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Perfume

Perfume

Estamos na nossa vida, a fazer as nossas coisas, ocupados com as nossas rotinas – façam-nos, elas, sentido ou não – e de repente chega-nos um odor, um cheiro, uma fragrância, um perfume e tudo muda. Já vos aconteceu?

Aquela mudança pode ser abrupta ou não; às vezes, é suave, vai instalando-se como quem não quer a coisa… E não se trata necessariamente de uma coisa boa ou má; é uma mudança de estado de espírito que será o que será consoante aquilo que foi…

Este fenómeno ocorre a um nível transcendente, invisível… Há quem o considere uma experiência espiritual e há quem o considere algo bastante terra-a-terra. E isso não interessa, pois não é essa a questão pela qual falo disto; falo disto porque é uma realidade na vida de todos nós… É ou não é?

Afinal, quantos de nós poderemos dizer que isso nunca nos aconteceu?!

Acho que ninguém… Toda a gente, nalgum momento da vida, já sentiu um perfume, uma fragrância, um cheiro ou um odor que o terá transportado para outro momento da sua vida; seja em termos emocionais – para a maior parte de nós – seja para uma recordação imagética. Chama-se a isto: memória olfactiva.

A neurociência já assumiu este fenómeno… Mas vai mais longe e explica porque é que um cheiro pode traduzir-se numa experiência mais dramática do que uma imagem. É a forte ligação entre o olfacto e o nosso sistema límbico – associado às memórias e emoções – que faz com que a recordação espoletada por um odor, uma fragrância ou um perfume sejam imediatas e avassaladoras…

Ainda assim, podem não ser tão imediatas…

Por vezes, damos por nós com um sentimento que não entendemos… Já vos sucedeu?

É comum ficarmos irritados de súbito; e, muitas vezes, até sabemos o que nos irritou: foi algo que nos disseram ou fizeram; ou algo que vimos… No entanto, não tão comum, é não sabermos o que nos irritou, entristeceu ou roubou o ânimo; e, muito menos comum, é, considerarmos a possibilidade de isso ter acontecido porque foi algo que nos cheirou…

Desculpem ter dado exemplos de emoções negativas, porque não tem de ser; o mesmo pode acontecer com emoções positivas: alegria; esperança; ânimo. Todavia, encontra-se provado que as experiências negativas são as que mais facilmente nos recordamos deste modo… E não está nada errado com isso, porque é o nosso sistema interno a alertar-nos para os perigos futuros recordando-nos os perigos passados… Da mesma forma, nem sempre a nossa reacção a uma lembrança boa é positiva, ou é má, a reacção, a uma lembrança negativa; é importante não confundir a nossa reacção actual a uma lembrança com a natureza dessa lembrança, porque, a pessoa que somos hoje, não é a pessoa que fomos ontem…

Dizia eu… Raramente nos ocorre que o nosso estado de espírito – vamos optar por usar esta expressão neutral – possa ter mudado por termos cheirado qualquer coisa. E é natural; acho eu. Na nossa vida, nas rotinas apressadas que vivemos, se nem sempre prestamos atenção ao que vimos e ouvimos, porque haveríamos de o fazer ao que cheiramos?

Contudo, da mesma forma que aquilo que vimos, ou ouvimos, pode mais tarde vir-nos à memória para nos assombrar o dia, também aquele odor, fragrância, perfume ou cheiro o pode fazer; a questão é que este último não nos dá qualquer hipótese de ser contrariado…

Uma especialista – a Dra. Michelle Nuback, da Aliança Instituto de Oncologia – explica-nos o porquê de isso ser assim, o porquê de os cheiros, os perfumes e as fragrâncias e odores serem mais fortes do que a visão. Diz-nos que o bulbo olfactivo, responsável pelo processamento dos aromas, está numa região do cérebro que é mais próxima do local onde são accionadas as memórias e emoções.

Mas quão avassaladoras poderão ser estas memórias?

Aqui há uns anos – talvez uns 10 – estava eu sentado em frente à televisão, com a minha esposa, a assistir um filme de domingo à tarde; era uma comédia romântica ou um drama cómico – se bem que nunca percebi como poderia um drama ser cómico, mas adiante – quando de súbito desatei a chorar compulsivamente. Percebi, eu, a chegada do choro ou da tristeza que me levaria às lágrimas?

Não; e também não foi nada do que se passava no filme. Só depois de me ter acalmado, entendi o que se passara: pela janela aberta, entrara o odor a ovos fritos e isso trouxe-me à memória o aroma do café acabado de fazer que, por sua vez, lembrou-me a minha avó… De quem tenho muitas saudades. E tudo isso ocorreu – não sei se podemos dizê-lo assim – à velocidade da luz: traspás; cabum

E algo similar aconteceu nesta manhã – em que escrevi este texto; embora não tão imediato. Uma fragrância invadiu-me as narinas quando entrei numa das divisões da minha casa. Lembrou-me alguma coisa?

Lembrou. Mas não soube – nem sei, ainda, bem – o quê. Na pressa para me despachar, fui ignorando aquela má sensação que se estava a instalar em mim; uma certa pena; uma certa tristeza; um certo conformismo derrotista… Mais tarde, já a caminho do trabalho, comecei a sentir uma certa raiva; uma certa fúria; e algumas lágrimas surgiram nos meus olhos; mas foi tudo… E quando cheguei ao meu destino, inexplicavelmente, chorei compulsivamente; tão sentido como se tivesse acabado de perder alguém…

Descobri o que foi?

Eu acho que sim; mas – perdoem-me – fica comigo…

Imagem de Łukasz Cwojdziński por Pixabay

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