“Ela morreu bem velhinha, mas lúcida — e ainda contava histórias”… (uma resenha ensaística)


Chamamos a atenção para a produção sergipana “Donas da Terra” (2025, de Ana Marinho), que dá continuidade àquilo que foi mostrado em “Velho Chico, a Alma do Povo Xokó” (2024, de Caco Souza), que concorreu no Festival de Cinema de Gramado, em 2024. Neste filme, fala-se sobre a perene luta dos indígenas que vivem na Ilha de São Pedro, no município de Porto da Folha, localizado em Sergipe, menor Estado do Brasil, onde vivem os habitantes do povo Xokó, infelizmente negados, por muito tempo, em seu direito elementar à identidade e à terra nativa. Neste curta-metragem, acompanhamos os depoimentos de mulheres que, segundo a sinopse, “ao retornarem às lembranças do período de lutas pelo território indígena Xokó, (…) destacam na narrativa coletiva novos personagens”.
“Alguém tem que ficar e varrer isso daqui”: ainda sobre curtas-metragens e festivais!


Retomando a musicalidade que já adotara no extraordinário “Fantasma Neon” (2021, Premiado no Festival Internacional de Cinema de Locarno, entre outros) e em “Pássaro Memória” (2023), o carioca Leonardo Martinelli emociona-nos ao contar a história de um gari que não conseguiu uma troca de turno durante o Carnaval, já que ele queria acompanhar o desfile de blocos, pois isso faz com que ele relembre uma irmã falecida, que amava esta festividade. Numa interessante imbricação entre delírio e memória, este personagem, de nome Ângelo (Alexandre Amador), encontra um garotinho – também batizado com seu nome (interpretado por Miguel Leonardo), que pode ser ele na infância – que segura um livro, e tem a intenção de devolvê-lo. É a deixa para uma apaixonante execução coletiva da canção “Drão”, de Gilberto Gil, que faz uma participação especial no filme.
“Subindo o altar do cinema”, ou de como curtas-metragens podem ser transformadores!


Um trabalho que se destaca na seleção do Kinoforum deste ano é o mais recente curta-metragem do paulistano Lincoln Péricles (LK), cineasta deveras apreciado por Jean-Claude Bernardet, “Filme sem Querer” (2025), que, de maneira espontânea, aborda os sonhos de três jovens que passam a estudar técnicas audiovisuais, graças ao Instituto Levando Cinema, e realizam um filme sobre aquilo que desejam, sobre aquilo que aprenderam, sobre aquilo que são… Todos eles esperam conseguir uma residência melhor para as suas respectivas famílias e sentem orgulho das gírias características que eles falam. Para tal, têm esperança de serem contemplados por editais públicos, que financiem as suas histórias sobre vivências periféricas.
A cada novo festival, a repetição do mantra: “curta-metragem também é filme – e muito, muito bom”!


Em suas listas de final de ano, alguns críticos chegam a estabelecer categorias distintas para a divulgação dos filmes favoritos, de modo que os curtas-metragens são elencados separadamente, o que contribui para a manutenção do estigma que estas produções ainda enfrentam por parte do grande público: quantos filmes de curta-metragem (ou seja, até trinta minutos de duração), tu já viste numa sessão comercial de cinema?
Cinemas fechados, portais de ‘streaming’ abertos: há platéias “não-sociais”?


Ao assistirmos aos filmes, programas, concertos e até mesmo experiências sexuais midiaticamente transmitidas na solidão de nossos ambientes receptivos, nossas apreciações passam a ser atravessadas por esta mesma solidão sustentacular. E o cansaço é instalado enquanto conseqüência da saturação daquilo que se ama. Confirma-se assim o laudo do filósofo italiano Umberto Eco [1932-2016]: “excesso de informação provoca amnésia”.
