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“Se a Morte não te interessa, é melhor parar por aqui: essa não é uma estória para ti!”, ou o anti-romance enquanto gênero afetivo.

“Se a Morte não te interessa, é melhor parar por aqui: essa não é uma estória para ti!”, ou o anti-romance enquanto gênero afetivo.

O realizador François Ozon é prolificamente obcecado pela subversão das regras narrativas dos gêneros cinematográficos. Emula a obediência às convenções romanescas para ofertar enredos que subdividem-se em múltiplos pontos de vista, eventualmente questionando a si mesmos enquanto construções tramáticas com interesses discursivos pré-definidos. Evita julgar os seus personagens, por mais hedonistas e/ou equivocados que eles sejam. E, como tal, seu estilo próprio é marcado pela mixórdia de elementos clássicos: é um cineasta que gosta das misturas!

Em termos críticos, nem sempre esta obsessão é bem-sucedida: seu mais recente filme, “Tout s’est Bien Passé” (2021) – sobre um pai que deseja ser submetido a um processo de eutanásia, depois que sofre um derrame cerebral – foi pouco valorizado no Festival de Cannes, o que não abala o cineasta. Ele, inclusive, já está produzindo sua nova obra, “Peter von Kant”, onde evidencia seu fascínio pela iconografia fassbinderiana, a quem já homenageou explicitamente em mais de uma oportunidade [com destaque para “Gotas d’Água sobre Pedras Escaldantes” (2000), baseado numa peça teatral do realizador alemão]. François Ozon não pára!

A despeito de seus roteiros chamarem a atenção por si mesmos, em seus jogos de [quebra de] espelhos entre os personagens, são notórias as reapropriações de rasgos estilísticos de obras anteriores. Assim, podemos encontrar em “Verão de 85” (2020) situações que foram centrais em outros de seus filmes, como o travestismo emergencial do protagonista [vide “Um Vestido de Verão” (1996)] ou a relação desejosa entre um professor de Literatura e um aluno talentoso [central em “Dentro da Casa”(2012)]. Ele é um ótimo cineasta, mas a velocidade com que conclui seus projetos desencadeia a impressão de irregularidade em seu numeroso ‘corpus’. O que não parece ser acidental, conforme intuímos a partir de uma análise do supracitado “Verão de 85”…

O narrador do filme é um adolescente chamado Alexis (Félix Lefebvre), que apaixona-se perdidamente por um rapaz que o salva quando ele cai de um barco, ao assustar-se com a aproximação de uma tempestade. Este rapaz é apresentado da seguinte maneira: “seu nome é David [Benjamin Voisin]. Ele tem dezoito anos e um mês, e logo tornar-se-á um cadáver”. Desde o começo, portanto, sabemos que o objeto do afeto de Alexis morrerá. Mas o filme evitará a entrega dramática que poderia ser derivada desta situação. Ao invés disso, mais uma vez, o diretor prefere questionar a consolidação dos gêneros narrativos tradicionais…

Não obstante adaptar um romance alheio – “Dance on My Grave”, de Aidan Chambers –, as obsessões ozonianas estão presentes: o enredo flertará tanto com a investigação policial que justificou a prisão de Alexis quanto com a satisfação do professor Lefévre (Melvil Poupaud) em ler o seu relato confessional, com forte pendor literário. Mas há algo que se destaca em meio a essas tendências: a constituição dos caracteres dos personagens, que parecem confluir enquanto alter-egos compartilhados do próprio diretor. David, por exemplo, dirige a sua motocicleta de maneira assaz acelerada. Diz buscar uma velocidade inacessível, de modo que, quando Alexis estranha a rapidez com que se tornam grandes amigos, ele apenas questiona: “para que perder tempo? Somos todos mortais”. O problema é que uns morrem antes dos outros. E estes últimos pagam as conseqüências: precisam cumprir as promessas feitas em vida, que requerem riscos para tornarem-se exeqüíveis. Um filme é isso, na verdade!

Por mais atropelado que o filme seja em seus atributos compositivos – Alexis, por exemplo, diz ser continuamente atraído pela “morte, com M maiúsculo”, mas quase não percebemos isso no filme –, ele é efetivo em seu charme contra-exemplar: ao celebrar a beleza fugaz de um romance entre dois homens, concede a um quarteto de mulheres um protagonismo nodal, infelizmente ignorado pelos personagens (e alguns espectadores). Não é por acaso que cabe a uma assistente social (Aurore Broutin) a busca de provas que possam inocentar Alexis do crime que ele foi acusado de cometer, bem como David não poderia ser tão fascinante se a sua mãe viúva (Valeria Bruni Tedeschi) não fosse tão permissiva. Porém, são Kate e a mãe de Alexis quem desempenham os momentos-chave para a descoberta no pendor identitário na maturação do protagonista.

A mãe de Alexis (Isabelle Nanty) é mostrada perenemente ocupada com os afazeres domésticos. O que não a impede de ser extremamente afável em relação às inconstâncias humorísticas do filho e de protegê-lo da rudeza de seu marido, além de mencionar um parente malquisto por ter assumido a homossexualidade. Kate (Philippine Velge), por sua vez, é uma estudante inglesa que faz seu intercâmbio no balneário em que Alexis e David habitam. É apresentada como a responsável pelo “começo do fim” do idílio romântico entre os dois garotos. E é ela quem tem a audácia de caracterizar o sentimento de luto que perturba o seu amigo: “tu não sentes falta dele, mas da imagem que criaste dele”. Isso vale para o filme como um todo, que falha ao vender-se como romance. Isso é culpa do diretor-roteirista, entretanto?

Ao invés de respondermos a este questionamento – o que equivaleria a um julgamento moral evitado pelo diretor – convém compararmos o modo como as canções de época aparecem nesta obra com o tipo de nostalgia levado a cabo pelas recentes produções netflíxicas: “In Between Days”, de The Cure; “Cruel Summer”, de Bananarama; e, principalmente, “Sailing”, de Rod Stewart, aparecem no filme como extensões narrativas, possuindo funções internamente definidas e não apenas como mero desencadeador de saudades frustradas para um espectador induzido a não refletir sobre as condições sociais da realidade em que está inserido. Mesmo quem não goste do filme, terá muito a debater sobre ele, em termos de aderência geracional – no caso, sob um viés crítico. Isso redime os erros do protagonista? Cada exegeta escolhe aquilo que mais lhe diz respeito!

Wesley Pereira de Castro.

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