Artigo em coautoria com:
Professora Doutora Cristina Vaz de Almeida
Professor Doutor Eduardo Manuel de Almeida Leite
Professor Doutorando Fabrizio Vecchio
Nos passados dias 3 e 4 de fevereiro do presente ano, decorreu em formato híbrido a 2ª edição do “THINK+ – International Conference on Tourism, Teaching and Technology”, uma organização ISAL, com o apoio da Instituto Ibero-americano de Compliance e a Ponteditora. Ao longo desses dois dias foram debatidos vários temas, no âmbito da conferência, salientando-se a sessão subordinada ao tema “Ensino e Tecnologia”.
A educação é, e será, um setor fundamental ao desenvolvimento de qualquer sociedade. Há muito que se falava de e-learning, b-learning, entre outras formas complementares do ensino presencial, mas, na prática, pouco se usavam estas ferramentas. Todavia, a pandemia colocou, definitivamente, estas metodologias de ensino na agenda da atualidade. Obviamente, se queremos preparar as novas mentes para o futuro, devemos antecipar os trajetos, as competências, as atuais e futuras profissões, muitas ainda por desvendar. Com efeito, a tecnologia está integrada no dia a dia das pessoas, transversalmente a todas as áreas da sociedade, incluindo a educação. Assim, é difícil pensar educação desligada da tecnologia. Com efeito, se a adoção de meios tecnológicos nas salas de aula estava a ser feito de forma gradual, a pandemia mundial (Organização Mundial de Saúde, 2020) veio precipitar de forma acentuada essa passagem (Campanella and Sardinha, 2021). Perante o dilema de escolas fechadas e lockdowns generalizados, as tecnologias foram a solução para quebrar o isolamento. De imediato, surgiram alternativas para não comprometer o futuro, suscitando novas questões sobre métodos de avaliação, perspetiva de docentes ou mesmo desigualdades sociais (Guangul et al., 2020; Marshall, Shannon and Love, 2020; Sahlberg, 2020).
Começo a nossa conversa com a primeira questão. “Não se pode olhar para o futuro sem reconhecer o passado. A atual sociedade é a soma das várias experiências, tradições, costumes e aprendizagens vividas e transmitidos entre gerações. Todos nós, pela nossa natureza, nos adaptamos e evoluímos. É na renovação que há inovação, disrupção.” (Campanella and Sardinha, 2018).
Nos últimos dois anos vimos o número de soluções apresentadas pelas empresas de tecnologia a aumentar, como por exemplo, Microsoft teams, Google class rooms, entre outros. A verdade é que tudo isto só foi possível com o uso da internet. Se é verdade que estamos a voltar, gradualmente ao presencial, também é verdade que o ensino remoto será parte integrante e para isso a internet deve continuar presente e melhorar: mais rápida, sem falhas e fiável. Hoje em dia apela-se muito ao 5g e as ilimitadas possibilidades do seu uso em sala de aula.
Salientamos a importância da digitalização do ensino, o governo português destinou 500 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência a este setor. Governo propõe “criar condições para a inovação educativa e pedagógica através do desenvolvimento de competências em tecnologias digitais, da sua integração transversal nas diferentes áreas curriculares e da modernização do sistema educativo português”. O PRR aponta, ainda, à criação de “núcleos de inovação educacional” na Madeira, com o objetivo de “disponibilizar ferramentas ou equipamentos que possibilitem diferentes graus de sofisticação de aplicações tecnológicas e que permitam a aprendizagem de conteúdos educativos relacionados com as ciências, tecnologia, engenharia, eletrónica, matemática, artes, línguas e humanidades” e “que estimulam a aprendizagem através da resolução de problemas”. Não só serão adquiridos terminais tecnológicos, como também serão criados laboratórios de Educação Digital (Governo de Portugal, 2020).
Não obstante da notória evolução por vezes surge a reflexão: iremos chegar ao dia em que queremos humanos a procurar pensar e agir como instrumentos mecanizados e por outro lado as máquinas procuraram ter emoções e racionalizar as disposições do meio em que se insere numa perspetiva humana?
No entanto, temos situações em que esta questão não se coloca visto utilizarem ambas as realidades como complementares e não antagónicas. Se olharmos para a Finlândia, um país que pretende ser referência em termos de Ensino, principalmente no que toca à Inteligência Artificial, o ensino descentralizado é uma realidade há vários anos. Helsínquia usa a IA, em colaboração com a Microsoft. Os dados gerados podem ser os mais variados: quais exercícios que alunos estão a fazer, quanto tempo demoram para os fazer, temperatura da sala ou luminosidade. É possível olhar para cada aluno de forma individualizada definindo um percurso personalizado, a verdadeira personalização do ensino (Microsoft, 2018).
Devemos então equacionar: como preparar as gerações vindouras. Se em tempos era valorizado as competências técnico-científicas dos profissionais, presentemente verifica-se uma valorização das competências transversais, as denominadas softskills.
A Microsoft, num relatório denominado “A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: A tecnologia indispensável” refere que 30ª 40% dos empregos irão exigir habilidades socio emocionais. Contudo menos de 50% dos estudantes estarão preparados para os trabalhos com maior crescimento. A Educação é um dos setores que irá precisar de mais profissionais e apontam a personalização como essencial à aprendizagem. Não é possível ter um professor por aluno, mas a tecnologia irá permitir ganhar tempo e saber melhor o que cada aluno precisa (Microsoft, 2018).
Termino com uma pequena reflexão de Campanella and Sardinha (2018):
“Deve-se ressalvar neste ponto, que apesar da postura camaleónica das instituições de ensino superior perante o tema, não se deve de todo, demarcar a responsabilidade social, nomeadamente das famílias no apoio e desenvolvimento da capacidade intelectual. Qualquer desenvolvimento cognitivo de um aluno traduz-se numa realidade multidimensional que se consubstancia no desenvolvimento da capacidade intelectual própria.
Estamos a entrar numa nova época disruptiva, começar um novo capítulo da história do ser humano. O investimento estratégico em novos mercados como o das energias renováveis, o desenvolvimento do intelecto artificial, a otimização dos processos, a globalização e exploração extraplanetária são os elementos necessários para começar uma nova era. Como se referiu no início, não podemos olhar para o futuro sem reconhecer o passado. Estamos em constante aprendizagem e evolução. Resta-nos estar preparados para tal. Devemos instruir para o futuro, hoje.”
Foi fundamentado nestes pressupostos que os oradores foram instigados a apresentar uma reflexão que permitisse levantar dúvidas e respostas às seguintes questões:
- Da tecnologia nas salas de aulas à tecnologia durante e pós pandemia: aprendizagens, benefícios e riscos
- A tecnologia e o desenvolvimento de competências: inclusão das competências transversais (softskills)
- A Inteligência Artificial e o sucesso escolar: complementaridade ou substituição
- Perspetivas futuras
A sessão “Ensino e Tecnologia” teve uma duração de 60 minutos e contou com os seguintes elementos:
Cristina Vaz de Almeida (Oradora) é professora doutora, PhD em Ciências da Comunicação, com especialidade em Literacia em Saúde, co-diretora da Pós-graduação de Literacia em Saúde do ISPA e Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde. Editora-Chefe do Jornal Investigação Médica; Mestre em Comunicação em e-learning, em Marketing e em Psicologia Positiva, é Licenciada em Direito.
Eduardo Leite (Orador) é Vice-Presidente da Escola Superior de Tecnologias e Gestão da Universidade da Madeira, onde é também professor adjunto e investigador integrado do CITUR. PhD em Gestão, desenvolve investigação nas áreas do Turismo, Gestão, empreendedorismo e Inovação. É colunista do Jornal Económico. Conta com inúmeras publicações científicas em revistas nacionais e internacionais.
Fabrizio Bon Vecchio (Orador), advogado, doutorando em Ciências Jurídicas pela UCA, presidente do Instituto Ibero-americano de Compliance e da Comissão Nacional de Proteção de Dados e Novas Tecnologias da Associação Brasileira de Advogados, professor universitário licenciado em Direito e em Finanças, mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Unisinos e especialista em Compliance, Direito Tributario e Direito Constitucional.
Luís Sardinha (moderador) é doutorando em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade dos Açores. É formador nas áreas de gestão e contabilidade, coordenador-geral da Ponteditora, editor-adjunto da revista científica e3 e TSDT.
A sessão teve início com apresentação da doutora Cristina, denominada ” visão geral sobre presente e futuro Educação e da literacia “, a qual deu a mote para a troca de opiniões.
Apresenta-se um breve apanhado das principais conclusões de cada orador.
Cristina Vaz de Almeida, (PhD), Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, Segundo a UNESCO (2021) “A educação será o centro das atenções nas Nações Unidas em 2022”. Foi na Declaração de Paris, a 29 de novembro 2021, que o Grupo de Amigos pela Educação e Aprendizagem ao Longo da Vida (UNESCO, 2021) apelou para o aumento o investimento em educação após a crise do COVID-19, necessário para o futuro da humanidade e do planeta. Este grupo defende a necessidade de fomento de um ‘amplo movimento global para um processo de diálogo social democrático, inclusivo e profundo sobre o futuro da educação”.
Todavia, enquanto as necessidades de habilidades manuais, físicas e as cognitivas básicas tenderão a diminuir, observar-se-á, segundo as previsões da Mckinsey (2021), um incremento de procura por habilidades tecnológicas, sociais e emocionais e cognitivas superiores aumentar.
Verificamos que este choque causado pela pandemia do COVID-19 tem efeitos nos sistemas educacionais globais. Dedo com a UNESCO, sendo preciso uma centralidade da educação para todos os objetivos de desenvolvimento sustentável na ONU, em particular para o ODS4, integrando na educação as questões como paz, mudanças climáticas e digitalização.
Por outro lado, tanto professores, como alunos precisam de aprofundar os conhecimentos digitais, para perceber e navegar melhor no ambiente digital; ter mais conexões sociais; saber usar de forma melhorada as emoções no online, evitando discursos violentos e raciais por exemplo. Tudo isto nos leva a pensar com mais cuidado. Estamos no auge do desenvolvimento das competências transversais (softskills), as que são intrapessoais como a auto liderança; empatia; inspirar confiança; ter visão inspiradora; humildade; sociabilidade; empatia; criatividade; persistência; saber estar online (respeito e combate ás fakenews). No âmbito das competências interpessoais destacam-se também a efetividade de trabalho de grupo; a importância de entender e acelerar a inclusão; a motivação de diferentes personalidades; saber resolver conflitos; o coaching com empoderamento; a consciência organizacional, apesar da distância; saber desenvolver relações empáticas, duradouras e de confiança; sermos mais mobilizadores na educação; e usar estratégias de motivação para o digital. Esta é na verdade uma visão holística e humanizadora que busca a complementaridade, com humanização da educação, mas que exige fluência digital, cidadania é princípios éticos de respeito pela confidencialidade das pessoas e dos seus dados.
Adivinham-se nas perspetivas futuras, e indo ao encontro das projeções feitas no Dia Internacional da Educação 2022, nas celebrações em Nova Iorque (24 janeiro 2022) que: 1) Há necessidade urgente de restabelecer o equilíbrio das relações, entre as pessoas e com a natureza e a tecnologia; 2) A educação é essencial para preparar o caminho para uma maior justiça e sustentabilidade; 3) É preciso mudar o paradigma do professor sabedor e passar a ouvir as vozes dos estudantes sobre as mudanças e inovações. Isto significa reorientar os cursos para as necessidades do futuro e perspetivar o que os jovens de hoje desejam aprender e trabalhar no futuro.
Para Eduardo Leite, vivemos momentos de incerteza quanto ao futuro, assenta no triplo-pós: pós-capitalismo, pós-trabalho e pós-presencial, tanto no trabalho, como no ensino. No entanto, acrescenta que está a ser muito difícil fazer essa transição para uma nova realidade, quase que parece mais fácil acabar com o mundo do que pôr fim ao capitalismo.
De facto, ouvimos reiteradamente pedir o retorno ao normal. Contudo, foi esse normal que conduziu ao estado atual das coisas, aquilo que os geólogos chamam de Antropoceno, que se caracteriza por uma agressão sem limites da natureza, um aumento significativo da população e consequente aumento desenfreado do consumo, perante um cenário de escassez de quase todos os recursos,
Acresce que a tecnologia traz inúmeras vantagens, mas tem um preço elevado no emprego.
Por fim, concluiu que a pandemia, à despeito de seu efeito nefasto e devastador, possibilitou a transformação e a consolidação de novas tecnologias que já vinham sendo testadas.
Com efeito, de acordo com o The Next Era of Human-Machine Partnerships, desenvolvido pelo Dell Institute for the Future, em 2017, em consequência do desenvolvimento tecnológico, até 2030, aproximadamente 85% das profissões serão novas, o que significa que presentemente ainda não foram inventadas ou criadas, pelo que poderão ser direcionadas para o fim.
De resto, Keynes já havia previsto isto, considerando que devido ao progresso tecnológico, a jornada média de trabalho seria de apenas três horas até 2030.
Neste quadro, a educação, particularmente o ensino superior tem um grande desafio: preparar os jovens para uma nova realidade, que ninguém sabe ainda bem qual é, sendo certo que não será mais como anteriormente.
Com segurança, podemos dizer que entramos definitivamente em uma outra etapa do ensino, onde as aulas, se não ocorrerem totalmente à distância, se darão de forma híbrida, de modo a facilitar o acesso e de democratizar o setor educacional. Professores dos mais diversos lugares do mundo já lecionam sem limitações geográficas, causando uma revolução no sentido de redução de custos e de tempo de deslocamento.
O certo é que não voltaremos ao que era antes do início da pandemia do SARS-COV-2, pois os novos modelos se apresentam cada vez mais estáveis e eficientes e de rápida implementação.
Bibliografia:
Campanella, S. and Sardinha, L. (2021) ‘O efeito da COVID-19 na estratégia de uma instituição de ensino superior: estudo caso’, E3 – Revista de Economia, Empresas e Empreendedorismo na CPLP, 7(1), pp. 28–51. doi: 10.29073/e3.v7i1.357.
Campanella, S. and Sardinha, L. F. (2018) ‘“Instruir para o futuro, hoje.” – A Pátria’, APátria. Available at: https://apatria.org/educacao/instruir-para-o-futuro-hoje/ (Accessed: 8 February 2022).
Governo de Portugal (2020) Plano de Recuperação e Resilência. Available at: https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNDAzNgMAAfd%2FsQUAAAA%3D (Accessed: 30 January 2022).
Guangul, F. M. et al. (2020) ‘Challenges of remote assessment in higher education in the context of COVID-19: a case study of Middle East College’, Educational Assessment, Evaluation and Accountability. doi: 10.1007/s11092-020-09340-w.
Marshall, D. T., Shannon, D. M. and Love, S. M. (2020) ‘How teachers experienced the COVID-19 transition to remote instruction’, Phi Delta Kappan, 102(3), pp. 46–50. doi: 10.1177/0031721720970702.
Microsoft (2018) A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: A tecnologia indispensável. Available at: https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-382/images/PT-BR-CNTNT-Whitepaper-Education-Class-of-2030-report.pdf (Accessed: 30 January 2022).
Organização Mundial de Saúde (2020) Coronavirus disease (COVID-19). Available at: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/coronavirus-disease-covid-19 (Accessed: 6 November 2020).
Sahlberg, P. (2020) ‘Does the pandemic help us make education more equitable?’, Educational Research for Policy and Practice. doi: 10.1007/s10671-020-09284-4.
Foto de capa: by Pixabay