

Semelhantemente ao chocolate que pode ser meio amargo, o neoliberalismo o é: amargo para quem produz, doce para quem é dono dos meios de produção.
Essa semana estava eu pesquisando preços de ovos de páscoa na internet, e sobre a possibilidade de entrega via aplicativo, pois há alguns dias estou debilitado para andar. Crise de gota.
Constatei que a páscoa atual está cada vez mais parecida com sua nascente no remoto Egito: medo, escravidão, perseguição e milhões de pessoas esperando um milagre.
Se é verdade que o capitalismo cria necessidades psicológicas para vender soluções para problemas que ele mesmo criou, em datas comemorativas isso fica mais evidente, pois vejamos: o mesmo peso de um chocolate, se colocado na horizontal, é três vezes menor que se derretido, colocado em um formato oval e embalado com coelhos sorridentes. A mesma gordura vegetal, o mesmo trabalho escravo nas fazendas de avelã, o triplo do preço.
Mas os aplicativos vieram com a promessa de pular intermediários e colocar o “patrão” para fazer entregas ou buscar pessoas. Agora, um jovem em cima de uma bicicleta é um “empreendedor”. É quase que receber um tapinha nas costas de um CEO da Apple lhe dizendo: “bem-vindo ao time, amigão!”
O que ninguém te conta é que essa conta não fecha. O Faraó 2.0 é mais sutil.
Com a reforma trabalhista ocorrida em 2017 no Brasil, esperava-se novos postos de emprego. O que foi entregue? Milhões de pessoas “pejotizadas”, pagando suas próprias previdências (a assustadora maioria não paga; para ser mais preciso, 74%!) (Folha de São Paulo, 2023).
Isso significa menos proteção social, menos garantias de aposentadorias decentes, menos famílias guarnecidas pelo bem-estar social de um Estado erigido com essa proposta no pós-ditadura de 1964.
Mas, vendeu-se a ideia de que resiliência e criatividade basta para preencher os requisitos de ser “dono de si mesmo”.
É um Vale do Silício portátil. Nesse neoliberalismo “democrático”, se eu posso,, todo mundo pode! O que Faraó esconde dos neo-escravos é que uns podem de iate, outros podem de jangada.
E o que temos hoje espalhados pelas grandes metrópoles é um êxodo de gente com uma caixa de isopor nas costas e um horizonte cada vez mais opaco nos olhos, pois nenhum mar se lhe abrirá, porque ele mesmo precisa ser o próprio milagre, afinal, as grandes façanhas começam com pequenos passos. Ou pedaladas.
Desisti do chocolate. Não vai ser dessa vez que vou comer gordura vegetal hidrogenada com corante, para comemorar a saída do povo hebreu do Egito.
Referências webgráficas:
Empregados sem carteira assinada chegam ao maior número da série histórica, diz IBGE, 2023. < https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/02/28/empregados-sem-carteira-assinada-chegam-ao-maior-numero-da-serie-historica-diz-ibge.ghtml> . Último acesso em 7.abr.2023.
Maioria dos trabalhadores de aplicativos não contribui para o INSS, 2023. < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/maioria-dos-trabalhadores-de-aplicativos-nao-contribui-para-o-inss.shtm l>. Último acesso em 7.abr.2023.