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Rendas e Rendeiros na Administração da Fazenda na Índia Portuguesa

Rendas e Rendeiros na Administração da Fazenda na Índia Portuguesa

A retribuição dos deuses hindús[1]

Teotónio R. de Souza[2]

Por motivos que indico logo a seguir, quero dedicar este meu pequeno exercício ao Professor M. N. Pearson, que trabalhou sobre os Portugueses em Gujerate para a sua tese de doutoramento na Universidade de Pennsylvania[3], e publicou um livro sobre os Portugueses na Índia, com uma edição portuguesa patrocinada pela CNCDP, em 1987[4]. Tem muitos outros estudos publicados, e será lembrado de um modo especial pela sua contribuição notável para o estudo da história marítima associada ao Oceano Índico.

M.N. Pearson esteve em Portugal, última vez em 2014, para participar num congresso sobre Garcia da Orta, por convite da Fundação Gulbenkian. Está hoje imobilizado, resultado de um AVC. Os responsáveis da revista australiana JIOWS (Journal of Indian Ocean Studies) decidiram publicar dois volumes de homenagem ao Michael Neal Pearson. Saiu a primeira parte, e está agendada para o próximo mês de outubro a segunda. Foi-me pedido para escrever uma nota introdutória bio-bibliográfica.

Voltarei ao meu amigo Mike Pearson, mas vou já entrar no tema do meu estudo da Fazenda citando uma denúncia de 102 páginas, intitulada bem à portuguesa “Duas palavras sobre a Índia Portugueza”[5]. O autor é Custódio M. Gomes e debruça-se sobre os conselheiros José Ferreira Pestana [https://pt.wikipedia.org/wiki/José_Ferreira_Pestana]e José Joaquim Lopes de Lima [https://pt.wikipedia.org/wiki/José_Joaquim_Lopes_de_Lima], governadores que foram de Goa. A denúncia foi publicada em Lisboa, em 13 de agosto de 1848. Custódio M. Gomes identifica-se como Ex-Secretário do Governo Geral da Índia Portuguesa. Descreve a governação de J.J. Lopes de Lima como “enthronisamento da Immoralidade na pia batismal da Política que tem levado a Sociedade ao estado abjeto em que a vemos” (p. 7). Considero este tipo de fonte de informação útil, mas perigosa para um estudo crítico.

Custódio M. Gomes contesta os artigos difamatórios do ex-governador no Jornal Estandarte e reproduz respostas publicadas no Boletim do Governo de Goa para sustentar a sua contestação. Ele não consegue compreender como uma política que se considerava liberal e defensora de liberdades se baixou aos níveis escandalosos de corrupção durante a governação de J.J. Lopes de Lima. Denuncia as intrigas do conselheiro J.J. Lopes de Lima com interesse em substituir Pestana como Governador de Goa, declarando-o como inimigo da Rainha e da Carta Constitucional. O autor diz que esta denúncia era uma resposta sua ao Lopes de Lima que referia aos “agrupamentos criados e dirigidos pelo Secretário C.M. Gomes sob a proteção do Governador Geral do Estado” (p.16). Admite ter colaborado em criação de sociedades para promoção de conhecimentos e facilidades de comércio e investimento, tais como o Gabinete Literário das Fontainhas, e a Caixa Económica do Monte Pio Geral. Rejeita a difamação do Governador Pestana, ou que ele próprio tenha ambição de ocupar uma cadeira em S. Bento.

As intrigas de Lopes de Lima parece não terem servido para conseguir o seu intento de voltar a governar Goa, mas conseguiu ser nomeado governador de Timor, onde criou descalabro financeiro, da mesma forma como o tinha feito em Goa, e assinou um tratado com os holandeses vendendo partes das ilhas de Timor e Solor sem permissão do governo metropolitano. Foi ordenada a sua prisão e morreu em Jakarta. No entanto Pestana seria Ministro do Reino no governo de Marechal Saldanha, e voltou a governar Goa segunda vez com J.H. da Cunha Rivara como seu secretário de 1864 a 1870.

A denúncia de Custódio M. Gomes é interessante para a temática em debate neste seminário. Faz referência a uma acusação que Lopes de Lima fez da família Quencró de ter roubado as joias da Rainha de Sundém, e isto apesar de ter sido ele um benfeitor dos Quencrós. Enquanto Governador interino fez um arrendamento do foro de palmar Guddem à mesma família por três vidas por 2000 xerafins (xs.). O palmar produzia 6000 xs. de renda, mas o Governador considerava o negócio vantajoso, mesmo perdendo 4000 xes de renda incerta. Lopes de Lima contraíra um empréstimo da Casa Quencró através da Junta da Fazenda de Goa, e os Quencrós exigiram dois terços adiantados do juro convencionado quando Lopes de Lima já não estava no cargo. O capital emprestado era para ser pago em prata e o juro em cobre, que tinha um ágio de 20%. Eram as condições assinadas no contrato por Lopes de Lima. A Fazenda perdia 13 e 1/3%. Houve outro arrendamento dos Dízimos da Província de Bicholim aos mesmos Quencrós por 10.000 xs. (valendo na realidade 10.603 xs.), que era igual ao juro de um empréstimo pelos Quencrós, e não foi à praça por estar hipotecada ao empréstimo. Lopes de Lima também vendera na Junta da Fazenda uma parte da artilharia sem prévio anúncio no Boletim do Governo. Os arrematantes eram outra vez os Quencrós, que fizeram um bom lucro na revenda.

A denúncia inclui uma lista de 12 acusações contra Lopes de Lima pelo Sr. Bispo de Malaca em Janeiro de 1841, quando Lopes de Lima era governador antes de renunciar ao cargo devido à uma insurreição militar provocada pelas suas medidas consideradas tirânicas, e partiu para Bombaim em 1836, onde tentou obter ajuda britânica para voltar ao poder em Goa, mas sem sucesso. Note-se que Purushotam Sinai Kenkre foi agraciado com o título de barão de Calapur em 1873 como reconhecimento dos seus serviços ao Estado. Também Giridhar Sinai Dhempe foi muito prestável ao Estado emprestando os seus barcos para transporte de tropas e prisioneiros, e até fez-se fiador do governo perante o Banco Ultramarino para importação de arroz numa situação de crise. O governo de Lisboa reconheceu seus serviços em 1869 com medalha de Cavalheiro da Ordem da Torre e Estado de valor, lealdade e mérito.

Quando eu estava no início da minha investigação para o meu doutoramento, li um artigo de M.N. Pearson na revista Mare Luso-Indicum, chamando a atenção de historiadores para a parceria da administração portuguesa em Goa com a população hindú para gerir as “rendas” da fazenda do Estado durante o período 1600-1670. Isto apesar da legislação que negava muitos direitos políticos, económicos e sociais aos Hindús de forma a favorecer as conversões ao Cristianismo[6]. O autor apresentava uma estimativa da importância das rendas para a economia total do Estado da Índia no século XVII. Dos 355 rendeiros no período estudado, 80% eram Hindús, e destes 62.5% brâmanes Saraswat. Também em termos do valor comparativo das rendas os brâmanes hindús abarcavam 60% do valor. Assim no total das rendas os Hindús controlavam 4/5, e em total do valor 2/3. Demonstrava assim a importância da sua participação na economia do Estado. Nota no entanto que as rendas de maior valor, como a das alfândegas de Goa e Cochim, eram geridas pelos Portugueses de origem judaica, e as de valor baixo pelos convertidos nativos com poucos recursos financeiros.

Os rendeiros tinham que apresentar um ou mais fiadores, e estes eram geralmente familiares dos rendeiros, ou outros rendeiros. Os rendeiros banianes de Gujerate tinham os seus chefes da comunidade que se apresentavam como fiadores de todos os rendeiros da comunidade. Os banianes em Goa estavam organizados em corporações de ofícios. Estes tinham rede mais extensa de negócios ligados com África portuguesa e outros pontos da Índia e da Ásia. Deste modo tinham mais poder económico do que os brâmanes Saraswat de Goa e tinham privilégios especiais na legislação portuguesa. A viagem de Cambaia era importante para os negócios portugueses no Oriente, e também para o seu comércio com Europa. Os Portugueses investiam em negócios, mas não tinham pessoal com conhecimentos atualizados de negócios nem capaz de administrar as cobranças, o que também requeria presença contínua no território. Pearson chega à conclusão que, sem a colaboração económico-financeira dos Hindús na Índia, Portugal não teria tão longa presença na Índia. Curiosamente, a rivalidade dos banianes de Diu com os Saraswats de Goa saiu-lhes cara, quando em 1986, Goa foi declarada Estado da União Indiana. Foram excluídos Damão e Diu, que os Goeses não consideravam partilhar a sua cultura, embora com cinco séculos de história colonial em comum.

Foi o artigo referido de M.N. Pearson que deu início à nossa amizade pessoal e colaboração académica. Convidei o professor Pearson em 1981 para participar no primeiro seminário organizado pelo recém-estabelecido Xavier Centre of Historical Research, em Goa. Participaram no mesmo seminário os professores Ashin Das Gupta e Lotika Varadarajan, que deixaram marca na investigação histórica na Índia. Publiquei, através do Xavier Centre, o livro de M.N. Pearson, Coastal Western India, em 1981[7]. O referido artigo do Professor Pearson provocou uma publicação minha sobre o mesmo tema e em jeito de resposta na revista Indica de Heras Institute of Indian History and Culture, de Mumbai[8], contestando mais do que uma das conclusões de Pearson que presumia que a dominação financeira dos Hindús em Goa baseava-se essencialmente na sua magnitude demográfica.

Goa no século XVII restringia-se às Velhas Conquistas, que tinham a sua população hindú já reduzida à minoria[9]. A atitude de colaboração com os Hindús no início da colonização portuguesa alterou com a crescente virulência do conflito religioso provocado pela Reforma Protestante na Europa, e que os Jesuítas transferiram para a Ásia portuguesa. Apesar da legislação em prol das conversões ao Cristianismo a minoria hindú conseguiu convencer a administração portuguesa que os seus interesses económicos seriam melhor servidos continuando a colaboração económica com os Hindús. Demonstrei na minha obra Goa Medieval (com duas edições em inglês, e uma edição em português) que resultou da minha tese de doutoramento em 1977,como apesar do descontentamento e uma renhida oposição das autoridades eclesiásticas, o Estado da Índia continuou dependente dos rendeiros Hindús.

Encontramos nos códices 656, 1370-1, 2316, 2320 do Arquivo de Goa muita informação sobre a administração das Rendas da Coroa na Índia no século XVII e existem centenas de códices sobre o assunto para todos os séculos da dominação portuguesa. Existe no Arquivo Histórico Ultramarino, na Caixa 8 da Índia, capilha 118, 26 fólios de contratos celebrados no Conselho da Fazenda da Índia em 29 de fevereiro de 1624, durante a governação do vice-rei almirante, D. Francisco da Gama. Trata-se de contratos de pimenta, hortaliça, boticas de aljofre e coral, alfândega de Salcete, especiaria, pimenta do Canará, alfândega de Mombaça, mantimentos (manteiga, mel, vinho, açúcar, lentilha, trigo, jagra, cocos, nachiny, gergelim, lenha, chacalis e guilobis)[10], renda de betre, bangue, anfião. Nos códices do Arquivo de Goa e na caixa da Índia no AHU aparecem repetidas vezes como Rendeiros durante várias gerações uma meia dúzia de famílias hindús com apelidos Sinai, Parbu, Pai, Naique, Shet e Gad.

O único nome cristão é de Simão Dalvarenga, identificado como xarrafo casado e morador em Santa Anna de Telaulim e presumivelmente de origem judaica. Contratou arranjar 500 candis de pimenta de Canará das terras de Sunda para a nau Santa Teresa de Jesus a razão de 64 xs./ candil[11]. Estão incluídos arrendamentos da importação de artigos de alimentação dos mercados do interior, têxteis, direitos de cunhar moedas, e de reparação de barcos na Ribeira de Goa. Em 1683, Rangana Sinai era rendeiro do imposto sobre tabaco com um investimento de 29.000 xs.  Os Rendeiros podiam colocar os seus vigias nas catualias e alfândegas para controlo da entrada de produtos, e seriam assistidos pelos capitães dos respetivos postos. Em casos de violação de contrato por contrabando ou venda sem avença com rendeiro, este teria direito a metade do valor confiscado e mais 10 a 20 pardaus segundo a importância do arrendamento, e outra metade seria a recompensa do denunciante.

A pensão do Xendi[12]era um imposto que reflete a fase de intolerância religiosa. Manteve-se ainda após a extinção da Companhia de Jesus e da Inquisição13. No contexto de ameaças dos vizinhos Maratas tinha sido lançado um imposto predial de 5%, mas devido aos protestos dos eclesiásticos que tinham uma forte presença no Conselho do Estado, e como só 198 Hindús, no total de quase 20.000, possuíam bens imóveis, foi substituído em 1704 por um tributo a ser pago pela população Hindú, em imitação do que se fazia nos domínios do vizinho Mongol Aurangzib. A quantia podia ser 2 até 5 xerafins, variando segundo a ocupação e profissão. O total devia render 7.000 xerafins por ano. Devido às repetidas reclamações dos rendeiros hindús o imposto, que tinha sido aplicado também às Novas Conquistas, com população quase inteiramente hindú, em 1763,foi abolido a partir do início de 1841 pelo já referido governador Lopes de Lima, que tinha inaugurado nas Novas Conquistas uma parceria agrícola chamada Sociedade patriótica dos baldios, com o fim de atrair sócios para investir na cultivação de vastas zonas incultas das Novas Conquistas, mas teve pouco efeito por falta de capitais, maus meios de comunicação e transportes, e devido ao surto de emigração para a Índia britânica após o tratado anglo-britânico e a ligação ferroviária com do porto de Mormugão com a Índia britânica[13].

O governador Joaquim José Machado (1897-1900) seria o primeiro a introduzir na Índia portuguesa as medidas administrativas necessárias para modernizar o fomento agrícola com a construção de uma rede de estradas e pontes para ligar as províncias das Novas Conquistas, criando condições administrativas para a segurança policial com comandos militares e regedores locais, instalando uma agência do banco ultramarino na capital de Goa para providenciar crédito para fomento agrícola e para cobranças de impostos, promovendo novos métodos de estrumar as terras, e mais do que tudo, pondo a funcionar um novo regime predial virado para a defesa do direito individual do agricultor para propriedade agrícola, contrariando as ambições e práticas fraudulentas dos Nadkornis, os escrivães tradicionais que dominavam até então o sistema de arrendamento e sub-arrendamento das terras e se tinham tornado intervenientes indispensáveis entre os naturais das províncias e o Estado[14].

Estive quase inclinado a colocar como título deste ensaio A vingança de Shiva e Vishnu, e isto por causa da destruição dos templos e deuses hindús (quase todos eram dedicados a estes deuses Shiva e Vishnu) no início do colonialismo em Goa. Os Portugueses nunca foram capazes de dispensar a sua dependência económico-financeira dos Hindús. Pior ainda, muitas propriedades retiradas aos templos e entregues às Ordens Religiosas voltaram a ser leiloadas como bens do confisco após a extinção das Ordens Religiosas, e várias delas foram compradas pelos Hindús com posses para o fazer. Alguns destes compradores demonstram mais tolerância que os Portugueses (ou será só a sua natureza supersticiosa?), e respeitam as obrigações associadas aos legados pios[15]. É um assunto que seria interessante investigar melhor, utilizando os códices sobre Arrematação dos bens do confisco, e recolhendo as tradições orais em Goa.

A dependência portuguesa nos naturais hindús não era somente de natureza económicofinanceira de que aqui falamos. P.S.S. Pissurlencar, antigo diretor do arquivo histórico de Goa, publicou em 1952 valiosas achegas sobre os agentes da diplomacia portuguesa na Índia. Inclui Hindús, Muçulmanos, Judeus e Parses[16], mas a maioria deles eram brâmanes Saraswats.

Pissurlencar parece que queria demonstrar que os naturais não-cristãos serviram fielmente o Estado português. Todavia para grande desgosto seu, viu o seu orgulho ferido e experiência profissional desprezada, quando foi preterido pelo governo na nomeação do chefe da comissão histórica para defender o caso de Direito de Passagem no tribunal internacional de justiça em 1954. O governo preferiu nomear Alexandre Lobato, na altura diretor do arquivo histórico de Moçambique, e autor de uma obra sobre as relações luso-maratas.

Pissurlencar reagiu mal à desconfiança da sua lealdade no caso que envolvia a União Indiana. Recusou fornecer qualquer ajuda técnica ao Lobato Faria na leitura de um documento marata em escrita Modi, um documento que foi crucial para dar vantagens ao lado indiano, e que fora fornecido por Pissurlencar à comissão indiana em Haia. Contei como o fez numa conferência minha na Academia Portuguesa de História em 2003, e encontra-se publicada nos Anais da Academia[17].

Voltando para o assunto da dependência económico-financeira do Estado revelou-se ainda mais grave na fase final da presença colonial, nomeadamente a partir de 1954 quando a União Indiana decidiu castigar a recusa do Estado Novo em negociar os termos da saída da Índia, tal como tinha sido possível concluir com a França. A União Indiana decidiu impor um bloqueio económico sobre as importações/exportações de bens essenciais e restrições ao envio de dinheiro dos emigrantes goeses em Bombaim para os seus familiares e dependentes em Goa. Era uma forma de pressionar o governo português a ceder e se render. Foi nesta altura que o Estado serviu-se novamente de recursos financeiros e serviços de algumas casas empresariais hindús para importar os bens essenciais, e até de luxo, via Singapura e outros portos distantes. Foi uma excelente oportunidade para estes empresários hindús com capitais acumulados na era colonial para se envolverem em contrabando e acumularem lucros, guardando-os seguros em contas bancárias que mantinham na União Indiana.

Para cobrir as despesas acrescidas durante o bloqueio económico, o Estado recorreu à exploração do minério de ferro e manganês. É o tema que analisei em pormenor em 2012 num colóquio internacional organizado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) para comemorar 75 anos da criação da Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais, e pode ser consultado nas atas publicadas[18]. O grosso das 800 e mais concessões portuguesas ficaram nas mãos dos Hindús. A exploração já se tinha começando em pequena escala com exportação de 100 toneladas em 1943, atingiu nos anos recentes o volume de 33 milhões de toneladas, especialmente para satisfazer a procura chinesa para construir os seus estádios olímpicos em 2008. Os lucros fabulosos que isto trouxe resultaram na corrupção da política estatal em Goa.

Goa forneceu quase 45 milhões de toneladas (mt) de minério de fraca qualidade (c. 50%). O preço de venda (incluindo transporte e seguro) foi de USD 150 a 165 por cada mt. em 2011. A Índia é o terceiro maior fornecedor de ferro à China. Goa contribui com 60%, o que equivale a quase 1000 crores de rupias (1000×124 923.272 Euros) por ano. Subiu de 18 mt para 33 mt para satisfazer a procura chinesa em 2008. Em 2011 chegou a 54 mt. Descobriu-se que quase 20 mt de exportação de ferro era ilegal.

Para além da fuga ao fisco, o que estava a causar dano de longo alcance ao território eram as consequências ecológicas, com a violação de todas as normas de Water Pollution Control Act,

1974;  Air Pollution Control Act, 1981; Forest Conservation Act, 1980; Environment Protection Act, 1986. As poeiras provocadas pela extração e transporte, os detritos levados pelas monções para os poços de águas potáveis e rios, têm afetado a vida normal das pessoas em grande escala. As vibrações das barcaças que transportam o minério pelos rios até ao porto de embarque em Mormugão têm destruído os diques que protegiam os arrozais. As águas do subsolo têm sofrido redução nas aldeias vizinhas das minas.

Uma longa batalha judicial travada pela Goa Foundation conseguiu obter uma sentença do tribunal supremo que ordenou em setembro de 2012 a cessação de toda a atividade mineira[19], mas a ordem foi cumprida pelo governo de Goa somente em 15 de março deste ano. No entanto o governo estatal dominado pelo partido BJP, de cariz marcadamente fundamentalista hindú, tem encontrado uma alternativa aos lucros de minério na exploração de casinos, cinco deles no rio Mandovi, e outros em terra. Pode ser visto como uma continuação da influência histórica portuguesa em Goa via Macau.

[1] O texto faz parte de comunicação apresentada no colóquio internacional sobre a história da fazenda no império português na Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa em 17 de maio, 2018 [https://sites.google.com/site/fazenda4seminariointernacional/].

[2] http://orcid.org/0000000293971433.

[3] M.N. Pearson, Merchants and Rulers in Gujarat: The response to the Portuguese in the sixteenth century. New Delhi: Munshiram Manhoharlal Publishers, 1976.

[4] M.N. Pearson, Os Portugueses na Índia. Lisboa: Editorial Teorema, 1987.

[5] Está disponível o texto digitalizado na biblioteca do XCHR (Goa) pelo British Museum Library: https://eap.bl.uk/archivefile/EAP636530#?c=0&m=0&s=0&cv=1&xywh=1%2C44%2C4928%2C3351.

[6] M.N. Pearson, “Indigenous dominance in a colonial economy: The Goa Rendas, 1600-1670”, Mare Luso-Indicum, II, Genève, 1973: pp. 61-73.

[7] Teotonio R. de Souza, “M.N.Pearson, Coastal Western India” (Book Review), The Indian Archives, XXXI, 1982: 89-91. 26.

[8] Teotonio R. de Souza, “Glimpses of Hindu Dominance of Goan Economy in the 17th Century”, Indica, vol. 12, N.º1 (March 1975), pp. 27-35.

[9] Idem, pp. 29-30. São apresentadas as estatísticas populacionais para as diversas províncias de Goa segundo a documentação contemporânea no Arquivo Histórico de Goa e no arquivo da Companhia de Jesus em Roma A documentação dos Franciscanos registou a população de Bardez, a região menos cristianizada de Goa em 1667 como 46.500 Cristãos e 7.000 Hindús. Um censo oficial de 1695 indica toda a população hindú de Goa para o mesmo ano como 20.000, dos quais somente 198 possuíam bens imóveis. Um censo da Igreja em 1722 apresenta o total dos Cristãos nas três províncias de Goa como 175.000 almas.

[10] São guloseimas ainda hoje muito populares, melhor conhecidas por chakris e jelobis.

[11] Candil/khandi, medida de peso equivalente a 4 quintais ou c. 220 kgs.

[12] Xendi era um rabicho que um hindu de castas altas deixava crescer na cabeça. Fazia parte do sacramento upanayanado hinduísmo juntamente com a colocação de três linhas sagradas, para marcar o início de adolescência e um sinal de superioridade da casta. Tinha uma utilização prática: Se dormitasse durante o tempo de estudo, o xendi atado com uma corda ao telhado acordava o menino.  13 Teotonio R. de Souza “Xenddi-Tax: A Phase in the History of Luso-Hindu Relations in Goa (1704-1841) in Studies in Foreign Relations of India, ed. P.M. Joshi and M.A. Nayeem, Hyderabad, 1975, pp. 463-471.

[13] Celsa Pinto, A comercial ressurgence, 1770-1830. Tellicherry: Irish, 2003. Apresenta nas páginas 175187 as fontes de informação relevante nos arquivos de Goa e Lisboa. Também muito relevante para o tema é a tese de doutoramento de Celsa Pinto, orientada por mim, e publicada em 1994 como Trade and Finance in Portuguese India. New Delhi: Concept Publications.

[14] F.X. Ernesto Fernandes, India Portugueza: Estudos económico-sociaes (1905). Bastorá: Typographia Rangel.

[15] Francisco Xavier Vaz, Legados Pios. Bastorá, 1960. Págs. 186.

[16] P.S.S. Pissurlencar, Agentes da Diplomacia Portuguesa na Índia. Bastorá, 1952.

[17] Teotonio R. de Souza, “Da torre do tombo de Goa à Gova-Purabhilekha: Comemorando 400 anos do arquivo histórico de Goa”, Anais da Academia de História, Série II, Vol. 41. Lisboa, 2003, pp. 455-471. [http://hdl.handle.net/10437/505]

[18] Teotonio R. de Souza, “Desde os estudos geológicos e as concessões portuguesas de exploração de minério em Goa nos anos 50 até à atualidade: uma escolha difícil entre uma pretensa espinha dorsal económica e a difícil espinha dorsal real de ecossistema regional”. http://bit.ly/2wKrK5n

[19] http://bit.ly/Iztf7u Os dados foram confirmados ainda hoje por mim entrando em contacto com Claude Alvares, o fundador e presidente da Goa Foundation.

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