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Terras, Julgados e Concelhos medievais. As bases da administração local no século XIII.

Terras, Julgados e Concelhos medievais. As bases da administração local no século XIII.

O que são e como se constituíram as bases da administração local no século XIII, são os assuntos de que se ocuparão a análise deste ensaio, tendo por base o trabalho desenvolvido por Maria Helena da Cruz Coelho, Armando Luís de Carvalho Homem (1996), e de José Mattoso (1997).

Enquadramento

Conforme escreveu José Mattoso (1997), durante este período “a autoridade do rei evolui de uma supervisão muito ténue sobre o reino até uma intervenção minuciosa, mas desigual, conforme a jurisdição predominante em cada lugar” (p.229). Entende-se por bases da administração local as unidades ou divisões administrativas territoriais (com géneses distintas) que eram formalmente reconhecidas pelo monarca, pese embora com graus de autonomia política, administrativa e militar que se distanciavam do rei: terras, julgados e concelhos. A origem dessa forma de organização pelo poder régio é uma manifestação das suas necessidades políticas e administrativas, que se pôde observar no tempo de Fernando Magno, no qual se assistiu à transformação progressiva dos commitatos em tenências, forma que o monarca tinha para compensar, no plano local, os seus aliados militares, os infanções. Este processo resultou no crescimento de domínios com poderes políticos e administrativos muito autónomos, de redes de dependência e hierarquização social, e no caso dos Concelhos, na formação de oligarquias municipais que os dirigiam.

Sobre as terras – as primeiras formas de organização

As terras surgem da divisão das velhas civitates, aparecendo documentadas desde a década de sessenta do século XI, a norte a sul do Douro, e integradas da unidade administrativa que era Terra Portucalensis, ela própria tendo sido delegada administrativamente em 1096 ao Conde D. Henrique. A princípio tinham um significado geográfico e patrimonial, mas em virtude do crescimento das doações e consecutivamente dos tenentes (vassalos dos condes), as terras passam a estar conotadas com os seus donos. Organizavam-se em redor de pontos fortificados, cuja personalidade jurídica se definia em função do nome do seu titular, geralmente um elemento da nobreza local. A proliferação de tenências a Norte resultou de um processo de “senhorialização”. Até ao reinado de Afonso II verifica-se uma tentativa de agrupamento das anteriores tenências a norte em unidades mais abrangentes (ex: terras de Douro ao Lima e de Lima ao Minho). Essa divisão administrativa não vinga, mas a partir de 1250 tem-se uma visão mais clara sobre ela, que se manifestou heterogénea nas dimensões de cada unidade e na concentração regional de titulares.

Sobre os ricos-homens e as tenências

Esses territórios, as terras, eram administrados geralmente pelos ricos-homens, mas, progressivamente, resultou na formação de oligarquias locais. Este fenómeno sucedeu através da apropriação vitalícia dessas concessões ou benefícios feitos pelo monarca, e da institucionalização da hereditariedade para passar os cargos. Assim, o exercício da economia, do direito, da política e da atividade militar sobre a população e o território destas unidades distanciavam-se da influência régia, conferindo graus de autonomia administrativa aos ricos-homens, inconvenientes ao poder real. Esta convivência de forças políticas dentro do território do monarca correspondeu ao início da formação de senhorios e das linhagens de nobreza local, fenómeno que encontra um certo paralelismo com feudalismo europeu, pese embora o caso português seja distinto. Com as Inquirições de D. Afonso II começámos a ter um enquadramento desta administração dominial.

Hereditariedade

Nestes regimes de governo local, a transmissão do poder político fazia-se através da hereditariedade, isto é, da descendência resultante de alianças matrimoniais convenientes, o que contribuía para a formação de uma hierarquia social vincada, dividida, desigual e, esquematicamente, sem mobilidade vertical entre grupos sociais, e pouca mobilidade horizontal. Em palavras simples: os critérios de selecção para integrar estes cargos estavam limitados pelos laços de sangue, excluindo todos aqueles que não partilhavam da mesma herança genética. De entre muitos outros pode-se citar o exemplo da tenência de Sousa, de Basto e Panóias, que entre o século XI e XII, administradas por linhagens de sucessão agnática (descendência masculina ou paterna). Esta estratégia da hereditariedade pela via masculina tinha também aspectos desfavoráveis, podendo resultar na extinção das famílias perante a ausência de filhos varões (fecundidade; mortalidade infantil; predominância masculina em actividades mortais), ou na transmissão do poder político de linhagens fortes para outras de estirpe inferior por via da decadência jurídica, económica ou política.

A reforma de Afonso III

Na segunda metade do século XIII estavam já assumidas duas fontes de poder político: o poder autónomo dos ricos-homens (ou terratenentes) nas suas terras concedidas como tenências, leais ao monarca e com disponibilidade de recursos para o auxiliar, e o poder do rei, de natureza essencialmente militar, que o rei D. Afonso III exercia sobre a totalidade do território, através da sua defesa e protecção, que era claramente eficaz na capacidade de coordenar e gerir os seus terratenentes em função de um objectivo comum, e que resultou no estabelecimento da paz com a conquista do Algarve. Este monarca procedeu a uma reforma política e administrativa, redistribuindo as terras pelas linhagens mais antigas, mas concedendo outras na sua dependência, por mercê, criando formas de administração mais próximas, se não directas, à sua influência e dele emanadas.

Os Julgados

Nas palavras de Maria Helena da Cruz Coelho e de Armando Luís de Carvalho Homem, “a um Portugal dividido em terras sucede outro dividido em julgados” (p.553), isto é, com unidades políticas e administrativas independentes dos governadores das terras, em alguns casos, e cuja autoridade emanava do monarca a partir de Afonso III. Assim, a justiça administrada nos julgados foi progressivamente tornando-se régia. A acompanhar este processo dá-se a criação de cargos com funções policiais e fiscais por parte do poder central, nomeadamente os de meirinhos regionais, cuja influência se estendia dentro de divisões determinadas pela geografia do país (mais tarde denominadas por comarcas), e o de meirinho-mor.


Os Concelhos

Como já tivemos oportunidade de abordar a génese e a sua constituição num texto anterior, evidenciam-se apenas as características que os distinguem das terras e julgados. Primeiro é necessário relevar que os Concelhos foram uma forma de organização territorial mais expressiva a Sul do território, onde dificilmente se verificaram terras e julgados. Depois, que os Concelhos eram bastante heterogéneos em densidade populacional, dimensão, natureza económica, política e cultural, mas eram sempre entidades colectivas. As diferenças enunciadas eram motivadas tanto pelo meio geográfico onde estão inseridos, como pela aproximação ao regime senhorial que se pôde observar em alguns casos e também pela influência do islamismo. Convém também referir que o território do Concelho tinha duas expressões: o núcleo, representado pela Vila, pela cidade ou pela aldeia, e o Termo, que era todo o território em redor, essencialmente constituído por zonas agrícolas, onde residia a comunidade de vizinhos e alguma nobreza local inferior à do centro. Por
último, é de salientar que foi através dos Concelhos que os monarcas iniciaram o seu processo de centralização de poder, isto é, um processo que desfragmentou a malha de relações de poder e progressivamente a colocava sob o jugo real.

Na perspetiva de um monarca, a malha concelhia funcionava como um útil auxiliar na proteção e manutenção das cidades conquistadas para sul, garantindo o fornecimento de recursos e impostos que financiavam a guerra. Por esse motivo os concelhos concentraram-se assim em zonas estratégicas e em função da necessidade de definir o território. Em cada reinado, foram diferentes as regiões, no quadrante geográfico português, que receberam forais, mecanismos que começaram por apenas delimitar os direitos e obrigações das comunidades para com o monarca. Também os impostos cobrados aos concelhos, ou tributos, eram a forma do poder vigente afirmar-se sobre o do concelho, gerando uma espécie de relação de monopólio sobre os rendimentos e produtos do poder local. Eram ainda os oficiais régios que os recolhiam, havendo assim uma imiscuição da presença central nos assuntos locais. Aliás, os concelhos produziam e o rei beneficiava o seu crescimento, porém, sem os fazer crescer de forma a que lhe constituíssem concorrência, conforme aconteceu com os senhorios laicos e eclesiásticos.

Bibliografia
Coelho, M. H. da C. & Homem, A. L. de C. (1996). As bases da administração local. In Serrão, J. e Marques, A. H. de O. (Dir.), Portugal em Definição de Fronteiras (1096-1325). Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV (pp.541-583). Lisboa, Portugal: Editorial Presença.
Mattoso, J. (1997). A Sociedade Feudal e Senhorial. In Mattoso, J., História de Portugal. A monarquia feudal (1096-1480) (p.141-168). Vol. 2. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa.
Mattoso, J. (1997). Os Concelhos. In Mattoso, J., História de Portugal. A monarquia feudal (1096-1480) (p.169-197). Vol. 2. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa.
Mattoso, J. (1997). A Consolidação da Monarquia e da Unidade Política. In Mattoso, J., História de Portugal. A monarquia feudal (1096-1480) (p.221-247). Vol. 2. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa.

Imagem D.R. Retirada de British Library: https://www.bl.uk/catalogues/illuminatedmanuscripts/ILLUMIN.ASP?Size=mid&IllID=52090

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