Desde que comecei a minha vida de escritor, e a prestar atenção ao que se passa no mundo dos livros, tenho visto muitas coisas; e não sei dizer, assim de repente, se são justas se não… Mas assim de repente – também -, a quem, como eu, dá tanto de si à escrita, parecem muito injustas; e parece – sempre – que algumas pessoas são favorecidas…
Não me levem a mal; e, principalmente, não me tomem por ressabiado, porque não se trata de nada disso. À superfície até pode parecê-lo, mas somos todos crescidinhos e sabemos bem que nada nas nossas atitudes, posições e crenças é superficial: somos como o mar profundo e, como o mar profundo, debaixo da ondulação suave ou – até – mar-chão há um mundo que ignoramos.
Sabemos todos que a justiça não é – ainda – deste mundo e por isso não poderemos crer que será ela quem leva a melhor; enquanto os compadrios, os conhecimentos, os jogos de influência e os favores existirem haverá sempre quem deles beneficiará e quem não… E isto não se passa só no mundo dos livros e das artes, passa-se em todo o lado, a todo o instante, mas neste – creio eu – passa mais desapercebido, pois assume aspectos de verdade, traços de erudição, rasgos de genialidade…
Comecei a escrever durante a adolescência, mas encarei a publicação, assumi o risco da exposição, tive a coragem de deixar que alguém lesse o que a minha alma garatujava, pela primeira vez, há 12 anos. Publiquei – iludido – o meu primeiro livro pela Papiro Editora, achando que pagar para ser publicado era aceitável, e recebi elogios rasgados da coordenadora editorial; afinal – disse-me – o meu livro fora o melhor do mês. Mas seis meses depois de uma aturada divulgação da minha parte desapareceu das livrarias – o que é normal, disseram-me, e assim é, pois confirmei-o – e as minhas perguntas, alimentadas por algumas críticas, surgiram: porque é que não houve uma melhor revisão do livro? Porque é que que não se fez mais divulgação? Porque é que, se o livro foi o melhor do mês, isso não estava na capa?
Mas, apesar desta experiência, e por ter aprendido com ela, lancei o meu segundo livro – uma sequela do primeiro – por outra editora similar; desta vez, controlei melhor o processo, porque sabendo com o que contava fiz um bom trabalho de pré-lançamento. Isto foi em 2010 e, gosto de contar isto, porque acho que foi significativo: numa tarde de um domingo de Fevereiro, em que chovia a potes, uma das salas da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, estava a cheia de pessoas que esperavam pelo meu livro. Infelizmente, a editora, por não concordar com os preços praticados pelas distribuidoras, não só não pôs os livros nas livrarias, como também, sabotou a minha ação de promoção, ao não fazer chegar à Fnac os livros para uma apresentação que eu organizara. Isto tudo custou-me muito – ainda custa -, porque até à capa do livro era original e única, desenhada por um artista sul-americano, e acho que este livro tinha um potencial incrível para me lançar.
Felizmente, em 2017, a Porto-Editora, através da Coolbooks, dá-me a oportunidade de publicar “Marta”: uma novela histórica passada nos últimos anos do Estado Novo. Senti uma diferença substancial a nível do profissionalismo: houve de facto trabalho; desde a revisão à capa. Mas por motivos pessoais entendi não fazer lançamento e isto chocou-os porque – no entender eles – os meus amigos não comprariam os livros…
Bom; não sei como é com os outros escritores… Contudo, para além de não ter muitos amigos, se escrevesse para eles, porque raio precisaria de uma editora?!
Confesso – mesmo ficando de pé atrás com aquela atitude; tive a esperança de que desta vez fosse diferente, mas…
Volto a dizer que este não é o texto de um escritor ressabiado. Os escritores ressabiados abandonam os livros e centram-se na critica do sistema; alguns até se tornam críticos literários, eternizando o ciclo que criticavam, numa ironia que ninguém entende. Eu não; eu escrevo todos os dias procurando, a cada linha, aperfeiçoar a minha técnica e, por isso mesmo, tenho conseguido concluir, pelo menos, um romance por ano. No entanto, não sou tonto, tenho olhos na cara, ouvidos e um cérebro muito arguto e analítico; o que se pode traduzir no velho ditado «Na escola onde tu andas, eu já fui professor…»
O trabalho de um escritor é uma obra em construção, por isso, dizer que o que escrevi eram obras primas seria arrogância disparatada; hoje escrevê-los-ia muito melhor e amanhã melhor ainda, porque mal do escritor que não evolui. Todavia, se todos aqueles que enchem as prateleiras das livrarias com “honras de estado” tivessem – mesmo – mais qualidade do que eu, fossem – mesmo – melhores do que eu, então eu não me sentiria tão ultrajado e não tenderia a achar, sempre que os holofotes iluminam alguém, que esse alguém está a ser favorecido por uma qualquer razão que ultrapassa a lógica do talento e da técnica; os únicos critérios aceitáveis no que respeita às artes.
Por isso, as coisas que vi, vou vendo e verei no âmbito da literatura, nomeadamente no que se refere ao destaque de estreantes, terão sempre esta aura dúbia quanto à credibilidade… Quanto mais não seja, porque aquele destaque não é igual para todos e porque os critérios que justificam esta desigualdade ultrapassam a lógica da subjectividade natural e nada têm que ver com o verdadeiro – e único – juiz de um escritor: o leitor. Se as coisas fossem certas, todos os estreantes teriam direito ao mesmo apoio e divulgação; só então, depois, a tendência do público mostraria a opinião do leitor. E só aí seria aceitável a diferenciação entre uns e outros…
Termino dizendo que haverão sempre escritores melhores do que eu; e piores. Mas tal como neste vasto universo, em torno de cada estrela, há só uma franja – a zona dourada – onde a vida é possível, também, no mundo da literatura, há só um pequeno espaço onde todos podemos viver. O que não entendo é porque é que esse espaço minúsculo está cheio de meteoros, asteroides e poeira espacial; tanta, que impede a entrada dos planetas cheios de vida que são os verdadeiros escritores.
Às vezes, nos dias mais sombrios, desejo que venha um cometa, de proporções gigantescas, rasgar aquele tecido de espaço-tempo onde não há espaço nem tempo para os verdeiros escritores – os que criam histórias com principio, meio e fim, com personagens originais e histórias que imitam a vida – e expulse de lá, como uma bola de bowling, toda a escória miserável que se tem assenhoreado dele e assombrado a nossa existência…
Fonte da imagem: NASA, imagem artística do asteroide Bennu