“…E o rio, como qualquer ser vivo, também pode morrer”: ou de como pesquisas acadêmicas são importantes, mas não se configuram automaticamente em estética cinematográfica de resistência!

É motivo de grande noticiabilidade que o documentário em longa-metragem “Velho Chico, a Alma do Povo Xokó” (2024, de Caco Souza) tenha sido selecionado para uma das mostras competitivas da quinquagésima segunda edição do Festival de Cinema de Gramado. O orgulho sentido pelos sergipanos quanto a esta indicação, entretanto, não deve olvidar uma série de problemas constitutivos em relação à feitura do filme em pauta…

“Nós somos de gerações diferentes: eu amo Caetano Veloso; ele ama Taylor Swift”: a subjetividade enquanto voto suprapartidário

Contando com o subtítulo “A Frágil e Catastrófica Masculinidade de Bolsonaro”, este documentário é, na verdade, um relato sobre as experiências íntimas do realizador em relação à assunção de sua própria homossexualidade. A narração em tom merencório possui crucial importância na organização dos efeitos emocionais que desejam ser imputados no espectador. Porém, além da dicotomia genérica entre esquerda X direita, há outra bem maior nas entrelinhas de cada situação analisada: as conotações classistas, ainda que os embates inevitáveis entre ricos e pobres pareçam oportunamente escamoteados pelas alegadas boas intenções do diretor…

Documentário sobre o Caminho da Geira galardoado em festival de cinema na Alemanha

O documentário “O Meu Caminho”, do realizador Pedro Gil Vasconcelos, venceu a categoria de Melhor Documentário de Fé & Religião na edição de agosto do New Wave Short Film Festival, em Munique, na Alemanha. Este festival pretende criar oportunidades para cineastas emergentes, apoiando e destacando mensalmente curtas-metragens de baixo orçamento que produzem novas experiências e […]

“Muito pior é a monocultura de mentes, com a propaganda como agrotóxico!” (a propósito de mais um documentário)

A TV Globo esforça-se para obnubilar a perseguição que desferiu contra o líder do Partido dos Trabalhadores, novamente concorrendo à presidência do Brasil. Numa entrevista ocorrida em 25 de agosto de 2022, no “Jornal Nacional”, quiçá o noticiário televisivo mais influente do país, foi difundido que o ex-presidente não está em débito com a Justiça Brasileira. E é nesse contexto que “A Fantástica Fábrica de Golpes” (2022 , de Valnei Nunes & Victor Fraga) é lançado!

Galeria Anjos Teixeira homenageia Saramago com exibição do documentário “José e Pilar”

No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, o Centro Cultural e Galeria Anjos Teixeira, no Funchal, exibiu na passada quinta-feira, dia 25 de agosto, pelas 19h00, o documentário “José e Pilar” (2010). Importa recordar que esta sessão integra o conjunto de iniciativas intituladas “Palavra Resistente. Com Saramago”. De acordo com nota […]

“Sem Carnaval, não se pode reiniciar a vida cotidiana”, ou uma tentativa de (re)afirmar-se, para além da polarização político-partidária

A extrema-direita segue disseminando-se em vários países, na contemporaneidade. E, de forma tão discreta quanto intensiva, é isso que percebemos nas entrelinhas do documentário “Terminal Norte” (2021, de Lucrecia Martel), através do viés exaltador que salta aos ouvidos na música de resistência composta e cantada pelas personagens escolhidas pela diretora, que demonstram-se contestatórias pela simples existência!

… e se te disserem que desgostas dos filmes de Oscar Micheaux porque foste condicionado para tal?

Após trabalhar como carregador de trens, onde interagia com passageiros ricos e brancos, Oscar Micheaux foi exitoso na aquisição de alguns bilhetes que loteria que garantiram-lhe alguns lotes de terra no Estado norte-americano de Dakota do Sul. Logo estava publicando seus próprios romances e iniciando a realização de filmes mudos, entre eles “Dentro de Nossos Portões” (1920). Os embates raciais eram evidentes em seus enredos, mas ele também ousava tematizar as traições cometidas por determinados membros das comunidades negras, como ocorre com o protagonista de “Corpo e Alma” (1925), um presidiário em fuga que finge ser um reverendo, a fim de usurpar o dinheiro dos fiéis. Trata-se de um de seus melhores filmes, inclusive.

“Contra o ‘terror branco’, responderemos com o ‘terror vermelho’”/ “Na Rússia, tudo de importante é decidido em Moscou”: entre uma e outra frase, mais de cem anos!

Apesar de serem produzidos em circunstâncias absolutamente distintas, os filmes aqui analisados possuem uma condução histórico-narrativa que flerta com a linguagem jornalística. Se a produção vertoviana é um predecessor do que veio a ser conhecido como cinejornalismo, o outro documentário assume isso de maneira explícita, visto que é produzido pelo canal televisivo norte-americano CNN. Nos dois casos, deparamo-nos com estratégias propagandísticas, que visam à legitimação do que é proferido por seus personagens reais.

E quando o pretenso discurso antipropagandístico é também propagandístico, o que a gente faz? [observação: tudo o que fazemos é político!]

Fingindo ser uma realização norte-coreana contrabandeada internacionalmente, “Propaganda” (2012, de Slavko Martinov) serve-se de vasto material de arquivo para expor as limitações democrático-midiáticas ocidentais, a partir de uma crítica incisiva ao modelo imperialista de dominação cultural estadunidense. A fim de hipertrofiar o seu charme denuncista, não há créditos internos, de maneira que o mito da difusão clandestina da produção é reiterado…

“Quando eu paro de pensar no futuro, eu volto ao presente”: sobre as verdades que precisam ser vistas, ouvidas e sentidas!

Quem pôde participar da conferência de imprensa que anunciou a programação do festival É Tudo Verdade, assistiu em primeira mão a “Diários de Mianmar” (2022), documentário creditado ao Coletivo Cinematográfico de Mianmar (antiga Birmânia), e que foi recentemente premiado no Festival Internacional de Cinema de Berlim. A opção pela ausência de créditos individuais tem a ver com as perseguições sofridas por quem ousa documentar os abusos de poder cometidos pelo general Min Aung Hlaing, que tomou definitivamente o poder no país, através de um golpe de estado, em 01 de fevereiro de 2021.

Mais um documentário sobre a tênue linha midiática entre o sucesso e os traumas noticiosos de assédio sexual: qual é a verdadeira polêmica?

Lançado com compreensível estardalhaço no Festival de Cinema Independente de Sundance, o documentário sueco “O Menino Mais Bonito do Mundo” (2021, de Kristina Lindström & Kristian Petri) trouxe novamente à tona o assédio internacional envolvendo Björn Andrésen, que, aos quinze anos de idade, protagonizou o clássico “Morte em Veneza” (1971, de Luchino Visconti), no qual um pianista de meia-idade fica obsessivamente apaixonado por ele. Por mais que o enredo aborde um tipo de envolvimento estético que não envereda pela sexualidade – com base numa novela homônima do escritor Thomas Mann –, há quem considere o filme imoral, por estimular a hebefilia. Infelizmente, é o que os diretores do documentário fazem desde o início…

Tu já viste algum filme da cineasta Esfir Shub? Se não, sabes o porquê?

No livro “Introdução ao Documentário”, de Bill Nichols, a diretora e montadora é entusiasticamente citada, como uma representante mui laudatória do que o autor chama de “documentário expositivo”, que seria aquele tipo de filme que “agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa do que estética ou política”. Não por acaso, houve quem rejeitasse o tipo de filme realizado por Esfir Shub, em razão de seu viés ostensivamente propagandístico. ..

Em defesa do documentário: “quando a imprensa se curva perante as autoridades, estas tratam mal os cidadãos”!

Dentre os títulos elegíveis para indicações ao Oscar 2021, o filme romeno “Colectiv” (2019, de Alexander Nanau) desponta como um dos favoritos às categorias Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional. Além de ter recebido um dos principais prêmios no 25° Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, em 2020, recebeu mais uma vintena de láureas em festivais cinematográficos ao redor do mundo, além de variegadas indicações. É, desde já, um dos exemplares mais importantes do gênero neste início de século XXI…

A repetição na arte enquanto artifício político: homenageemos Paula Gaitán!

Além dos novos curtas e longas-metragens de uma geração mui recente de cineastas, há, nesta edição virtual de 2021 da Mostra Tiradentes, uma seleção de filmes destinada a homenagear a cineasta franco-colombiana Paula Gaitán, cuja filmografia condiz perfeitamente com aquilo que é apregoado pelos curadores da Mostra. Francis Vogner dos Reis, o coordenador curatorial da edição deste ano, refere-se costumeiramente a ela como instauradora de processos fílmicos que são contingenciais e intuitivos. São filmes que enfatizam justamente o processo, portanto, que não esgotam-se na filmagem ou posterior expectação. Requerem debate – e carecem disso para que funcionem efetivamente!

Laudo sobre 2020: resistir vai além das “estratégias étnicas para geração de renda”…

Ainda que evite os cacoetes de narrativização (não há qualquer clímax conflitivo em “City Hall”, por exemplo), o modo como Frederick Wiseman monta as suas obras faz com que a fruição do espectador assemelhe-se à percepção ficcional: a rotina da instituição em pauta (a prefeitura) é organizada de forma aparentemente linear, de modo que há um entrecho a desenvolver-se diante de nossos olhos. No caso, a História, com H maiúsculo!

“Eu não estou conseguindo fazer filmes. Por isso, volto a mim mesmo”: não é um documentário, é um drama. Não se excluem, aliás!

Obcecado tematicamente por uma espécie de redenção romântica/sexual que advém de uma via-crúcis sadomasoquista, Kim Ki-Duk iniciou tardiamente as suas atividades cinematográficas, sem ter estudado especificamente para isso, aos 36 anos de idade, com o longa-metragem “Crocodilo” (1996). Nos anos seguintes, converteu-se num cineasta deveras prolífico, às vezes realizando mais de um filme por ano, entre eles, os mui elogiáveis “A Ilha” (2000), “Endereço Desconhecido” (2001) e “Casa Vazia” (2004). Tornou-se igualmente amado e odiado pelos críticos. Até acontecer o acidente que desencadeou a sua renascença pessoal e artística, via “Arirang”. É sobre este filme que falaremos a partir de agora…

“Quando nasce um filme? Às vezes, ele nasce de uma sentença de morte!”

Após estrear no Festival Internacional de Cinema de Veneza, “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” (2019, de Bárbara Paz) recebeu o prêmio de Melhor Documentário e um prêmio especial da Crítica Independente, iniciando assim a sua carreira de láureas. Ao ser escolhido pelo Comitê de Seleção da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais como o representante para a possível indicação ao Oscar de Melhor Internacional em 2021, houve certa celeuma em razão de tratar-se de um documentário, gênero que alguns temem que não seja suficientemente popular (na acepção industrial do termo)…

“O povo não vai embora!”: o testamento combativo de um gênio terceiro-mundista

No dia 06 de novembro de 2020, aos 84 anos de idade, Pino Solanas falece, em decorrência de complicações do CoronaVírus, na capital francesa, Paris. Em seu país, a quantidade de casos e mortos aumenta de forma acachapante, por causa da segunda onda da doença. O mundo atual confirma a impressão de “genocídio neoliberal” que o cineasta diagnosticou em vários de seus filmes, incluindo o recente documentário “Memórias do Saque” (2004). É acerca deste filme que deteremo-nos daqui por diante…

“Sabe por que a cocaína é proibida no Brasil?” O filme como um contra-exemplo

Abordar as variáveis – tramáticas ou documentais – referentes às drogas é, uma questão muito delicada, em razão da tendência quase inevitável à criminalização. Sendo assim, o filme “Cracolândia” (2020, de Edu Felistoque) acrescenta alguns aspectos mui problemáticos a esta reflexão. Inclusive, porque uma breve análise da filmografia do diretor faz com que temamos aquilo que confirmar-se-á no primeiro instante: é um filme que escolhe a abordagem policialesca, a defesa das táticas de choque como necessidade emergencial de intervenção!