“A vida real é o melhor dos mundos”, diz-se no começo de um curioso filme português — e é também o que se constata ao final!


Tomando-se como ponto de partida referencial um terremoto que destruiu Lisboa, em 1755, o roteiro desta obra – escrito pela própria diretora, em comunhão com o brasileiro João Cândido Zacharias – apresenta-nos a Marta (Sara Barros Leitão), uma professora universitária que é também pesquisadora numa equipe de sismologia. Estamos em 2027, e ela evita conversar com seus alunos fora do ambiente acadêmico, preservando um distanciamento estrito entre a sua vida pessoal e a sua vida profissional. Porém, ela envolve-se romanticamente com um colega de equipe, Miguel (Miguel Nunes), que luta para driblar o rigor excludente de sua amante, que não permite sequer que ele traga a sua escova de dentes para a casa dela.
“Dinheiro, eles têm. Mas bonitos, não são, não!”: afinal, a privatização enfeia!


Em 2014, a cineasta alagoana Nara Normande e o realizador pernambucano Tião realizaram um curta-metragem extraordinário, chamado “Sem Coração”, no qual um garoto de classe média, em férias numa praia paradisíaca, conhece uma garota apelidada daquela maneira, que se dispõe a ter experiências sexuais com os meninos que a ofendem diariamente. Nove anos depois, os diretores expandiram essa trama, acrescentando novos personagens e contando com a eloqüente presença de Eduarda Samara como a personagem-título, mais uma vez.
A simplicidade orquestrada da beleza cotidiana: um triunfo do cinema mineiro


Voltando ao discurso emocionado de seu diretor – que é negro – um dos méritos mais altissonantes deste filme tem a ver justamente com o protagonismo racial defendido pelo realizador, naturalizado em sua grandiosidade corriqueira, em suas epifanias triviais. Grace Passô firma-se como uma das atrizes mais valiosas do cinema brasileiro contemporâneo.