente político, ideológico, na medida em que nele se determina a formulação identitária de uma comunidade, definindo os limites entre o público e o privado ou doméstico. Nele o direito à diferença, consubstancia não só o direito à conflito, como à criação de consensos. Porque a arte não se dissocia da vida, ocupa necessariamente este lugar crítico quer de conflito, quer de pontos de encontro (Matoso, 2014; Deutsche, 1998; Habermas,1996).

Possibilitar a reflexão sobre o lugar cultural e ideológico enquanto condição necessária para a existência de outros lugares, do foro privado, pessoal, íntimo é razão para criteriosamente pensarmos sobre a qualidade das transformações estéticas que possam ocorrer no território urbano, incidindo e redefinindo a paisagem desses territórios e colhendo os impactos das transformações que neles ocorrem, nomeadamente as transformações artísticas e no património edificado. Por isso, talvez mais do que sobrepovoar um território com imagens “palimpsesto” talvez devamos promover a existência de espaços vazios, de silêncios urbanos, despovoados de intervenções artísticas, para que o espaço público, não seja apenas funcionalista, nem ornamental.

Referências:

Augé, M. (1992). Non-lieux – Introduction à une anthropologie de la surmodernité. Paris: Éditíons du Seuil.

Cadela, I. (2007). Sombras de ciudad. Arte y transformacíon urbana en Nueva York, 1970-1990. Madrid: Alianza.

Débord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.

Deutsche, R. (1998) Evictions: Arts and Spital Politics. London: MIT.

Goes, D. (Janeiro, 2020). Contemporanizar o discurso estético da nossa identidade e celebrar a Festa (E. Aguiar, Ed.) Revista Saber Madeira, nº272.

Goes, D. (12 de Agosto, 2019). Cultura em tempos de engate. Jornal Económico https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/cultura-em-tempos-de-engate-476177

Habermas, J., [1992] (1996), “Further Reflections on the Public Sphere”, in Habermas and the Public Sphere, ed. Craig Calhoun, Cambridge, Massachussets, MIT Press

Jasmi, M. F., & amp; Mohamad, N. H. (2016). Roles of Public Art in Malaysian Urban Landscape towards Imoproving Quality of Life: Between aesthetic and funcional value. (E. Ltd., Ed.) Procedia Social and Behavioral Sciences, 222, 872-880. Obtido de https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2016.05.201

Lipovestsky (2017) Agradar e Tocar, Lisboa: Edições 70

Marcuse, P. (2011) Cities for People Not for Profit: Critical Urban Theory. Taylor and Francis.

Marcuse, P. (2002)  States and Cities: The Partitioning of Urban Space. Oxford University Press. ISBN 019829719X.

Matoso, R. (2014). Arte pública, espaço e poder. Em U. L. Tecnologias (Ed.), Livro de Actas do Seminário de Arte Pública e Educação: memória, intervenção e cidadania – do projecto Arte Pública nas Relações Culturais Lusobrasileiras – CICANT-ECATI. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

Mohd Fabian, H. (2010). Towards integrating public art in Malaysian urban landscape. Pertanika J. Soc. Sci. & amp; Hum. 251 – 264.

Pinilla, E. R. (2012). Arte urbano contradiscursivo: crítica urbana y praxis artística. Em U. N. Colômbia (Ed.), Bitacora 20. Bogotá: Universidade Nacional de Colômbia.

Thörn, C. (Dezembro de 2011). Spotcity: a arte e a política do espaço público. (C.C. Lisboa, Ed.) Forum Sociológico, 21, 43-53.

Imagem (Tama66) gratuita em Pixabay

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