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Se não está no Google, será que existe?

Se não está no Google, será que existe?

Esta semana o Google completa 20 anos.
Uma ferramenta que nasceu apenas para ser uma forma, entre tantas outras, de fazer pesquisas se transformou em duas décadas na maior ferramenta de buscas do mundo contemporâneo.

Tanto sucesso faz com que para os nascidos após esta data não consigam imaginar que possa existir um mundo sem esta ferramenta.

Tal fato acabou sendo comprovado por uma brincadeira onde a pergunta era: “Se não está no Google, será que existe?”.

O pessoal do Programa Pé na Rua, da TV Cultura, levou esta questão para as ruas para ver o quê e como pensam as pessoas.
Veja só as respostas que tiveram:

É de fato, uma pergunta que está diretamente ligada aos chamados nato-digitais.

Interessante como uma ferramenta em poucos anos pode ter alcançado um estado de unanimidade em especial pelos mais jovens. No programa é nítido como o mundo para além da Googlelandia quase não existe!
Percebe-se nitidamente o espaço de inconsciente coletivo que esta ferramenta alcançou.

Vejo que um bom caminho seja desenvolvermos um sentido de crítica ao dito e ao escrito, que pelo visto vem faltando para muitos. A dúvida e o espírito investigativo também precisam de uma maior lapidação: do contrário formaremos apenas uma geração de respostas prontas!

O caminho essencial é que consigamos que os mais jovens descubram que tudo o que temos são ferramentas. A construção do conhecimento passa por outra via e que tem absolutamente a ver com essa inquietação investigativa, espírito crítico e boas perguntas. Sem elas o que temos é só a “coleta” de informações. Em vez de produtores transformamo-nos apenas em coletores e reprodutores. O mundo precisa de mais do que isso, não é mesmo?

Há duas coisas aqui: uma é a possibilidade de buscador que o Google oferece e que como tal representa uma resposta algorítmica àquilo que estamos buscando. Apenas e tão somente isso: é uma máquina que responde como uma. 

Do outro lado, há nós, os que não somos capazes de comportamentos algorítmicos, mas que temos a nosso favor a possibilidade de repostas que se baseiam em pensamentos críticos, e portanto individuais.
Se tomarmos a concepção de Lévy-Strauss e Castells, para citar alguns, que a inteligência humana poderia se expandir a partir do ciberespaço (que seria uma inteligência coletiva), o Google vem na contramão propondo buscas customizadas a partir do indivíduo. Com isso funcionaria como um limitador para a expansão e o desenvolvimento desta inteligência que ocorreria de forma natural sem sua interferência.

Para além disso, temos que pensar que toda a rede (inclui-se aí Google, Bing, Facebook, entre outros) há um sempre presente interesse mercadológico por trás. E de novo, os resultados obtidos customizados por indivíduos estarão cada vez mais voltados, não provavelmente para o que você quer ou busca, mas para o que tais buscadores e plataformas querem lhe mostrar.
E caímos na via oposta a dos objetivos pelos quais a internet começou a se expandir: a liberdade.

Dando-nos a errada sensação de que somos nós quem está fazendo as buscas e encontrando os resultados. Em verdade o Google nos direciona ao que Ele quer. E faz isto de tal forma, que exclui todas as outras possibilidades, nem nos disponibilizando as demais. Esta falsa sensação de autonomia com liberdade, mascara o quanto nos tornamos reféns fáceis de um mecanismo.

Um dos precursores da realidade virtual e crítico da web 2.0, Jaron Lanier defende um caminho diferente para se utilizar a rede. Ele é defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita. A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações ‘sugeridas para o seu perfil’ escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por ‘gostos’, tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Ou seja, no modelo atual, quem lucra mais são os sites de busca e as redes sociais, e quem sai perdendo são os criadores, que dependem dos direitos autorais para viver.

Todo nosso rastro tecnológico por sites, likes, links e afins, indicam exatamente quem somos e nosso perfil consumidor, com quem nos relacionamos, nossas preferências e crenças. Tudo engendrado de modo a nos transformar em produto de nós mesmos.

O maior risco de tudo isso é o Google pouco a pouco transformar-se ao olhos de seus usuários, na única e melhor lente para olhar e entender o mundo. Dá-se à ferramenta o sentido extremo de onipresença e onisciência.

Além de tudo, institui-se uma preguiça pela pesquisa. Comodamente, as pessoas preferem seguir as listas indicadas pelo Google e muitas sem fazer uma análise criteriosa, simplesmente “consomem” como sendo o certo, o melhor, o único.

SivaVaidhyanathan realiza uma análise crítica a respeito dessa poderosa organização, “cuja missão consiste em organizar toda a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil.” (VAIDHYANATHAN, 2011, p. 16).
“[…] o Google nos avalia e constrói seus sistemas e serviços de modo a satisfazer nossos desejos e fraquezas. O Google funciona para nós porque ele parece ler nossa mente – e, em certo sentido, é o que faz. Ele adivinha o que uma pessoa está procurando com base nas buscas feitas por ela e por outros iguais a ela”. (VAIDHYANATHAN, 2011, p. 66).

Vaidhyanathan esclarece que o algoritmo PageRank do motor de busca do Google fornece listas de opções bem apropriadas mesmo que o termo digitado seja vago, enquanto o usuário nem tenha mentalizado exatamente o que deseja:

“[…] Além disso, o Google nos condiciona a aceitar essa lista e acreditar que, de fato, ela nos oferece o que queremos. A capacidade de sugestão do Google Web Search, explicitada pela lista de opções que aparece quando começamos a digitar, é a mágica que nos aprisiona. De muitas maneiras, o Google nos avalia e compreende melhor do que nós próprios o faríamos”. (VAIDHYANATHAN, 2011, p. 66).

Portanto, vejo a “brincadeira” do Programa Pé na Rua em pôr em xeque esse status de “verdade” que o Google acaba tendo muito instigador. Faz-nos ver que as pessoas tornam-se consumidoras do que muitas vezes é postado e veiculado sem uma preocupação crítica com sua autenticidade. Toma-se os resultados obtidos como sendo uma “verdade absoluta”, inquestionável, a melhor e única resposta.

Talvez a ideia seja de fato encontrar o meio do caminho. Sempre cabe para, se questionar e buscar outros caminhos e possibilidades. Nunca ser um consumidor passivo do que buscadores oferecem.

Ainda ficam para outro post noções fundamentais sobre como o Google pode afetar nossa cidadania, segurança, privacidade… conversa para outra vez!

Referências
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