É válida uma cobertura de festival baseada em apenas metade da programação vista? Por que torcemos por obras específicas em premiações?

Neste texto, comentamos algumas experiências vivenciadas na quinquagésima oitava edição do Festival de Cinema Brasileiro de Brasília, que ocorreu entre 12 e 20 de setembro de 2025. Esta última data corresponde à noite de premiação, em que serão conhecidos os filmes eleitos pelos jurados e público presente nas diversas seções competitivas do evento. Porém, a lista de laureados não esgota o interesse no que foi visto, pois quase uma centena de produções, entre curtas e longas-metragens, foi exibida na edição atual deste festival, vários deles em mostras paralelas e não competitivas.

“Alguém tem que ficar e varrer isso daqui”: ainda sobre curtas-metragens e festivais!

Retomando a musicalidade que já adotara no extraordinário “Fantasma Neon” (2021, Premiado no Festival Internacional de Cinema de Locarno, entre outros) e em “Pássaro Memória” (2023), o carioca Leonardo Martinelli emociona-nos ao contar a história de um gari que não conseguiu uma troca de turno durante o Carnaval, já que ele queria acompanhar o desfile de blocos, pois isso faz com que ele relembre uma irmã falecida, que amava esta festividade. Numa interessante imbricação entre delírio e memória, este personagem, de nome Ângelo (Alexandre Amador), encontra um garotinho – também batizado com seu nome (interpretado por Miguel Leonardo), que pode ser ele na infância – que segura um livro, e tem a intenção de devolvê-lo. É a deixa para uma apaixonante execução coletiva da canção “Drão”, de Gilberto Gil, que faz uma participação especial no filme.

“O que levou o comunismo ao fracasso foi a negação da religião”: afinal, todo mundo tem opinião!

Da maneira a que está habituada, Petra Costa preenche a sua narração com frases evasivas e/ou circunloquiais, declarando que está descobrindo relações a partir daquilo que ela apresenta, como se estivesse se surpreendendo, tanto quanto ela parece projetar no espectador. Para isso, ela não hesita em rebobinar uma determinada seqüência, a fim de esmiuçar movimentos cúmplices entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia, além de repetir frases e explicar sentenças que, por si só, são demasiado evidentes. Contrariando uma definição senso-comunal, Petra Costa não permite que seu documentário seja didático ou imparcial, e chega a ser repetitiva naquilo que pretende expor enquanto tese, partindo de um pressuposto deveras errôneo: ela refere-se aos evangélicos de maneira sempre coletiva, em bloco, negligenciando as distinções que ocorrem entre congregações e doutrinas.

“Eu não sou criança! Eu nunca fui, nem mesmo quando eu era…”: das dificuldades de se condensar mais de cinco décadas de vida em duas horas de filme!

Interpretado de maneira intensa pelo pernambucano Jesuíta Barbosa, que reproduz com estudada maestria alguns cacoetes oculares e corporais do artista, Ney Matogrosso é mostrado, em “Homem com H” (2025, de Esmir Filho), como alguém que sempre quis ser livre, a despeito da extrema repressão de seu pai militar, Antônio (Rômulo Braga). Na infância, Ney é comumente espancado, mas irrita o pai por não chorar durante as surras. Expulso de casa, ele alista-se na Aeronáutica, a fim de superá-lo num campo familiar, mas logo será descoberto por causa de seu timbre vocal tão agudo quanto insigne. E, de maneira um tanto evasiva, mas assertiva em seu poder de síntese, acompanhamos as diversas fases musicais deste magnífico intérprete…

Impacto da Dívida Pública na Taxa de Juro do Brasil

Em tempos de inflação persistentemente acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, no Brasil, a Taxa Básica de Juro tomou um rumo ascendente, que, depois de atingir a mínima histórica de 2% ao ano, no pandêmico 2020, já se aproxima de 15% ao ano agora, em 2025. Convenhamos tratar-se de um espaço de tempo […]

“Pr’eu te perdoar, tu precisas me pagar dez Reais. Eu não perdôo de graça, não!”: reflexão sobre uma perspectiva audiovisual contemporânea. A quem interessa isto?

Nos conteúdos transmitidos comumente pelo ‘youtuber’ Rafael Abreu, ele caminha pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, em plena madrugada, aventurando-se por lugares desertos e conversando com os transeuntes que encontra, além de interagir com as pessoas que comentam no ‘chat’ da transmissão. Como ele realiza essas transmissões com assiduidade – ao interpelar as pessoas, Rafael refere a si mesmo como “super famoso” –, as pessoas que comentam no ‘chat’ fazem constantes referências a situações anteriores, como um instante em que o ‘youtuber’ foi assaltado ao vivo. Qual o interesse do público por esse tipo de transmissão?

“A novela é uma ferramenta de transformação social”, lemos num folheto. Será que ainda procede?

Dirigido pelo mesmo realizador da ótima comédia “TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva” (2017), “A Vilã das Nove” (2024) conta a história de uma preparadora vocal chamada Roberta (Karina Teles, ótima como sempre) que, durante um passeio num aquário público com a sua filha Nara (Laura Pessoa), é chamada de Eugênia, por uma mulher que alega desconhecer. Ao ajudar um ator pernambucano (vivido por Rodrigo Garcia, que parece compartilhar um dilema que aconteceu consigo) a perder o seu sotaque característico, ela é convidada para a festa de lançamento de uma telenovela chamada “A Má Mãe”, e fica espantada ao acompanhar o enredo da mesma…

Divulgadores científicos mostram-se ignorantes em relação à religião

Há uma proliferação de influenciadores e divulgadores científicos brasileiros que estão numa cruzada contra aquilo que consideram práticas pseudocientíficas e também contra práticas religiosas supostamente danosas. Estes influenciadores tendem a ser extremamente pueris quando tratam da religião.

A cada novo festival, a repetição do mantra: “curta-metragem também é filme – e muito, muito bom”!

Em suas listas de final de ano, alguns críticos chegam a estabelecer categorias distintas para a divulgação dos filmes favoritos, de modo que os curtas-metragens são elencados separadamente, o que contribui para a manutenção do estigma que estas produções ainda enfrentam por parte do grande público: quantos filmes de curta-metragem (ou seja, até trinta minutos de duração), tu já viste numa sessão comercial de cinema?

“Liberem os homens e mulheres que existem dentro de vocês”: da importância de filmar a realidade e revelar as estrelas do dia a dia…

O documentário “Madeleine à Paris” (2024, de Liliane Mutti) documenta o cotidiano de Roberto Chaves, um dançarino baiano que migrou para a França há mais de trinta anos e, lá, organizou a versão internacional de uma tradição do sincretismo religioso brasileiro, que é a lavagem das escadarias de igrejas católicas, por adeptos do candomblé. Orgulhoso de seus traços quase andróginos, Roberto conta histórias de sua vida, como a primeira paixão por uma mulher e que seu pai era obcecado por sexo. Mas o que está em destaque é a organização da lavagem supramencionada de uma igreja.

Se o dissenso é tão importante, por que a dificuldade em aceitar críticas divergentes? [Ou: quem recebe um prêmio, nem sempre é o melhor em competição!]

Abordamos o caráter metonímico de um importante festival local, o CURTA-SE, Festival Íbero-Americano de Cinema de Sergipe, que, em sua vigésima terceira edição, ocorrida entre os dias 13 e 15 de janeiro de 2025, movimentou a cinefilia do menor Estado do Brasil. Não obstante a exibição de filmes interessantes, o anúncio da premiação, na derradeira noite do evento, deixou alguns espectadores frustrados, no sentido de que os seus favoritos não foram laureados, o que, mais uma vez, acontece: premiações levam em consideração critérios subjetivos – e, tal como acontece no Oscar, no Festival de Cannes ou em qualquer mostra artística, a lista de premiados traz consigo algumas reações revoltosas, principalmente quando os prediletos são menosprezados. Diferentemente da lógica esportiva, nesse tipo de situação, os critérios são bastante complicados…

“My English is not good. But my soul is better”: alguns comentários sobre a premiação do Globo de Ouro, em 2025…

A frase aspeada, neste título, foi pronunciada pela atriz brasileira Fernanda Montenegro, em 24 de janeiro de 1999, quando ela manifestou o seu contentamento pelo Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, entregue ao já clássico “Central do Brasil” (1998, de Walter Salles). Mais de vinte e cinco anos depois, na mesma premiação, Fernanda Torres, filha da referida personalidade, recebe, na noite de 05 de janeiro de 2025, o prêmio de Melhor Atriz Dramática pelo filme “Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles). O diretor é o mesmo, em ambos os longas-metragens, o que chama a atenção para uma questão referente à influência de determinados cineastas em premiações internacionais.

Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [4/4] e a safra atual de filmes brasileiros: “tu sabes me dizer onde fica este endereço?”

Aproveitamos esta deixa para finalizar a nossa série de artigos sobre a quadrilogia de filmes baseada nas novelas reunidas no livro “Um Ano Inesquecível”, conforme iniciado aqui: baseado em “Amor de Carnaval”, da carioca Thalita Rebouças, “Um Ano Inesquecível: Verão” (2023, de Cris D’Amato), tanto quanto os demais títulos da cinessérie, efetiva mudanças consideráveis na adaptação. Neste caso específico, elas são mui alvissareiras, no sentido de que o texto original é o menos interessante da coletânea. O filme, por sua vez, é divertido na maneira como nos faz torcer por Inha (Lívia Inhudes), a filha de um político conservador de cidade de interior…

Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [3/4]: “quer moleza? Estude [Ciências] Humanas”!

O truísmo que apregoa que todo mundo tem direito à liberdade de expressão, numa democracia, desemboca, atualmente, na proliferação de discursos de ódio, de inversão de valores considerados canônicos e de ode inassumida à extinção da humanidade. De que adianta continuar escrevendo, num contexto como esse? Chega-se o momento de falar sobre a adaptação cinematográfica da novela “A Matemática das Flores”, da blogueira e escritora Bruna Vieira, que deu origem ao longa-metragem “Um Ano Inesquecível” (2023, de Bruno Garotti & Jamile Marinho).

Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [2/4]: “minha pele é preta para combinar com a cor de meus cartões de crédito”!

Para além de suas intencionais limitações distributivas – é um “filme de nicho”, voltado ao público adolescente –, “Um Ano Inesquecível: Outono” (2023, de Lázaro Ramos) escancara preconceitos indisfarçados do público pagante, que reclama da “infidelidade” do roteiro quanto ao texto original e que, a despeito das personalidades envolvidas, contribui para que o filme não seja tão visto quanto merece.

Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [1/4]: “alguém já parou para pensar que ‘Inferno’ e ‘Inverno’ são quase a mesma palavra?”

O lançamento, em 2015, do livro “Um Ano Inesquecível”, composto por quatro novelas românticas, cada uma delas concernente a uma estação do ano, animou parte do mercado editorial destinado ao público infanto-juvenil, mas gerou alguma desconfiança entre críticos literários sisudos, que rejeitam tramas intencionalmente escapistas. O mesmo ocorreu quando, em 2022, foi anunciada, pelo serviço de ‘streaming’ Amazon Prime Video, a produção e o posterior lançamento de uma quadrilogia de filmes, baseados nas novelas em pauta.

“Por isso, o menino não fala: ele sente a tensão” — assim na Turquia como no Brasil!

No documentário “Os Maus Patriotas” (2024), o diretor Victor Fraga – que também esteve presente no evento – interroga o cineasta Ken Loach e, em determinado momento, pergunta-lhe se um realizador socialista pode servir-se de algum gênero que não seja o realismo. O filme turco “Rocinante” (2023, de Baran Gündüzalp) responde, na prática, de maneira mui similar ao que diz o britânico…

“Se alguém me perguntasse ‘qual é a tua religião?’, eu responderia: ‘a infância’!”

“Saudade Fez Morada Aqui Dentro” (2023, de Haroldo Borges) é um filme que faz jus à potência poética de seu título. A despeito de acontecerem situações que, noutro tipo de desenvolvimento tramático, poderiam desencadear conflitos duradouros (uma briga entre namoradas, a própria cegueira de Bruno, a cena em que ele é abandonado por Ângela num local ermo), o roteiro – escrito pelo diretor e por Paula Gomes – é marcado pelo improviso, por uma impressionante naturalidade nas atuações, a ponto de, em inúmeros momentos, pensarmos tratar-se de um documentário.

“Quando eu alçar o vôo mais bonito da minha vida/ Quem me chamará de amor, de gostosa, de querida?”: uma resenha musical.

Contendo quatorze faixas, compostas parcial ou integralmente pela cantora Liniker, “Caju” inicia-se de maneira intimista e dançante, com a faixa-título sobre uma paixão intensa, em que ouvimos ruídos de alto-falantes, em japonês, no que parece ser um aeroporto. O eu-lírico pergunta ao seu interlocutor quem estaria esperando por ela ali, pedindo para que seja diminuído o fluxo de viagens e eventos. “Será que você sabe que, no fundo, eu tenho medo de correr sozinha e nunca alcançar?”, ressalta a letra. É difícil não ser conquistado pelo tom confessional desta canção!

“…E o rio, como qualquer ser vivo, também pode morrer”: ou de como pesquisas acadêmicas são importantes, mas não se configuram automaticamente em estética cinematográfica de resistência!

É motivo de grande noticiabilidade que o documentário em longa-metragem “Velho Chico, a Alma do Povo Xokó” (2024, de Caco Souza) tenha sido selecionado para uma das mostras competitivas da quinquagésima segunda edição do Festival de Cinema de Gramado. O orgulho sentido pelos sergipanos quanto a esta indicação, entretanto, não deve olvidar uma série de problemas constitutivos em relação à feitura do filme em pauta…