“Eu sou o silêncio que tu não compreendes”, ou da importância de mencionar aquilo que está lá, diante de nossos olhos, mas há quem queira ignorar ou refutar…


Convém recomendar um filme extraordinário, a estréia de uma cineasta negra na direção de longas-metragens, que, por um determinado motivo, é sobremaneira ignorado nos estudos convencionais sobre cinema: além de ser esplendoroso, “Filhas do Pó” (1991, de Julie Dash) chama a atenção pela maneira inteligente com que constrói a sua narrativa, concatenando diversas situações geracionais através de tramas que refutam a teleologia clássica. As corajosas atitudes das mulheres da família Peazant ocorrem de maneira simultânea, ainda que em diferentes temporalidades.
“Por que utilizar um código antigo para espelhar algo novo?” (ou “o ano termina, e começa outra vez”…)


Repetindo o mesmo procedimento do já clássico filme de 1999, Neo encontra Morpheus, ingere a pílula vermelha e desperta em seu casulo humano, no centro da enorme colméia de alimentação maquínica. Diferentemente da situação anterior, seu corpo não parece irremediavelmente atrofiado e ele consegue movimentar-se com certa desenvoltura, inclusive percebendo que sua amada Trinity (Carrie Anne-Moss) jaz poucos casulos abaixo do seu. É resgatado por algumas máquinas do bem – sim, agora elas existem! – e levado a uma colônia de rebeldes, onde os eventos do segundo e terceiro filmes são repetidos. Por mais que se tente simular algum perigo irreversível, é tudo previsível na condução da narrativa: alguém exclama “precisamos de um milagre” – e é óbvio que ele ocorrerá!
“Quando meu pai morreu, eu não queria nada além da felicidade de mamãe”, ou a masculinidade enquanto promessa de violência!


Neste seu mais recente filme, adaptado de um romance de Thomas Savage publicado em 1967, a diretora opera uma guinada centrípeta, de modo que as ações dos personagens – ou, mais precisamente de um coadjuvante que revela-se o imperioso protagonista, ao assumir-se como narrador – são direcionadas à apropriação do ambiente doméstico, numa imponente fazenda de Montana, em 1925. Devido à sua extrema habilidade e à percuciência no desenvolvimento das relações entre os personagens, Jane Campion recebeu o prêmio de Melhor Direção no Festival Internacional de Cinema de Veneza, além de tornar “Ataque dos Cães” (2021) um dos filmes favoritos dos cinéfilos neste ano.
“Homens não costumam usar o banheiro em bares” (e/ou tergiversações sobrevivenciais do gênero)


Criada, protagonizada e eventualmente dirigida por Michaela Coel, a telessérie “I May Destroy You” (2020) é genial pelo modo como serve-se de estratagemas editoriais para falar sobre traumas de estupros e/ou vice-versa: a catarse convertida em narrativa(s) destaca-se pela pluralidade de leituras e pelas aberturas ao enfrentamento não dogmático (apesar das aparências em contrário). Trata-se de uma poderosa aula de autocrítica identitária, temperada com o mais urgente dos feminismos, o racial!