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Silvio Santos, entre críticas e vínculos afetivos

Silvio Santos, entre críticas e vínculos afetivos

No dia 17 de agosto morreu o maior nome da história da TV brasileira. O empresário e apresentador Silvio Santos foi uma daquelas pessoas representativas de uma era. Por isso sua morte tem cara de fim de era. Talvez o fim dos tempos de comunicação de massa por meio da TV aberta.

Para mim e para muitos da minha geração, significa a perda de uma referência cultural importante e bastante presente durante muitos anos. Na medida em que essas referências ficam para trás, nós ficamos um pouco mais isolados e desterrados no mundo. Bate uma certa tristeza, não só por quem partiu, mas também por nós.

Entretanto, não quero falar do Silvio Santos, mas sobre o que vem sendo falado a respeito dele. Meu interesse é o discurso sobre a pessoa e não a pessoa.

A maioria das menções que vi a respeito de Silvio Santos tem sido elogiosa, em tom de homenagem, ressaltando suas qualidades e sua importância. Algumas poucas, no entanto, em tom crítico e negativo, ressaltam seus defeitos: misoginia, racismo, alinhamento à ditadura militar, exploração dos pobres. Porque não há nada hoje em dia que não seja polarizado de forma acirrada [1].

Pessoalmente, normalmente evito tecer críticas negativas a quem acabou de morrer. Mais do que isso, acho que agir assim é uma decorrência de um tipo de associação mental que as pessoas fazem entre falar mal de algo/alguém e parecer mais inteligente e esperto que a média, como se ao criticar negativamente alguma coisa a pessoa demonstrasse enxergar mais longe que as outras.

Chamo isso de “cacoete da crítica” e tenho alguma experiência a esse respeito, por transitar nas áreas de humanidades e ciências sociais. Há muito desse modus operandi nessas áreas.

Algumas personalidades orgulhosamente manifestaram suas críticas a Silvio Santos no calor de seu falecimento. Uma delas foi o ator Pedro Cardoso. Já a jornalista Rachel Sheherazade, que durante alguns anos foi apresentadora do telejornal da emissora de Silvio, optou por jogar indireta. A jornalista postou em seu perfil a imagem de uma ovelha e a legenda: “É um privilégio não se encaixar. E vc? Segue a manada ou faz seu próprio caminho?” [2].  Esse é um bom exemplo de como é forte essa associação entre falar mal de algo e parecer mais esperto que a “manada”.  

Política e afetos

Penso sobre tudo isso enquanto assisto, por exemplo, a dois dos principais influenciadores digitais webcomunistas que não perderam tempo para produzirem conteúdo chamando Silvio Santos de “canalha, que agora morreu e virou santo” e que foi para a “terra do pé junto”. Coisas do tipo.

Não significa que as críticas ao apresentador/empresário estejam erradas. Pelo contrário. Ele merece muitas críticas. A questão é a eficácia desse tipo de postura e discurso junto às audiências, inclusive tendo em vista o timing. Afinal, a pessoa acabara de morrer.

A política se constrói principalmente à base dos afetos (hoje em dia, exageradamente à base dos afetos). Um dos erros políticos de muitas pessoas, principalmente à esquerda (caso desses webcomunistas), é achar que vão esfregar alguns fatos na cara dos outros e que isso vai mudar alguma coisa sobre como os outros pensam. Ainda que críticas a Silvio Santos sejam objetivamente pertinentes, é preciso considerar e lidar com o fato de que boa parte da vinculação do povo com Silvio se dá pelo campo dos afetos. Então é muito provável que as pessoas antipatizem com conteúdos negativos sobre ele no calor de sua morte e também antipatizem com os autores desse tipo de conteúdo negativo.

Talvez se as críticas fossem feitas em um outro momento…

A repercussão da morte do Silvio Santos me fez lembrar o caso da propaganda da Volkswagen, que juntou por inteligência artificial as cantoras Elis Regina e Maria Rita, mãe e filha privadas pelo destino do convívio uma com a outra, ao som de uma canção de Belchior [2]. Havia na peça publicitária uma subversão do sentido da letra da canção? Sim. A Volkswagen apoiou a ditadura militar e perseguiu dissidentes? Sim. Os críticos ressaltaram esses pontos. Mas naquela peça publicitária havia outras camadas de significado que apelavam para a emoção e engajavam pelo afeto, levando em conta os vínculos familiares e as relações pais e filhos, tão importantes na vida de tantas pessoas.

Quem vem com a locomotiva da objetividade passando com tudo por cima dos vínculos afetivos engajadores corre sério risco de sair dos trilhos. Considero essa uma leitura importante para se pensar nas disputas políticas atuais.   Por isso acho que é preciso cuidado com certos discursos críticos que se reivindicam objetivos. O que se pretende? Se for para parecer mais inteligente, pregar para convertidos ou desopilar o fígado, ok. Mas se for para engajar, trazer simpatizantes para sua causa, formar opinião, aí é preciso um pouco de cuidado com a forma e, em se tratando especificamente de falecimentos, com o timing.

Referências:
[1] Em rede social, nem rei pode descansar em paz
https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/rosana-hermann/2024/08/em-redes-sociais-nem-rei-pode-descansar-em-paz.shtml

[2] Pedro Cardoso e Rachel Sheherazade
https://www.youtube.com/watch?v=uEuP-OPnGHs

[3] “Como Nossos Pais”? Comercial que reúne Maria Rita e Elis Regina provoca debate sobre canção:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/musica/noticia/2023/07/como-nossos-pais-comercial-que-reune-maria-rita-e-elis-regina-provoca-debate-sobre-cancao-cljr2vbfb001o0150ax5jzbeg.html

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