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Será que ainda faz sentido a distinção entre igreja e seita?

Será que ainda faz sentido a distinção entre igreja e seita?

Conversei com a jornalista Beatriz Pecinato, do Jornal da USP, a respeito dos grupos religiosos denominados de seitas. A matéria de sua autoria, intitulada “Seita pode ser usada como nomenclatura para descredibilizar organizações menores”, foi publicada no Jornal da USP, no dia 28 de novembro, e veiculada também na Rádio USP (São Paulo, Brasil). Deixo aqui disponível a entrevista na íntegra.

  • Como identificar e classificar uma seita? Qual a diferença entre grupos religiosos e seitas?

Primeiramente é importante dizer que a nomenclatura seita muitas vezes é utilizada para desqualificar um grupo religioso. Por exemplo, um grupo que pertence a uma igreja evangélica pode dizer que outra igreja é uma seita porque não concorda com as doutrinas desta igreja. Então, no imaginário evangélico brasileiro, as seitas seriam aquelas igrejas que supostamente distorcem a Bíblia, que pregam doutrinas contrárias a determinados princípios bíblicos, que não seguem a ortodoxia evangelical.

Os políticos e os governos também tendem a classificar os grupos religiosos e determinar aqueles que merecem ou não merecem obter parcerias com o poder público.

Agora, a sociologia da religião, a partir dos estudos do Max Weber e do Ernst Troeltsch, utilizou a nomenclatura seita de uma forma diferente. Então, igreja ou instituição, por um lado, e seita, por outro lado, não são organismos distintos, mas sim tipos ideais, tipologias ou ferramentas para se analisar os processos que ocorrem nos grupos religiosos. Numa determinada análise da sociologia da religião, pode-se dizer que um grupo religioso tem mais ou menos características de uma ou de outra tipologia, ou que um grupo religioso está variando de uma tipologia para outra.

Nessa sociologia da religião, a tipologia igreja ou instituição possui determinadas características: características de organização conservadora, de aceitação da ordem social vigente, de ligação com as classes dominantes, etc. Já a tipologia seita possui outras características: características de grupo pequeno e fechado, de ligação com as classes dominadas, de distanciamento da ordem social vigente e das instituições, de um determinado ascetismo que busca distanciamento do mundo, etc.

  • Por que as pessoas são atraídas para organizações desse gênero? Existe algum público-alvo ao qual as seitas são mais direcionadas? Por quê?

Não cabe ao pesquisador afirmar se determinado grupo religioso é ou não é uma seita. O que a gente pode dizer é que algumas características podem ser consideradas características de seita. Por exemplo, quando o grupo religioso se considera mais santo do que outros grupos, quando há proibição de convívio com pessoas de fora do grupo, quando há normas secretas que não podem ser reveladas, não podem ser desobedecidas e não podem ser modificadas, quando a liderança não pode ser questionada ou substituída, quando há proibição de estudar ou proibição de ler livros seculares. Essas podem ser consideradas características de seita.

  • Existe alguma explicação do porquê as pessoas precisam de uma figura de liderança em suas vidas?

É difícil dar uma explicação definitiva. O que podemos dizer de uma forma geral é que o desenvolvimento dos grupos religiosos está relacionado com as mudanças que ocorrem na nossa sociedade. Então, uma liderança religiosa oferece explicações para diversos acontecimentos da vida numa linguagem religiosa ou até mesmo mágica. Isto tem o potencial de encantamento, de espiritualizar e dar um sentido para a vida das pessoas. As pessoas que seguem determinada liderança religiosa podem obter uma sensação de segurança a partir do compartilhamento de valores comuns e de uma identidade de grupo, as pessoas passam a agir de uma mesma forma para ter a aprovação deste líder. Então, neste sentido, a liderança religiosa pode oferecer respostas e alguma segurança às pessoas diante das mudanças, das crises, e das tendências neoliberais e individualistas presentes na sociedade contemporânea.

  • Como um membro de seita identifica que faz parte desse tipo de organização?

A gente não pode desqualificar algum grupo religioso porque isto é algo perigoso, isto tende a prejudicar ainda mais os grupos religiosos minoritários. É papel da justiça e do ministério público fiscalizar a atuação das instituições religiosas. O que o pesquisador pode analisar e apontar é que alguns grupos religiosos podem ter características de seita. Por exemplo, quando o grupo religioso se considera mais santo do que outros grupos, quando há proibição de convívio com pessoas de fora do grupo, quando há normas secretas que não podem ser reveladas, não podem ser desobedecidas e não podem ser modificadas, quando a liderança não pode ser questionada ou substituída, quando há proibição de estudar ou proibição de ler livros seculares. Essas podem ser consideradas características de seita.

  • Existem consequências na vida de pessoas que passaram por esses grupos?

A característica de um grupo religioso que pode ser mais danosa é a de potencialmente causar uma dependência total nos seus membros. Quando é exigido que toda a vida do membro seja colocada em função do grupo religioso e assim ele não tem mais nenhuma autonomia.

* Imagem utilizada é de domínio público (CC0), disponibilizada pelo Pixabay.

Referências
Pecinato, B. “Seita pode ser usada como nomenclatura para descredibilizar organizações menores.” Jornal da USP, São Paulo, 28 nov. 2023.
Troeltsch, E. “Igreja e seitas.” Religião e Sociedade, 14(3): 134–144, 1987.

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