EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

O segredo

O segredo

Ler é um excelente estimulante para o cérebro e para a mente. Transporta-nos para outras realidades, outros contextos e – até – outros mundos, através das palavras; como que por magia. Não é magia, contudo, é uma ilusão; uma ilusão que por momentos nos transforma em algo. E esse algo em que nos transmutamos dependerá muito de quem somos e que de quem almejamos ser, daquilo em que acreditamos livremente e daquilo em que nos forçamos a acreditar, do que estamos a ler, da forma como está escrito, das técnicas que foram usadas para o escrever, do escritor, da nossa imaginação enquanto leitores e da imaginação do escritor enquanto autor…

Como sabem, sou escritor… Não sou um daqueles escritores que querem escrever um livro e, por enquanto, publicam uns artigos; eu já escrevi vários livros: três deles estão publicados. Os primeiros, tenciono revê-los e republicar um dia; o terceiro foi editado pela Porto-Editora em 2017. Mas hoje não venho falar sobre escritores, sobre o que é a aventura da escrita para mim, dos desafios da jornada, do aprendizado de cada uma delas ou de como me perco nas históricas que crio… Não; hoje, porque 23 de Abril foi o Dia Mundial do Livro, venho falar de livros…

O livro, em si, não é um objecto em vias de extinção; como se chegou a apregoar por aí… Mesmo a chegada do ebook só o ameaçou em teoria, porque muitos de nós precisamos de sentir o papel nas mãos, o cheiro da folha impressa, o peso do volume, a textura da capa… E para aqueles de nós que precisam de tudo aquilo, um ebook jamais será um livro. Mas o ebook também tem os seus encantos… A possibilidade de ter centenas de livros armazenados num e-Reader, ao nosso dispor, faz pensar; a praticabilidade de os levar para onde quer que vamos, sem peso ou espaço, também; e o preço…

Os preços dos ebooks são muito mais baixos do que os dos livros; não estou a falar em Portugal… Em Portugal também são, mas as diferenças são tão pequenas que fazem-nos sempre ficar indecisos; afinal, por mais 3€ levamos os livros. Mas vamos por partes…

Em primeiro lugar, há razões para que os livros sejam mais caros que os ebooks; estou certo de que todos as compreendem: o processo produtivo, e a distribuição, do livro material tem custos que o do ebook não tem. Contudo, dito isto, e em segundo lugar, não entendo porque há ebooks a 9€.

Ir às livrarias portugueses online, à secção de ebooks, é anedótico; os preços que lá estão são – na melhor das hipóteses – metade dos praticados para o livro físico, quando, no resto do mundo, há ebooks abaixo de 3€. A natureza desta situação só pode ter uma explicação especulativa; com o mercado a tentar ganhar o máximo onde gastou o mínimo…

Mas adiante…

O livro, em si, não é um objecto em vias de extinção; dizia eu… O que está em vias de extinção é o leitor.

O leitor, em Portugal, nunca foi muito prolífero. Por um lado, temos as razões económicas, como acima referi, e, por outro, temos as questões culturais; cujas responsabilidades são da classe governativa em geral e educativa em particular… E há, também, razões históricas.

Históricamente, saídos de uma ditadura – com censura séria e dorida – há pouco menos de 46 anos, somos ainda umas crianças em termos de uma sociedade livre e democrática; e isso faz com que as políticas culturais, de acesso à informação e à literatura, não sejam as prioridades governamentais. Esta atitude, como é evidente, também condicionou o círculo educativo, sendo o foco deste na produtividade: dar matérias que formem engenheiro(a)s, médica(o)s, cientistas – em geral- , gente que possa promover diretamente o desenvolvimento civilizacional, sem se preocupar em estimular as capacidades e interesses artísticos dos alunos. E, por fim, a construção que se fez, criou uma sociedade com fraco poder de compra e que, não só por necessidade, mas também por inculcação, olha para a cultura como algo dispensável…

Atenção: não estou a fazer um juízo de valor; estou apenas a tentar dar uma visão genérica da cena.

Todavia, eis-nos chegados ao momento actual, em que a nossa sociedade, por natureza, pouco dada a leituras, encontra a sociedade tecnológica que promove entretenimento – muitas vezes – gratuito sem que para tal se tenha de ter um livro na mão.

A humanidade sempre foi preguiçosa… Foi este nosso traço que nos trouxe aonde chegámos; sempre procurando conseguir mais com menos. O nosso objectivo sempre foi conseguirmos melhores resultados com menos trabalho. Por isso, é natural que se conseguirmos ter o mesmo grau de diversão, com menos dedicação, o preferiremos; e foi assim que a música, o cinema, a televisão, a rádio e os canais streeming conseguiram a projecção que ganharam: oferecem diversão e entretenimento sem que o entretido pouco mais tenha que fazer senão ouvir ou ver…

Mas isso tem um custo, meus amigos; um custo altíssimo. Um custo tão alto que me faz pensar – ponderar, na verdade – se aquilo que nos impulsionou ao nosso nível de grandiosidade não será, também, aquilo que nos fará regressar às cavernas.

Já há alguns sinais preocupantes; como pessoas a serem manipuladas – sem que disso se deem conta – para votarem em políticos medíocres para conduzirem os destinos das nações. E há mais: os movimentos fundamentalistas que se vão criando em torno do que se diz – e faz – nas redes sociais; a repetição à exaustão de argumentos ouvidos, vezes sem contas, sem que percebam, de facto, o que estão a defender…

Tudo isto é resultado da preguiça, meus amigos; da preguiça de usar a cabeça. Tanto procurámos por formas de nos divertirmo-nos sem termos de pensar que hoje – muitos – já não estão para reflectir naquilo que ouvem; perderam o estímulo de duvidar e de procurarem entender. Hoje consumimos as ideias dos outros e usamo-las como se fossem nossas; mas ao fazê-lo, não estamos a ser nós próprios, estamos a ser os outros: aqueles que criaram essas ideias.

O livro é a nossa salvação! Palavra de Escritor…

Sempre que consomem um filme ou ouvem uma música estão a ver e a ouvir uma interpretação de algo que foi escrito; não sabem – e na maior parte das vezes nunca saberão – se aquela era de facto a visão de quem escreveu. Sabem? O nosso cérebro – e mente – é prodigioso e, quando lê alguma coisa, interpreta-o com base no que a nossa mente tem de experiências, de desejos, de faltas, de abundancias, de receios, de esperança, de crenças… E, com base nisso, em fracções de segundo, forma uma imagem e uma ideia que para nós é quase real; vemo-lo na nossa cabeça, às vezes, até sentimos odores e ouvimos o ranger da madeira ou o vento a soprar… E isto é a nossa interpretação daquilo que lemos e é forçosamente diferente da dos outros; às vezes mais, às vezes menos, mas é sempre diferente nalgum aspecto. E porquê? Porque todos somos diferentes…

Quando permitimos que tudo aquilo que entra na nossa cabeça já esteja interpretado por alguém, estamos a assimilar mundos que não são nossos, que não reflectem quem somos, que não espelham os nossos desejos e preocupações; e porque nada daquilo é nosso, não temos as ferramentas necessárias para os desconstruir, e entender, e tornamo-nos papagaios, palrando aquilo de cor…

Mas quando lemos, quando deixamos que aquelas palavras ressoem em nós, somos nós quem cria o mundo para onde, quase por magia, viajamos; e esse mundo é nosso, só nosso – e do escritor, um bocadinho, também. Nesse mundo, tudo aquilo que o escritor não definiu, será resultado da nossa mente, das nossas ideias, das nossas crenças, das nossas esperanças; e isso dará origem a um mundo colorido só com as nossas cores. E isso é tão maravilhoso que fará com que queiramos sempre mais disso; e, com isso, que queiramos sempre entender as coisas por nós próprios, usando as nossas ferramentas e fazendo tudo passar pelo crivo do nosso intelecto, porque só assim poderemos tomar boas decisões…

Caso ainda não vos tenha convencido a pegar num livro, porque ele é a porta para a liberdade de pensamento…

Será que gostariam de ter alguém que vos mastigasse sempre a comida?

Imagem de Jill Wellington por Pixabay

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]