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Venezuela muito distante de Estocolmo

Venezuela muito distante de Estocolmo

Caracterizada como uma das regiões mais jovens do mundo, em termos de conjunto dos países hoje reconhecidos, a América Latina vive mais uma de suas ebulições sociais, ao lançar sucessivos testes à resistência do regime democrático sobre as nações. Parte da explicação pode vir do passado comum de colonização, que estimula uma mentalidade de posse, de desprendimento da institucionalidade.

Em menção apenas a um curtíssimo espaço de tempo, tentativas de Golpe de Estado se cristalizaram no Brasil em janeiro de 2023, na Bolívia em junho de 2024 e, recentemente, a celeuma em torno do resultado da eleição presidencial na Venezuela suscita a compreensão de falência democrática, pelo rompimento de seu pilar principal, o da alternância no Poder. Cabe destacar que o caso venezuelano não chega a ser uma novidade, vez que há seis anos, na eleição anterior, a denúncia era praticamente a mesma.

Tudo se agrava por evidências de dominação do Poder Executivo sobre Legislativo e Judiciário, o que dificulta fiscalização e confere superpoderes a um mandatário; pelos privilégios concedidos à fidelidade das Forças Armadas; e, de forma mais ameaçadora, pela repressão à expressão de opiniões divergentes. Tamanha blindagem permitiu até a instalação de um filtro prévio de candidaturas autorizadas à sucessão em Miraflores.

Porém, quando nos orientamos pela soberania das nações é automático lembrar de que não é comum nos depararmos com questionamentos internacionais sobre resultados eleitorais no mundo. Não se vê uma pressão da Comunidade Internacional acerca lisura dos tramites eleitorais em Portugal ou no Brasil, por exemplo, a prevalecer o máximo respeito pela escolha popular.

O problema é que a Venezuela está mergulhada no que poderíamos chamar de verdadeira depressão socioeconômica. Nos últimos dez anos o Produto Interno Bruto do país recuou cerca de 60%, sendo 30% somente em 2020. Já a inflação disparou e atingiu 130.000% em 2018, amparada em uma prática insustentável de expansão monetária, e a extrema pobreza atinge quase 70% da população.

Como consequência, mais de 7,7 milhões de cidadãos deixaram o país desde 2018, segundo o ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Rumam principalmente à vizinha Colômbia, ao também fronteiriço Brasil e ao México, como porta de entrada aos Estados Unidos.

Na raiz deste caos esteve a euforia com o petróleo, cujos preços na primeira década deste século atingiram US$ 120 por barril, e fez com que o país apostasse todas as fichas no combustível fóssil praticamente como produção única do país, que pagava todas as apostas mais populistas da política. Veio a crise no setor, que desmontou toda a indústria nacional, e nem mesmo a retomada de preços anos mais tarde foi suficiente para recompor minimamente o estrago causado.

Não era mais possível sair da espiral depressiva.

Por tudo isso, é mais que remota a possibilidade de que os venezuelanos, não apenas nessa eleição, tivessem optado pela continuidade dessa política, escolhendo o próprio algoz de suas mazelas para conduzir o país por outros seis anos.

Pareceria um caso de Síndrome de Estocolmo, um fenômeno psicológico, típico de casos de sequestros, em que as vítimas desenvolvem uma espécie de lealdade ou solidariedade por seus próprios raptores, já que esses teriam zelado pelas suas vidas, até com a alimentação, no momento de maior fragilidade. Definitivamente não é o caso e o povo venezuelano se distancia dessa situação.

Assim, somando-se tudo isso à resistência pela transparência do processo, não há como não convergir para a suspeita maior de fraude no processo.

Chega-se, portanto, a uma situação delicadíssima, pois internamente as Instituições parecem não funcionar adequadamente para pacificar a questão, restando apenas uma interferência externa, que não é nada simples diante dos últimos gestos de expulsão de representantes diplomáticos. Ademais, falamos de um regime apoiado em todos os sentidos por Rússia, China e um conjunto de países mais alinhados ao antigo lado oriental da Guerra Fria.

Por outra linha de atuação, a aposta nas retaliações e embargos econômicos se diferiria bastante do que aconteceu com Cuba, por exemplo, já que a Venezuela está sentada num dos grandes interesses globais, simplesmente a maior reserva petrolífera do mundo.

Tantos entraves certamente arrastarão uma eventual solução, que pode nem se concretizar, no mínimo até o início de 2025, quando se inicia o próximo governo. Enquanto isso, pobre povo venezuelano, pobre povo latino-americano, pelo possível contágio.

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